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quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

O AMOR DO CADA UM POR SI: PEQUENA REFLEXÃO SARTREANA


“O amor são duas solidões protegendo-se uma a outra.”

Rainer Maria Rilke

“Se o outro me ama, decepciona-me radicalmente por seu próprio amor: eu exigia dele que fundasse meu ser como objeto privilegiado, mantendo-se como pura subjetividade perante mim; mas, desde que me ama, ele me sente como sujeito e se afunda na sua objetividade diante de minha subjetividade. O problema de meu ser-para-outrem fica, pois sem solução. Os amorosos ficam cada um por si numa subjetividade total.”

O Ser e o Nada. Sartre.

Estou reescrevendo aqui sobre um comentário e interpretação breve sobre esta passagem de  Sartre. Coloco aqui outras pitadas e temperos que considero importantes na agenda e no cardápio de hoje. Em parte porque senti, ao reler a passagem, que havia certa duplicidade reflexiva encoberta no meu primeiro tratamento e que eu gostaria de explicitar isso mais hoje. Isso vale como um exercício e, quem sabe, como um jogo para além do treino.

Veja-se que o tema do amor se relaciona ao seu modo a um Eu e um Outro, um duplo, uma pluralidade pareada. Essa duplicidade, no sentido que dá exatamente Rilke para tal coisa, envolve dois que acabam, apesar do amor, num cada um por si. Veja, então, que ambos são solitários e possuem, na expressão de Heidegger, também analisada por Sartre em O Ser e o Nada, uma “solidão em comum”.  Tal solidão compartilhada é uma forma de amparo, apoio, proteção. Proteção do quê? Talvez da solidão que é o que devemos ver depois mais de perto também.

Só para lembrar, porque nos será útil depois também, Nietzsche considerava o amor uma das fraquezas dos homens, isto é, somente um homem fraco, insuficiente e incompleto precisaria de um outro ou de um amor pelo outro para ser feliz e andar sobre este mundo.

Já para Hegel, em sua clássica dialética do senhor e do escravo – também analisada por Sartre em o Ser e o Nada, há uma necessidade ou dependência entre um Eu e o Outro. 

O amor é em Sartre ai uma das disposições do outro em relação ao nosso Eu. E esta disposição gera na reflexão dele uma decepção. Talvez tal decepção esteja ligada a fraqueza aludida por Nietzsche e, de certa forma, a um sinal de que somos incompletos ou de que nossa solidão não ser resolve e não tem solução, isto é, jamais terá algum amparo efetivo e suficiente.

Creio ser bem interessante ver o alcance disto na teoria dele e também na nossa vida. Quando falo em alcance falo da questão de até onde esta reflexão nos leva ou o que ela nos ensina. Voltei a trabalhar sobre o que fiz a dois anos atrás a este respeito, porque encontrei de novo a razão de ser deste tema na experiência e na reflexão da experiência.  

Deveria ser o que Sartre diz ai e o que eu chamava de amar pelo reconhecimento do gênio. Mas pode ser, numa abordagem agora negativa, algo bem pior que isso se lermos com mais atenção ao que ele parece querer dizer ai. Algo que me escapou no primeiro comentário e que nos leva a uma espécie de absurdo odioso para nossa racionalidade ou nossa confiança na racionalidade. Não se trata tanto do reconhecimento do gênio e nem de um amor, mas sim de certa impossibilidade de tomar isto como conhecimento, reconhecimento ou cognição do outro sob qualquer descrição. Vejamos.

Porém, pensando de novo e retomando veja que isto que chamo de reconhecimento do gênio é no fundo um reconhecimento de si mesmo, uma clássica projeção, por isso a decepção da qual ele fala ali nos joga na tal subjetividade total de cada um. Isso seria uma decepção sobre o quê mesmo? No que eu me decepciono com o outro por sua admiração? Minha hipótese que a decepção se deve a impossibilidade de tal coisa se realizar ou ser possível.   

Lançar pela admiração o outro em si mesmo – a vaidade que o carrega – e lançar a si mesmo na contemplação de algo que só eu compreendo e porque eu compreendo me sinto integrado a ela e sua qualidade. Esta é atípica projeção. Admiro o outro como admiro a mim mesmo.

O reconhecimento de uma singularidade ou como ele parece supor ali – esse Sartre me é muito competitivo amorosamente – o reconhecimento de uma superioridade. Mas uma tal superioridade que encontro em mim mesmo ao final.

Para mim isso é, na minha primeira análise sobre o tema que grifo e reedito aqui, mais simples: só quem possui a beleza e a grandeza reconhece a grandeza e a beleza em outrem.
Mas isso me colocaria no rol dos presunçosos...despertaria a crítica, a inveja e talvez até mesmo a reprovação de outros superiores, mas e daí? Que cada um seja por si e pelo outro que quiser...então fica explicada a inflação do eu que ele chama ai de subjetividade total.

Quando penso nisto sempre encontro um delírio, uma forma ou espécie de ir além dos limites de si, mas por si mesmo. O delírio é assim um excesso de si. O delírio ultrapassa sua fronteira de conhecimento e te joga como um apostador obsessivo. Aquela aposta exagerada em seu próprio juízo e que esquece que por maior que seja sua inteligência ou qualidade, você pode estar errado, sua intuição pode estar errada e tudo pode apenas ser um engano. Uma grande qualidade não imuniza ao erro, nem torna o erro um acidente afastado de tua caminhada.

Mais dialética nesta questão explica a decepção sartreana; como podes me amar assim – ou odiar assim – se sequer me conheces de fato? A aposta que fizeste sobre mim, o grande juízo  que ergues em relação a mim, me exibe que em você passei de um ser desconhecido para o conhecido e deixo, então, de possuir qualquer mistério para ti, mas mesmo assim podes estar enganado (a) a meu respeito, podes apenas estar delirando em teu juízo e errando mais uma vez.

"Pois, no seio mesmo da paixão, nunca se deve tratar de "conhecer perfeitamente o outro".

 Lou Andreas Salomé.

Mas isto é possível?

O problema que ele aponta do ser para outrem ficaria sem solução justamente porque ou o outro não me conhece porque não se arrisca sobre mim – sequer tenta ou ousa me julgar e conhecer – ou, ao contrário disto, faz uma aposta demasiada e delirante sobre mim. Não há meio termo possível. A impressão que temos é que o conhecimento ai deveria ser infalível e irretocável. Ambos caminhos levam a nos deixar sem solução, por aqui ou por ali, num “cada um por si”.


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