“Acha que eu não entendo isso? O
impossível sonho de ser. Não parecer, mas ser. Consciente o tempo todo.
Vigilante. Ao mesmo tempo veja o abismo entre o que você é para si e para os
outros. Um sentimento de vertigem e o desejo de finalmente ser exposta. Ser
vista por dentro, cortada, até mesmo aniquilada. Cada tom de voz uma mentira, cada
gesto, uma falsidade, cada sorriso, uma tristeza. Cometer suicídio? Oh, não, nem
pensar. Isso é feio. Não se faz coisas deste tipo. Mas você pode se recusar a
se mover e ficar em silencio. Então, pelo menos, não está mentindo. Você pode
se fechar, se fechar para o mundo. Então, não tem que interpretar os papéis,
fazer caras ou gestos falsos. Assim acreditaria que sim, mas... a vida e a realidade
é diabólica. Seu esconderijo não é a prova d’água...a vida penetra por todos os
poros. A vida engana em todos os aspectos. Você é forçada a reagir. Ninguém
pergunta se é real ou não, se é sincera ou mentirosa. Isso só é importante no
teatro. Mas ...talvez nem nele. Eu entendo muito bem por que não fala, por que
não se movimenta. Sua apatia tornou-se um papel fantástico. Eu te entendo
Elizabet, entendo e admiro você. Acho que deveria representar esse papel até o
fim… até que não seja mais interessante. Assim como você, pouco a pouco, deixa
todos os outros papéis. Então… pode esquecer, como esquece seus papéis... É
realmente importante não mentir, falar de forma que tudo soe verdadeiro?
Pode-se viver livremente, sem mentir e inventar desculpas? Não é melhor ser
preguiçoso, negligente e enganador? Minhas palavras não significam nada para
você. Pessoas como você não podem ser alcançadas. Eu me pergunto se a sua
loucura não é o pior tipo. Você age saudável, representa tão bem que todo mundo
acredita em você - todos, exceto eu - porque eu sei como você é podre."
Monólogo da Doutora com Elisabet. Persona. Ingmar Bergman.
1966.
Nota: O texto é uma adaptação que junta diversas traduções e citações e também transcrições de legendas do filme. Em algumas passagens optei livremente por escapar da concisão e incluir dois sinônimos usados para a mesma expressão em uma ou outra legenda. O texto do monólogo é soberbo e tem mais subliminares do que parece. Recomendo ler pausadamente e se refletir como aquele que profere e aquele que escuta. No caso do filme, como a doutora que profere refletida e duramente, amargamente até, num sinal de talvez inveja e em outros momentos de provocação e pancadas e daquela que Elizabet que escuta catatônica e aparentemente indiferente. É um filme, um monólogo e um texto maravilhoso. Recomendo que vejam o filme, porque nada substitui a obra de arte em si mesma fechada e complexa. Me perdoem.
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