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quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

PERSONA, Ingmar Bergman 1966


“Acha que eu não entendo isso? O impossível sonho de ser. Não parecer, mas ser. Consciente o tempo todo. Vigilante. Ao mesmo tempo veja o abismo entre o que você é para si e para os outros. Um sentimento de vertigem e o desejo de finalmente ser exposta. Ser vista por dentro, cortada, até mesmo aniquilada. Cada tom de voz uma mentira, cada gesto, uma falsidade, cada sorriso, uma tristeza. Cometer suicídio? Oh, não, nem pensar. Isso é feio. Não se faz coisas deste tipo. Mas você pode se recusar a se mover e ficar em silencio. Então, pelo menos, não está mentindo. Você pode se fechar, se fechar para o mundo. Então, não tem que interpretar os papéis, fazer caras ou gestos falsos. Assim acreditaria que sim, mas... a vida e a realidade é diabólica. Seu esconderijo não é a prova d’água...a vida penetra por todos os poros. A vida engana em todos os aspectos. Você é forçada a reagir. Ninguém pergunta se é real ou não, se é sincera ou mentirosa. Isso só é importante no teatro. Mas ...talvez nem nele. Eu entendo muito bem por que não fala, por que não se movimenta. Sua apatia tornou-se um papel fantástico. Eu te entendo Elizabet, entendo e admiro você. Acho que deveria representar esse papel até o fim… até que não seja mais interessante. Assim como você, pouco a pouco, deixa todos os outros papéis. Então… pode esquecer, como esquece seus papéis... É realmente importante não mentir, falar de forma que tudo soe verdadeiro? Pode-se viver livremente, sem mentir e inventar desculpas? Não é melhor ser preguiçoso, negligente e enganador? Minhas palavras não significam nada para você. Pessoas como você não podem ser alcançadas. Eu me pergunto se a sua loucura não é o pior tipo. Você age saudável, representa tão bem que todo mundo acredita em você - todos, exceto eu - porque eu sei como você é podre."



Monólogo da Doutora com Elisabet. Persona. Ingmar Bergman. 1966.



Nota: O texto é uma adaptação que junta diversas traduções e citações e também transcrições de legendas do filme. Em algumas passagens optei livremente por escapar da concisão e incluir dois sinônimos usados para a mesma expressão em uma ou outra legenda. O texto do monólogo é soberbo e tem mais subliminares do que parece. Recomendo ler pausadamente e se refletir como aquele que profere e aquele que escuta. No caso do filme, como a doutora que profere refletida e duramente, amargamente até, num sinal de talvez inveja e em outros momentos de provocação e pancadas e daquela que Elizabet que escuta catatônica e aparentemente indiferente. É um filme, um monólogo e um texto maravilhoso. Recomendo que vejam o filme, porque nada substitui a obra de arte em si mesma fechada e complexa. Me perdoem.

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