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segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

O POETA É UM AMANTE PRAGUEJADOR, para Walt Whitman


O POETA É UM AMANTE PRAGUEJADOR - para WALT WHITMAN




Sonhei com o que é o ser do poeta. Deve ser meu inconsciente querendo me dizer alguma coisa do tipo: faça. Faça poesias e faça amor. Se fizer pode dar certo e pode dar errado. E o poeta vai praguejar em ambos os casos. E o amante pode sofrer em muitos casos também. E pode praguejar também se assim lhe aprouver. Se é poeta e amante por excesso ou por falta. Porque esse fazer aborrece a alma em sua intensidade e descontrole. Envolve romper uma barreira. Envolve aceitar algo indomável e incontrolável, intenso e livre na gente. É preciso dar voz a esse ser. É preciso deixar ser o que se é. 

E pensei em você quando acordei. Não tenho certeza porquê. Mas minha intuição me leva a pensar em você. E as intuições sempre dispensam as certezas e adoram confundir e contrariar a razão. Não sei, portanto, se tenho razão e como esse pensar é pura poesia, que importância faz? Nenhuma. Não é preciso ter razão para pensar em amor. E amar demais não pode ser proibido. E quanto mais reprimido for, maior será a pressão para sair para a fora. Então, eu deixo sair para fora. Não fico com medo ou vergonha de amar demais.

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O poeta deve ser, então, essa espécie de praguejador suavizado ou bruto que anuncia sem medo ao mundo seu sentimento, lamento ou encantamento. Ele não tem saída e nem precisa ter mais saída. Por isso, ele o faz, sem medo e não há nada que o impeça de fazer. Deve e não pode, porque é necessário que faça. Não poderia, com ele ser diferente. Porque fazer a poesia e sentir o amor que ele sente pelo sentido e pela vida é uma libertação. Ele pragueja porque sabe que isso é difícil. Só ele sabe o quão difícil é sentir isso, amar assim e pensar assim. Não se trata para ele de uma escolha ou opção.

Não se escolhe amar só um pouquinho ou amar demais. Nem a poesia é dessa natureza opcional. Você sente e ama e ponto. Você escreve e aceita e ponto. Talvez ele pragueje mais quando começa a tentar. Lá no início dessa caminhada em que ele pensa mais em porquê do que para quê. Faz isso porque não acredita mesmo, não aceita o que aparece ou que faz. Fica insatisfeito e aborrecido com o resultado. É insuficiente para o seu sentimento e pensamento. Exclama: não está a altura. Isso é pouco. Então ele prossegue resmungando e esboçando um modo de expressar melhor o que sente. Até que chega no ponto em que ele dá de ombros, pragueja mais um pouco, mas passa a fazer. O poeta, então, deve ser aquele que não cala e que aprende a dizer e ensina a dizer, o que se sente.

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Dentro dele devem brigar e se abrigar dois gênios: o do amor mais puro e sublime, que é quase indizível, e o gênio da perfeição e da palavra. Ele deve passar um bom tempo tentando satisfazer a ambos e fazer ambos chegar num acordo e ponto comum. Quando consegue isso a poesia está pronta. Mas ele também pode praguejar para ambos e se libertar deles. Dessas exigências tão tradicionais de um passado e não de um presente.  

O poeta, apesar desses grandes gênios em si, em disputa, deve ser livre, inclusive deles. Deve aceitar a inspiração. Deve aceitar o que lhe vem a mente e ao coração e tentar lhe dar forma. Deve ser sem censura, seja para ser um fingidor seja para ser o mais verdadeiro dos homens ou mulheres. Quando é um fingidor é por uma dor que deveras sente, e talvez, nesse sentido, o que ele finge sentir sempre será menos ou mais do que aquilo que ele realmente sente. Talvez por isso mesmo seja um praguejador. Por que precisa ser verdadeiro e porque precisa fingir ao mesmo tempo. Deve ter algo errado, mas não parece ser com ele, então ele faz, ele escreve e ela ama assim mesmo, em toda a sua incompleta perfeição.

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O poeta deve encontrar a palavra ali onde há o espanto, ali onde há a surpresa, ali onde há aquela pergunta sem resposta ou aquela resposta errada. Deve encontrar a palavra onde falta o sentido, onde falta a expressão. Onde o seu impulso é maior que o desafio ou o obstáculo e, convenhamos, é exatamente isso que ele faz.

O poeta deve ser também um praguejador modulado por todas as misérias e glórias deste mundo e, talvez, por isto mesmo o poeta deve estar e repousar além deste mundo. Ele está fora do mundo, fora de casa, fora da caverna e fora de si. Vive no excesso e numa intensidade que não é natural, que é humana e ao mesmo tempo sobre humana. E talvez seja por isso também que quando a gente lê o que ele escreve e o que ele faz, nós também praguejamos. E praguejar é proferir um palavrão, você sabe, ali onde as palavras tranquilas não tem mais lugar.     

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Não admire o poeta por ser um deus, por mais divino que ele parece ele é apenas poeta por ser homem, por ser mulher, por ser criança e, enfim, por ser nada ou quase nada em meio a criação. Ele é um maldito praguejador que faz barulho e incomoda ali onde a maioria cala, onde a maioria fica em silêncio ou apenas chora. Ele faz aquilo que todos querem fazer, mas não podem, porque ele aceitou que praguejar e resmungar em nossa linguagem é parte integrante de nossa vida. Ele é poeta porque é humano.   

Daquela moita onde ele estava escondido e de onde ele sai nada mais virá, mas já foi o bastante. O poeta deve ser o que é, quase ser mais do que é e praguejar muito mesmo, quando sentir isso. Porque conseguiu deixar ser o seu próprio ser e se libertou do silencio, do sofrimento e do mero pesar e acabou respondendo ao mundo do seu jeito e com seus gênios. Se você entendeu, e para o poeta a maioria entende mesmo, então pode praguejar também. Não há nenhum mal nisso, não há nenhum mal na poesia, não há nenhum mal em amar em demasia.    

Um comentário:

  1. Me senti em cada palavra praguejada poeticamente. Nesse momento o praguejar tem sido um grito de fúria pelo assombro da incompreensão, onde só a poesia é capaz de penetrar nesses brutos ruidos de modo gentil e perpicaz harmonizando todas vibrações para dançar em meio as tempestades.

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