O POETA É UM AMANTE PRAGUEJADOR -
para WALT WHITMAN
Sonhei com o que é o ser do
poeta. Deve ser meu inconsciente querendo me dizer alguma coisa do tipo: faça.
Faça poesias e faça amor. Se fizer pode dar certo e pode dar errado. E o poeta
vai praguejar em ambos os casos. E o amante pode sofrer em muitos casos também.
E pode praguejar também se assim lhe aprouver. Se é poeta e amante por excesso
ou por falta. Porque esse fazer aborrece a alma em sua intensidade e
descontrole. Envolve romper uma barreira. Envolve aceitar algo indomável e
incontrolável, intenso e livre na gente. É preciso dar voz a esse ser. É
preciso deixar ser o que se é.
E pensei em você quando acordei.
Não tenho certeza porquê. Mas minha intuição me leva a pensar em você. E as
intuições sempre dispensam as certezas e adoram confundir e contrariar a razão.
Não sei, portanto, se tenho razão e como esse pensar é pura poesia, que
importância faz? Nenhuma. Não é preciso ter razão para pensar em amor. E amar
demais não pode ser proibido. E quanto mais reprimido for, maior será a pressão
para sair para a fora. Então, eu deixo sair para fora. Não fico com medo ou
vergonha de amar demais.
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O poeta deve ser, então, essa
espécie de praguejador suavizado ou bruto que anuncia sem medo ao mundo seu
sentimento, lamento ou encantamento. Ele não tem saída e nem precisa ter mais
saída. Por isso, ele o faz, sem medo e não há nada que o impeça de fazer. Deve
e não pode, porque é necessário que faça. Não poderia, com ele ser diferente.
Porque fazer a poesia e sentir o amor que ele sente pelo sentido e pela vida é
uma libertação. Ele pragueja porque sabe que isso é difícil. Só ele sabe o quão
difícil é sentir isso, amar assim e pensar assim. Não se trata para ele de uma
escolha ou opção.
Não se escolhe amar só um
pouquinho ou amar demais. Nem a poesia é dessa natureza opcional. Você sente e
ama e ponto. Você escreve e aceita e ponto. Talvez ele pragueje mais quando começa
a tentar. Lá no início dessa caminhada em que ele pensa mais em porquê do que
para quê. Faz isso porque não acredita mesmo, não aceita o que aparece ou que
faz. Fica insatisfeito e aborrecido com o resultado. É insuficiente para o seu sentimento
e pensamento. Exclama: não está a altura. Isso é pouco. Então ele prossegue
resmungando e esboçando um modo de expressar melhor o que sente. Até que chega
no ponto em que ele dá de ombros, pragueja mais um pouco, mas passa a fazer. O
poeta, então, deve ser aquele que não cala e que aprende a dizer e ensina a
dizer, o que se sente.
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Dentro dele devem brigar e se abrigar dois
gênios: o do amor mais puro e sublime, que é quase indizível, e o gênio da
perfeição e da palavra. Ele deve passar um bom tempo tentando satisfazer a ambos
e fazer ambos chegar num acordo e ponto comum. Quando consegue isso a poesia
está pronta. Mas ele também pode praguejar para ambos e se libertar deles.
Dessas exigências tão tradicionais de um passado e não de um presente.
O poeta, apesar desses grandes gênios
em si, em disputa, deve ser livre, inclusive deles. Deve aceitar a inspiração. Deve
aceitar o que lhe vem a mente e ao coração e tentar lhe dar forma. Deve ser sem
censura, seja para ser um fingidor seja para ser o mais verdadeiro dos homens
ou mulheres. Quando é um fingidor é por uma dor que deveras sente, e talvez,
nesse sentido, o que ele finge sentir sempre será menos ou mais do que aquilo que
ele realmente sente. Talvez por isso mesmo seja um praguejador. Por que precisa
ser verdadeiro e porque precisa fingir ao mesmo tempo. Deve ter algo errado,
mas não parece ser com ele, então ele faz, ele escreve e ela ama assim mesmo,
em toda a sua incompleta perfeição.
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O poeta deve encontrar a palavra
ali onde há o espanto, ali onde há a surpresa, ali onde há aquela pergunta sem
resposta ou aquela resposta errada. Deve encontrar a palavra onde falta o
sentido, onde falta a expressão. Onde o seu impulso é maior que o desafio ou o
obstáculo e, convenhamos, é exatamente isso que ele faz.
O poeta deve ser também um
praguejador modulado por todas as misérias e glórias deste mundo e, talvez, por
isto mesmo o poeta deve estar e repousar além deste mundo. Ele está fora do
mundo, fora de casa, fora da caverna e fora de si. Vive no excesso e numa
intensidade que não é natural, que é humana e ao mesmo tempo sobre humana. E
talvez seja por isso também que quando a gente lê o que ele escreve e o que ele
faz, nós também praguejamos. E praguejar é proferir um palavrão, você sabe, ali
onde as palavras tranquilas não tem mais lugar.
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Não admire o poeta por ser um deus,
por mais divino que ele parece ele é apenas poeta por ser homem, por ser
mulher, por ser criança e, enfim, por ser nada ou quase nada em meio a criação.
Ele é um maldito praguejador que faz barulho e incomoda ali onde a maioria
cala, onde a maioria fica em silêncio ou apenas chora. Ele faz aquilo que todos
querem fazer, mas não podem, porque ele aceitou que praguejar e resmungar em
nossa linguagem é parte integrante de nossa vida. Ele é poeta porque é humano.
Daquela moita onde ele estava escondido
e de onde ele sai nada mais virá, mas já foi o bastante. O poeta deve ser o que
é, quase ser mais do que é e praguejar muito mesmo, quando sentir isso. Porque
conseguiu deixar ser o seu próprio ser e se libertou do silencio, do sofrimento
e do mero pesar e acabou respondendo ao mundo do seu jeito e com seus gênios.
Se você entendeu, e para o poeta a maioria entende mesmo, então pode praguejar
também. Não há nenhum mal nisso, não há nenhum mal na poesia, não há nenhum mal
em amar em demasia.
Me senti em cada palavra praguejada poeticamente. Nesse momento o praguejar tem sido um grito de fúria pelo assombro da incompreensão, onde só a poesia é capaz de penetrar nesses brutos ruidos de modo gentil e perpicaz harmonizando todas vibrações para dançar em meio as tempestades.
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