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terça-feira, 30 de junho de 2020

A DOR DE CADA UM E O NOSSO PAPEL DE CUIDAR DE CADA UM


A DOR DE CADA UM E O NOSSO PAPEL DE CUIDAR DE CADA UM

Meu pai, Antônio Boeira Sobrinho, me disse umas frases memoráveis oito anos atrás quando estava em um leito na UTI do Hospital Centenário. Estou ruminando sobre elas até hoje. E a cada ano revisito elas e me ponho a pensar e completar de novo o que ele disse, porque a época fiz um resumo tão emocionado que tremia ao escrever. Ele estava em recuperação após mais uma intercorrência provocada por seu quadro crônico de saúde. Essas frases e tudo que eu percebi de novo ali me deixaram com um certo sentimento de realidade que no fundo eu creio que todos nós devemos aprender a ter...pelo nosso bem e pelo bem dos nossos próximos.



Não é um sentimento de realidade agradável e nem confortável, mas meu pai tinha essa capacidade incrível que eu encontrei em poucas pessoas nessa vida de enfrentar o Dragão do Mundo e a Cruz da Existência com serenidade, sabedoria, lucidez e muita firmeza. Eu percebi muitas vezes em nossa íntima amizade, em nosso convívio extremamente franco e sincero que toda essa sabedoria dele encobria um espírito muito furioso e muito enérgico, cuja face suave e sorriso simpático e gracioso escondia ou controlava de forma imperativa. Sob a tranquilidade do meu pai havia um vulcão extremamente febril e em alta temperatura que simplesmente aparecia numa tranquilidade e em gestos contidos, controlados, medidos e precisos. Exatamente como a profissão dele exigia. Meu pai tinha desenvolvido desde menino por força das suas circunstâncias existenciais, familiares e sociais peculiares aquele traço não tão simples de ser Capitão da sua própria alma, como clama aquele poema que consolou e fez a fortaleza de Mandela por 27 anos na prisão. Eu acho mesmo que é dessa luta entre a sua fúria e a sua própria alma que se gerou a precisão dele com as palavras e o fato de que ele era muito lacônico e certeiro em seus atos de fala e tirocínios sobre a verdade das coisas. Talvez eu tenha virado estudante de filosofia por admirar isso nele e me perder espantado pensando nas coisas que ele me dizia e no modo como ele me dizia essas coisas. Isso não tira nada da grande conta que que eu devo a minha mãe nesses e em muitos outros quesitos.       

Ele estava internado pela terceira vez – e não seria ainda a última antes de falecer no Hospital Regina em Novo Hamburgo. Tudo ocorreu após uma cirurgia de implante de prótese no quadril que trouxe algumas complicações em virtude de suas vulnerabilidades circulatórias, respiratórias e cardíacas e alguns descuidos dele mesmo em relação às suas doenças crônicas. E eu digo isso aqui porque eu não gosto de culpar médicos ou instituições hospitalares pelos insucessos com a saúde que são resultados das nossas ações, omissões ou negligências. E digo isso não porque não exista erro médico ou negligência médica nesse mundo, mas porque quando não é o caso, é uma grande injustiça atribuir a responsabilidade a outrem pelos nossos hábitos, vícios, desleixos, descuidos ou escolhas.

Meu pai Antônio me olhou nos olhos e me mirou de cima abaixo, com alguma dificuldade, a partir da cama da UTI e me disse:

"Daniel, me aconteceu uma coisa meu filho. Acho que preciso te dizer.  Eu estava ali deitado na maca doente e aquilo tudo que acontecia a minha volta, os sons que eu ouvia, as luzes e corpos, não me parecia nada reais. Mas de repente olhei para você e eu sentia que o meu filho era real. Porque me vinha a minha vida inteira ali presente através de você. Como se fosse um ponto exterior a mim. A realidade é muito dura, meu filho. A gente gostaria que fosse diferente, mas é assim que é mesmo e a gente sofre muito e isso é de verdade mesmo, meu filho. Isso não é um sonho, ainda que pareça um sonho, porque nos deixa meio desfigurados, estranhos. A realidade é muito mais dura mesmo"

Quando a gente escuta umas frases destas, se fica muito impressionado e pensando por muito tempo nela. Fica tentando entender a mensagem e também o seu sentido mais pessoal e o significado e você se dá conta de que você não pode sofrer mesmo pela outra pessoa, se dá conta que pode sofrer junto, ter empatia e sensibilidade, chorar por ela, pegar na sua mão e lhe fazer um carinho, mas jamais poderá sofrer no lugar dela. E devemos lembrar e nos preparar, como dizia Montaigne, porque um dia vai chegar a nossa vez também. Como me disse um amigo semanas depois disso devemos ser felizes e não nos atacar mesmo por pouca coisa. E assim volto à mensagem do meu irmão: a gente tem a obrigação de ser feliz, simplesmente porque estamos vivos. E se tivermos saúde, temos que agradecer muito por ainda escapar dessa dura realidade. E talvez possamos ser o ponto de ligação entre aqueles que sofrem e a realidade exterior. Talvez possamos ser a ponte entre o sofrimento da vida e a possibilidade de sair dele ou as memórias felizes da vida deles. E quando falo deles aqui, não falo somente do meu pai, mas de qualquer ser humano que encontrarmos em sofrimento ou desalento que podemos confortar, cuidar, amparar e apoiar com atenção e dedicação nesses momentos duros da vida.

Essa mensagem vai para todos os médicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras, técnicos e técnicas, gestores da saúde pública que em meio a essa Pandemia são os pontos de ligação e conexão com a realidade de milhares de pacientes pelo mundo, aqui no Brasil, aqui no Rio Grande do Sul e aqui na nossa São Leopoldo, em especial no Hospital Centenário e em todas as unidades de saúde, nos locais de testagem e vai também para aqueles que aqui em nossa cidade tem a tarefa de ligar para os pacientes em isolamento ou cuidar deles como hoje já é o caso no anexo do Hospital Centenário, o Monte Alverne, cedido pelas Irmãs Franciscanas e que já está em operação e cuidando da vida de pessoas como os nossos pais, mães, parentes, amigos e conhecidos, colegas ou próximos  e desconhecidos.

Muito Obrigado!

P.S.: Reescrevi essa memória pensando em todos aqueles que não podem ter seus filhos ou próximos juntos e no fato de seus cuidadores estão ocupados em cumprir essa tarefa de serem o ponto de ligação com a vida feliz e a possibilidade de sair desse sofrimento ou de lembrar bons momentos da vida. E também como uma homenagem a todos os familiares que não podem acompanhar seus parentes e seus entes queridos nesses momentos de salvação e redenção ou nos derradeiros e infelizes momentos de despedida.            

quarta-feira, 17 de junho de 2020

O RECUO DAS BANDEIRINHAS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


O RECUO DAS BANDEIRINHAS NO ESTADO

A data de ontem vai ficar marcada na história da Pandemia do RS pelo recuo do Governador e pela tentativa de avançar dos prefeitos da região metropolitana no enfrentamento da Covid19.

Foi um dia em que estava colocada uma perspectiva de reversão e contenção do crescimento di contágio e da disseminação do vírus, mas que terminou muito mal. Seja pela decisão do governador, seja pelo aumento de óbitos e casos, aumento de suspeitos também e pela iminência de um colapso real do sistema de saúde do estado para os próximos 15 dias.

Ontem dei uma navegada na rede para ver como andam as cidades do Vale dos Sinos, da Serra e do eixo da BR-116, em relação aos números de óbitos e casos. Não gostei nada do que eu vi.

Faço isso a partir da visão e dos dados de São Leopoldo que entrou em estado de alerta. E que com a liderança do prefeito Ary Vanazzi não está negligenciando o perigo e está percebendo a escalada de casos e óbitos e a gravidade do caminho que s região segue.

Ao mesmo tempo, também por provocação do Vanazzi, os 38 prefeitos da região metropolitana - de diversos partidos - se reuniram on line para tratar de forma regional da situação da Pandemia, haja visto que está claro que não existe solução local, que nenhuma cidade é uma ilha, que o nível de contágio chegou nas periferias e que as cidades conurbadas da RMPA que são interligadas por transporte e com alta densidade demogräfica, não terão tranquilidade alguma enquanto não adotarem medidas e estratégias comuns para enfrentar o Covid. Surgiram muitas propostas de estratégias comuns que o Vanazzi levou a consideração dos demais e estes também apresentaram propostas. Estratégias essas que, porém, devem ir para além da testagem ou das barreiras sanitárias e chegar nos regimes de isolamento e distanciamento comuns que envolvem a única estratégia possível de evitar o colapso. Para chegar num acordo sobre isso foi montado um comitê regional.

Depois de tudo isso, que se iniciou pela manhã, eu estava jurando que o governador iria perceber os sinais e ia rever a condição de bandeira da RMPA, por conta da posição estratégica do sistema de saúde dessa região para o estado inteiro e ele vai lá e atenua as bandeiras vermelhas das outras regiões. Na completa contramão ele assim segue, do que todos os dados de crescimento de casos e óbitos indicam para o estado. Estamos a beira do abismo e o empresariado e alguns gestores de Prefeituras e do estado resolvem a essa altura do campeonato nós levar para uma situação muito semelhante a que aconteceu na Itália flexibilizar sob a consideração de que possuem controle e capacidade de suportar a velocidade do crescimento dos casos no sistemas de saúde, quando, na verdade, toda a rede de leitos de UTIs para Covid19, por hierarquia, está justamente chegando no seu limite para passar aí colapso. É nessa direção que caminham os números de crescimento de casos e óbitos.

Por causa disso, a metade desse card é a notícia, a outra metade expressa meu LUTO antecipado pela decisão de recuo do governador.

O argumento dele para recuar se baseia na apresentação de novos leitos de Covid19 nas regiões em bandeiras vermelhas. Sabem quantos leitos?

Procure saber e pense por si mesmo.

#VoltemParaCasa

#FiquemEmCasaDeNovo

#PorFavor


“ISSO É LÁ NA CHINA”


“ISSO É LÁ NA CHINA”:
O PRIMEIRO SINAL DE NEGACIONISMO,
A PRIMEIRA NEGLIGÊNCIA DO GOVERNO FEDERAL
E A CONTRAMÃO QUE PERMITIU A CHEGADA DO VÍRUS AO BRASIL

É indiscutível que toda a Pandemia no Brasil chegou pelos portos e aeroportos que acolheram abertamente o Coronavírus, sem nenhuma medida preventiva ou protetiva. E essa doeça grave foi recebida sem sofrer qualquer resistência ou restrição, através de medidas sanitárias cabíveis, e se disseminou pelo país passando pelas etapas para se tornar comunitária, interiorização e periferização que levaram ao quadro atual que ainda que seja distinto de região para região, tirou muita vantagem da falta de rigor e articulação dos gestores federais com os estados e municípios, da falta de articulação regional e, também, quando passou das camadas superiores e medias da sociedade para setores mais vulneráveis e desprotegidos seja por condições de moradia, densidade demográfica, condições de trabalho e mobilidade desprotegida, bem como, por falta de uma comunicação alinhada entre o governo federal e os estados. Hoje estamos praticamente vivendo a segunda onda – a primeira por São Paulo, Rio de Janeiro, Nordeste e Manaus, em virtude da persistente negligencia do Governo Federal e dos esforços insensatos de flexibilização por parte de um empresariado que tem proteção a sua saúde e também pela condição não resolvida dos trabalhadores informais que não receberam ajuda emergencial e das populações mais vulneráveis e periféricas das grandes cidades. Além disso, com a interiorização, a segunda onda ataca Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Brasília, com os demais estados começando a sofrer crescimento dos casos e óbitos.      

O início dessa tragédia brasileira se deu lá no começo no tratamento a questão dos portos e aeroportos que será apontada com algum detalhe a seguir. Não foi determinada uma triagem de passageiros em voos e cruzeiros internacionais, nenhuma restrição de entrada foi emitida para portos e aeroportos até. Nos portos e aeroportos brasileiros, as autoridades não monitoram sequer a temperatura dos viajantes. Sobre os cruzeiros ocorreram algumas poucas exceções noticiadas. Não foi adotada a restrição de entrada no país para viajantes de países com "alta incidência" de covid-19, como China, Japão, Coréia do Sul, Irã, Itália, França, Alemanha, Espanha e outros. A entrada de estrangeiros no país e o retorno de turistas brasileiros não foi monitorada. O Ministério da Saúde declarou uma emergência de saúde em todo o território, mas não adotou uma medida que implicasse que todos os passageiros que retornaram ao Brasil da Espanha, Itália, Irã, França, Coréia do Sul e duas províncias da China (Hubei e Cantão), os locais com os casos mais notificados, ficassem isolados em suas casas por 14 dias e nem promoveu a testagem desses.  

Na entrevista ou diálogo entre o Dr. em Virologia  Atila Iamarino e o ex-secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde Wanderson Oliveira que é também Dr. em Epidemiologia, ocorrida agora em sete de junho, Wanderson revela, aos 46 minutos dessa entrevista, os bastidores da recepção e do alerta sobre a Covid19, lá no início de janeiro.

Quem me lê sabe muito bem que considerei a hipótese de que tenha sido feita a proposta de barreira sanitária nos aeroportos já em janeiro pelo Ministério da Saúde. Esse depoimento do Wanderson confirma essa hipótese e ainda que não confirme uma negativa oficial ou formal, aponta claramente para o primeiro sinal de negacionismo em relação a Pandemia no Governo Federal.

Minha consideração sobre essa hipótese à época foi que a medida de barreiras sanitárias no aeroporto foi rejeitada por covardia política, desprezo e preconceito - o que não é menos que ignorância e burrice - por parte do Presidente irresponsável que se aconselha no Gabinete do Ódio que é orientado por pessoas que se guiam mais por paixões políticas do que por alguma dose de racionalidade e tranquilidade.
O depoimento de Wanderson, repito, não comprova isso, mas é exemplar da atitude negacionista geral que se seguirá. O problema que eu aponto aqui é que esse negacionismo não é somente retórico ou discursivo, mas ele também é gerador de ações na contramão dessas medidas de proteção do país e do povo brasileiro em relação a Pandemia.

O depoimento pode até passar despercebido para muitos, mas é perturbador para aqueles que estão acompanhando com atenção, informação e análise crítica o que está ocorrendo no Brasil com a Pandemia e os nossos problemas de toda ordem no seu enfrentamento. Não é um depoimento tão detalhado assim, mas comprova parte da situação e do descaso do Governo Federal com o tema. Longe de acusar Wanderson por esse depoimento ou confidência, mas devemos considerar isso como uma pista ou o primeiro sinal sintomático da cadeia de desconsiderações ou negligencias que se seguiriam. Além disso, também vale como uma demonstração da lógica invertida adotada pelo governo federal no enfrentamento a Pandemia. Essa lógica é acompanhada pelo negacionismo na retórica e nos atos de fala do presidente e de muitos dos seus principais acompanhantes e apoiadores, mas também por ações e atitudes contrárias às tentativas de enfrentamento adequado a Pandemia.  

Ele nos informa que em cinco de janeiro recomendou a um servidor ou dirigente da Anvisa a ativação do sistema de controle nos aeroportos e que este respondeu com ceticismo dizendo que "não tem problema, isso é lá na China." Trata-se de um colega da Anvisa que é avisado. E este responde: "Não vai chegar aqui não." Wanderson diz então na entrevista: "Eu recomendei ativar os planos nos aeroportos. Isso no dia cinco de janeiro."

Já em 16 de janeiro foi apresentado, segundo Wanderson, o primeiro boletim epidemiológico. Recomendo a leitura disponível no Site da Fiocruz. O comentário de Atila Iamarino atenua a gravidade da resposta, dizendo que não poderia ser compreendido ainda na época, pois "não tinha precedente. Tinha que ser uma extrapolação mesmo."

Escrevi, lá em início de abril, que era muito provável que no governo federal o ministério da saúde já em meados de janeiro até fevereiro tenha dado de alguma forma o sinal da necessidade de barreiras nos aeroportos, mas que isso foi rejeitado. Essa era a minha primeira tese que abre a cadeia de negligências ou desconsiderações por parte do governo federal em relação a pandemia. A minha tese mais geral é de negligencia sistemática a gravidade da Pandemia e as medidas preconizadas pelos técnicos, pela ciência e pelas autoridades mundiais em saúde pública que tem assento na OMS e na América Latina na OPAS. 

A partir de fevereiro, porém, não tem mais desculpa por que já havia o primeiro boletim da OMS e já havia sido elevada a condição de risco da Epidemia para Alta. Mas mesmo assim, esse governo federal e também o governo Trump, um pouco depois empurraram a conta do contágio e da disseminação do vírus sobre a OMS, acusando ela de não ter declarado Pandemia ou de ter apontada a importância da adoção de uso de máscaras pela população em geral, que eles retardaram fazendo discussão de especificações técnicas até que liberaram geral e começaram a recomendar no Brasil também. É bom lembrar porém que foi determinada pela OMS que haviam duas medidas cruciais para deter a pandemia: ampla testagem e isolamento. Sem falar da ausência de barreiras sanitárias nos aeroportos que hoje já são praxe na maioria dos países. No final de janeiro, porém, qualquer gestor público do planeta já tinha acesso a dois dados decisivos sobre a Pandemia: de um lado a elevadíssima e poderosa capacidade de contágio e transmissão do vírus, segundo que a única estratégia para reduzir o contágio é o isolamento.

Um exemplo dessa recusa a medidas sanitárias em Aeroportos foi o caso do estado do Ceará. No início da pandemia tomou medidas sanitárias para fechar o aeroporto de Fortaleza, um  dos cinco principais aeroportos onde o vírus desembarcou no país, para voos dos EUA e da Europa, e a iniciativa do Governo Bolsonaro via Infraero foi ir á justiça para impedir essa medida, e um Juiz do TRF de Recife a partir disso manteve os voôs assim. Para apontar o resultado atual, ontem o estado do Pernanbuco atingiu a seguinte marca de casos e óbitos: Com 920 confirmações e 73 mortes, PE chega a 46.427 casos e 3.959 óbitos por Covid-19. Ambos, o Governo Federal e o Juiz do TRF de lá, deveriam ser responsabilizados primeiro publicamente e depois processados pelo descontrole e pelas mortes da pandemia no Ceará e o Governo Federal por sistemática e repetida negligência e por atuar na contramão dessas medidas.

sexta-feira, 12 de junho de 2020


A DEFESA DE SEU PAI POR LUCIE DELAMBRE 
EM DÉRAPAGES OU RECURSOS DESUMANOS: SÉRIE DA NETFLIX 2020

"Sras. e Sres. do júri.
Ontem, a acusação lhes pediu para fazer do Sr. Delambre um exemplo de ter , eu cito, "elevado as tensões sociais a um nível social inaceitável."

E essa noção de tensão social... é.... central.
Quero dizer que é uma questão séria, grave.
A relação entre o indivíduo e o grupo ao qual ele pertence.
E essa questão... é...muito importante.
É essencial.
Então, agradeço ao procurador...
Por evocar certa noção de pacto social.

Porque diante de vocês, senhoras e senhores...
Temos o exemplo de um homem que respeitou e cumpriu a la lettre com todos os termos do contrato social.
Que ele obedeceu às injunções da sociedade.
Disseram para ele estudar e trabalhar.
Ele conseguiu seus diplomas e trabalhou por quase 40 anos.
Disseram para ele se endividar para comprar um apartamento.
Ele fez isso.
Incentivaram-no a ter filhos.
Ele teve duas.
E ele cuidou delas.
Ordenaram que as educassem para que se tornassem enpregáveis.
Ele fez isso.

E de repente...depois de 40 anos de serviço leal...quando ele achou que poderia colher os benefícios legítimos, os que me referi, do contrato social...a sociedade mudou de ideia.
Não há mais trabalho...
Menores pagamentos de pensão...e humilhação.
Bicos, precariedade...
Pobreza crescente...a promessa de um futuro sem felicidade, da velhice sem felicidade.

Então, lhes pergunto:
Quem violou o contrato social?
O caso de quem estamos considerando hoje?
A empresa que organizou um esquema de reféns?
A sociedade que explora, precariza e rejeita?
Estamos julgando Alain Delambre.
Aqui no dia de hoje.
Ele é o encrenqueiro....
O rebelde...
O culpado...
O assassino em formação.

Nas últimas semanas...
A França começou a ver Alain Delambre...
como a encarnação do desemprego...
Alain Delambre e suas indignidade.
Toda a nação se reconheceu nele.
E eles estão certos.
Não estão decidindo...
O destino...
De um desempregado....
Mas o de três milhões de desempregados...
Nos próximos três anos.

E espeto que me permitam fazer uma observação pessoal.
Sabem a conexão que tenho com meu cliente.
E posso lhes dizer que tipo de homem ele é.
O pai maravilhoso que ele tem sido.
Tudo que ele nos deu...
E tudo que ele...

- Longa pausa até que interrompe e
Pergunta o juíz:

"você terminou advogada?"

Ela assente com a cabeça e se senta em silêncio, mas emocionada no seu lugar no parquet.

"O júri agora vai deliberar." Declara o juiz.



P.S.: Fiz questão de fazer essa transcrição para ilustrar a incrível situação em que se encontram milhões de trabalhadores e trabalhadoras, cidadãos e cidadãs em todo mundo e nos países onde projetos, reformas, medidas econômicas e outras intervenções do estado e do mercado nas leis e na economia precarizar as condições de vida deles. Anoto aqui, enfim, que isso não atinge somente pequenos trabalhadores e seus direitos, mas todos os trabalhadores, incluso aqueles de nível superior e com carreiras com vencimentos mais elevados. Ou seja, incluso as classes médias que são parte crucial do eleitorado médio que vota massivamente nesses projetos de reformas e neoliberais. Para sua reflexão e sem mais comentários.

COMO A DIREITA E O PT TRATAM O SUS?


COMO A DIREITA E O PT TRATAM O SUS?



SÃO LEOPOLDO É UMA PROVA CABAL DESSA ABISSAL DIFERENÇA

A gente lê e escuta tanta bobagem, besteira e mentira sendo dita por pessoas que não conhecem a realidade e nem a verdade, mas também por aqueles que se especializaram em enganar a população com o uso de Fakenews e com ataques caluniosos, que é preciso dizer certas coisas mais de uma vez, por justiça e pelo bem da nossa população.

Há uns diferença brutal entre o modo como o PT tratou o SUS no Brasil, no estado e nas cidades e o modo como a direita, os liberais e a oposição local trata e tratou e muito provavelmente vai continuar tratando o SUS. O exemplo dessa diferença é duríssimo em São Leopoldo. Vou aqui destacar somente algumas notas que tenho de memória porque acompanhei todos esses debates, processos e acontecimentos.

A unidade do SAMU foi aberta em 2007 em São Leopoldo. De 2013 a 2016 as viaturas foram sucateadas. De 2017 até aqui o Governo de Ary Vanazzi adquiriu viaturas novas. A UPA iniciou a construção em 2012 e o governo de direita levou três anos para abrir e ainda abriu com um contrato lesivo aos cofres públicos que teve que ser interrompido. Os leitos de UTI do hospital centenário foram ampliados para atender a demanda de Covid19 nesse ano e o Governo Federal ainda não os habilitou. O programa mais médicos quase foi destruído aí final do governo Temer com a desfeita de Bolsonaro, antes mesmo de tomar posse, aos médicos cubanos e até hoje muitos locais ficam sem médicos porque a elite não quer trabalhar e atender o povo pobre em muitos lugares do Brasil. O Programa Farmácia Popular do Brasil foi descontinuado. São Leopoldo possuía duas unidades que foram fechadas e que possuíam atendimento de excelência. A CPMF que arrecadava milhões para a saúde foi derrotada no congresso por uma frente de lobistas anti-sus e contra o processo de controle das movimentações financeiras que impedia a Sonegação desse recurso. Isso sem detalhar aqui que muitas melhorias na saúde pública hoje se transformaram em moeda de barganha através de emendas parlamentares e não mais parte de programas em escala nacional com repasses de fundo a fundo para políticas estratégicas do SUS. Por fim, o Hospital Centenário foi prejudicado pela gestão da direita leopoldense que resolveu negligenciar a repactuação de custeio com o governo do estado oferecida pelo governador Tarso Genro. E tanto o governo Sartori se recusou a refazer quanto o governo Leite se recusa hoje em promover uma distribuição mais justa de recursos para o Centenário que no mínimo deveria respeitar o tamanho da população atendida e o excessivo desembolso de recursos da prefeitura municipal de São Leopoldo para custear um Hospital estratégico de importância regional e que atende a população de mais de 18 municípios da região. Poderia avançar em muitos outros exemplos. Mas vou terminar perguntando qual governo que foi que construiu todas as diversas Unidades Básicas de Saúde em São Leopoldo nos últimos 16 anos? Foi o do PT, porque o Governo de 2013 a 2016 se orgulhava nos bastidores de não ter construído nenhuma unidade de saúde e muito menos escola.

Nesse último item - escolas - Bolsonaro conseguiu com uma única decisão retirar recursos que poderia ter construído mais 4 escolas de educação infantil para São Leopoldo que atenderiam aproximadamente 900 crianças e acabaria com boa parte do déficit de oferta de vagas na educação infantil de nossa cidade. E tudo que eu estou dizendo aqui pode ser verificado e confirmado.

Portanto, isso não é questão de opinião ou impressão, não t retórica nenhuma no que eu digo. É fato, é verdade e dou fé!

E na Pandemia de Covid19 não preciso dar detalhes porque está escancarada a barbaridade em óbitos e em descaso e negligência com a saúde e a vida do povo brasileiro por parte de Bolsonaro e o extremo esforço da Administração Municipal de Ary Vanazzi em ir com muita responsabilidade na contramão dessa barbaridade e na defesa da vida.

O ESCRITOR NUMA ÉPOCA DE ATROCIDADES, por Erico Veríssimo


"Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a ideia de que o mínimo que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, trazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos do nosso posto."

Érico Veríssimo, Solo de Clarineta, Volume 1.



SOBRE A PANDEMIA E O PÓS PANDEMIA, do Professor José Guilherme Pereira Leite


SOBRE A PANDEMIA E O PÓS PANDEMIA, do Professor José Guilherme Pereira Leite

Peço licença aos leitores e leitoras e, especialmente, ao autor, para apresentar este excelente texto, com uma pequena reflexão minha.

Tenho observado uma situação corrente na Pandemia: ela acirra ou acentua muito os traços de caráter e as tendências morais das pessoas. Quem é bom e tem boa vontade tende a ser muito melhor e a ter mais boa vontade ainda e que é ruim e perverso, cínico ou levemente ruim, tende a ficar muito pior. Mas talvez essa boa vontade não seja suficiente. Ora, todos sabem que sou otimista por natureza, mas por não me afastar da realidade no isolamento e nem antes dele, eu diria que as coisas podem piorar e muito. Seja porque os ruins e os perversos tem vencido muito e desde muito tempo e tem essa vantagem acumulada já e que é baseada na desigualdade profunda da qual eles são especialistas em se articular, tirar vantagem e agravar. Seja porque os bons ou os que se julgam bons, tem ainda muita dificuldade para entender que não adianta ser bom em qualquer sentido sozinho e sem ser relativamente aos demais. Então, só piora.

Esse texto me parece tocar por outro viés, mais técnico, ilustrativo e metódico, também nesse ponto. Se eu estiver enganado, me perdoem. Eu tentei. Boa leitura.

"À semelhança de ficções distópicas, a pandemia aprofundou a artificialização do cotidiano, isolamento de pobres em moradias precárias e sentimento de angústia sobre o futuro. Previsões sobre o mundo pós-coronavírus são terreno fértil para a ficção, não para a reflexão acadêmica, diz autor.

Sobre a crise pandêmica que nos acomete, eis a única futurologia crível, porque já presente: tudo o que estamos passando aumentará os níveis mundiais de desigualdade sócio-étnico-econômica, que já eram horrorosos em perspectiva cristã ou funcional. Mas e a evidente melhora do ar e das águas, os tais ganhos ambientais que o “decrescimento” trouxe?

Nas grandes cidades, até o momento, o novo coronavírus transformou os mais ricos em meros consumidores, na linha das ficções distópicas. Estamos mais próximos dos robôs do comércio online, em nosso cotidiano privado dominado por premências fisiológicas e pela atividade turva dos encontros virtuais, das relações impalpáveis com imagens. Netos não tocam avós. Mantemos uma dieta solitária, recorrendo a aplicativos de compra que prometem agilidade na entrega e auxílio nas escolhas racionais, balanceadas, ao estilo da nutrição sideral.

Aumentamos ainda mais nosso uso de máquinas mcluhanianas que, como extensões de uma corporeidade agora verdadeiramente truncada, expandem as telepresenças e estimulam a musculatura, adiando o colapso de nossas estruturas ósseas “desenhadas” pela natureza para funcionar ao ar livre, sob sol, vento e chuva Sol, vento e chuva tornaram-se commodities impossíveis, cujo gozo é controlado pelas leis que regulam a fruição do espaço. O novo coronavírus, desse modo, aprofundou a artificialização da vida e impediu experiências pouco assépticas, cultuadas pelo hábito descalço e desnudo. A vida boêmia voltou a ser infecta. Compartilhar cigarro é risco.

Com luvas kubrickianas, borrifamos germicidas nas cascas de ovo, respirando por trás de máscaras. Complicou-se o contato orgânico entre mãos e alimento. Ratificou-se a telemedicina, e, mesmo para aqueles que vão a hospitais, o médico é sem rosto, como naquela cena marcante do “E.T.”, de Spielberg. No sufoco, ficamos da porta para dentro, minando-se assim a tímida porém fortuita retomada do espaço público, sobretudo pelos jovens. A maioria não fugiu para o campo. O campo é "prime", como a casa de praia.

Os pobres, até aqui, o novo coronavírus reduziu à condição de presidiários domésticos, no programa canhestro da autoconstrução e do “in-saneamento” bubônico. As habitações são exíguas e de pouca infraestrutura. São as células cínicas do morar onde grandes e complexas famílias revezam um só banheiro, tornando risível a cartilha do isolamento.

Há até aqueles que têm quintais, mas assim mesmo rezam diuturnamente pelo pão do dia, circulam à procura de caridade ou assistência na defesa da prole, não dispondo de playgrounds nem sequer em rodízio. São as periferias de sempre, onde estendem-se as filas da Caixa, onde falham as conexões de rede e o Rappi vai dormir cansado depois de abastecer o centro. São os barracos de sempre, onde netos e avós dividem a cama.

Entre ricos e pobres, algo em comum: poucos sabem seu destino na nova configuração socioeconômica que emergirá e que desconhecemos, pois está em processo. Assistentes sociais, terapeutas e psiquiatras trabalham como nunca, na urgência de fomes e angústias extremadas. Aumentou o consumo de bebidas e psicotrópicos, conforme o vaticínio de Huxley. Pipocam previsões arrepiantes a respeito do ilhamento, de um mundo sem praças ou parques, com ilusões neuronais instaladas na sala.

Em tais imaginações, se houver renda garantida, os óculos de videogame nos trarão o céu aberto, turbinado por tecnologias endodérmicas complementares que, ao estilo “Black Mirror”, restaurarão na pele a sensação perdida: sol, vento e chuva, sexo e fluidos, plantas e terra, rumores dominicais de criança correndo.

As TVs e rádios, os jornais e a internet se acham assim coalhados de charlatões do amanhã, dublês de intelligentsia preditiva externando palpites exóticos sobre o mundo porvir, arriscando-se na roleta da futurologia que consagrou Nouriel Roubini em 2008. Na Bloomberg News, Anthony Fowler alertou elegantemente os incautos: a Covid-19 é mau negócio para as ciências sociais, mas poucos ouviram.

Produzem-se assim quilos de caracteres que enrubescerão carreiras, conforme aconteceu com Giorgio Agamben: apressado em esposar os efeitos do "lockdown" e sua justa visão sobre as brutalidades biopolíticas do Estado ultramoderno, Agamben apostou na minimização constrangedora da doença e de suas consequências sanitárias, num lance de má-calibragem doravante carimbado em seu curriculum.

Essa sociologia afobada praticada igualmente por medalhões e neófitos ignora a demora do conhecimento e maltrata a lição das teorias da história: as imanências do presente são assaz imanifestas e sujeitas às muitas variações do acaso, do imprevisível e do inimaginável. A própria pandemia é exemplo disso. Portanto, os cenários de futuro não são brincadeira boa para rascunhos especulativos, mas são férteis para a ficção e a arte. Essas sim, como instâncias da livre maquinação, interessam enormemente porque apresentam insights, fobias e posições relativas.

Uma dessas ficções vulgares circulou no WhatsApp da classe média na última semana. Em um vídeo inglês, um homem louro e de rosto quadrado, com sotaque britânico, se encontra num futuro distante e conta para seu filho que o ano de 2020 foi marco de uma virada para a humanidade: vivíamos um dia a dia de equívocos, destruindo o planeta, siderados por telinhas e telonas que nos impediam até mesmo de atentar para os filhos. Foi então, diz o pai, que veio o novo coronavírus, causando transformação radical.

Moral: não foi fácil, é claro, muitos morreram, mas foi graças àquela longínqua pandemia que voltamos a viver em família, consumir menos, andar devagar, desligar os celulares, respirar fundo, cozinhar folgadamente. No “fofismo” que nos assola, pipocam carochinhas de mau gosto.

Essa é particularmente grotesca e interessante porque sintetiza o delírio oposto ao desespero apocalíptico. Sua fantasia central é a transformação da doença em cura, pressupondo que a pandemia é panaceia e fará emergir um mundo melhor. É a transformação da Covid-19 no “Emplastro Brás Cubas” para todos os desvios predatórios que andamos cometendo.

Até o momento, exceto pela desaceleração que indubitavelmente melhorou o ar e as águas urbanas, nós apenas pioramos em todos os quesitos de que o próprio vídeo trata. Há muito sabemos que toda depressão econômica resulta positiva para o meio ambiente. O desafio real, porém, não é simplesmente puxar o freio da economia, mas também encontrar formas novas de renda, desatreladas da performance produtiva, a fim de que a recuperação ambiental não se faça no lombo dos mais pobres, às custas de seu martírio e de seu extermínio, como está acontecendo.
Qualquer celebração de supostas conquistas ecológicas, elevações espirituais ou "joie de vivre" baseada nesses primeiros efeitos da pandemia é tão caricata e paralógica quanto o “fim do mundismo” e tão desgraçadamente necrofílica quanto a trampa bolsonarista do negacionismo."

Por: José Guilherme Pereira Leite, sociólogo e ensaísta, é professor e coordenador de Relações Institucionais da Escola da Cidade.

AS EVIDÊNCIAS E OBVIEDADES


AS EVIDÊNCIAS E OBVIEDADES

CONTRA O FASCISMO E O RACISMO: EU INCLUO O MACHISMO TAMBÉM

O Partido dos Trabalhadores tirou posição em seu diretório Municipal de São Leopoldo, a favor das Manifestações contra o Fascismo e o Racismo. A Informação é compartilhada, porque posição política secreta só serve para quem não faz política conversando com o povo e para o povo ou quem tem que manipular e enganar a opinião pública com Fakenews ou Fakedados.

Daí aparece um comentariozinho típico de quem tá preocupado com o presidentezinho que elegeram. "Porque não diz logo que é contra o presidente?"

Ora, é evidente que o presidentezinho tá incluído. Mas é mais evidente ainda que é evidente que não é só contra o presidente. Ou alguém acredita que o único Rascista, Machista e Fascista no Brasil é ele?

Cada comentário. Bem típico de quem só debate em internet. Toquezinho furado. Vou deixar os palavrões cabíveis, mas não dizįveis para a imaginação de vocês porque cada um tem o palavrão preferido e o melhor argumento para apresentar ele sem ser deselegante, grosseiro ou estúpido.

Não é preciso explicar muito porque as coisas estão assim e piorando.

CHEGA DE FICÇÃO


CHEGA DE FICÇÃO

Eu não olho mais nada. Porque a realidade parece emendar com a ficção. O resultado é uma overdose de realidade ruim e aumentada. Tô numas de não ver mais nem ficção e nem noticiário. Outro problema é a indiscernibilidade. A gente aprende a discernir o sonho da vigília, mas quando tanto o sonho é pesadelo e a realidade é numa continuidade dele, esgota a paciência. Não tem conceito e nem condições de acertar na distinção. Ou seja, a nossa situação geral e do povo todo: Só piora.

PANDEMIA, TRAÇOS E TENDÊNCIAS DE CARÁTER


PANDEMIA, TRAÇOS E TENDÊNCIAS DE CARÁTER

Tenho observado uma situação corrente na Pandemia: ela acirra ou acentua muito os traços de caráter e as tendências morais das pessoas. Quem é bom e tem boa vontade tende a ser muito melhor e a ter mais boa vontade ainda e quem é ruim e perverso, cínico ou levemente ruim, tende a ficar muito pior. Mas talvez essa boa vontade não seja suficiente. Ora, todos sabem que sou otimista por natureza, mas por não me afastar da realidade no isolamento e nem antes dele, eu diria que as coisas podem piorar e muito. Seja porque os ruins e os perversos tem vencido muito e desde muito tempo e tem essa vantagem acumulada já e que é baseada na desigualdade profunda da qual eles são especialistas em se articular, tirar vantagem e agravar. Seja porque os bons ou os que se julgam bons, tem ainda muita dificuldade para entender que não adianta ser bom em qualquer sentido sozinho e sem ser relativamente aos demais. Então, só piora.

MERITOCRACIA E BURRICE


MERITOCRACIA E BURRICE

Atribuir mérito a quem já larga em qualquer disputa social ou econômica com larga vantagem pessoal, cultural e econômica, fundada numa posição pessoal, familiar ou de classe, dentro de uma estrutura social e econômica desigual é somente estupidez e também burrice.

Muito me admiro com as pessoas que se põem a usar a expressão Meritocracia e defenderem uma tolice dessas e se julgarem justas, honestas e inteligentes. Esse tipo de papo furado de ser o melhor ou vencer porque é o melhor não passa de uma quimera feita para atribuir qualidade a alguém que possui uma vantagem, um privilégio ou um favorecimento em relação aos demais seja na largada, seja obtida no meio do caminho ou da corrida.

O mundo está cheio de gente bem sucedida e cujo sucesso dependeu de ter essa vantagem inicial. É certo, porém, que alguns que tiveram essa vantagem são bem conscientes disso e não se gabolam disso, mas há aqueles que passam na gabolice e se envaidecem com isso e é muito claro prara mim que esse tipo de pessoa é incapaz de fazer a sociedade progredir porque eles olham para a sociedade exclusivamente preocupadas com seu sucesso pessoal e não com o progresso da sociedade ou uma mudança social que torne a sociedade mais justa e que respeite a dignidade de todos.

Nesses últimos encontramos os mais tolos e idiotas, alguns inclusive especialistas em obter vantagem ou tirar vantagem dos outros. E não preciso sequer falar aqui através de que procedimentos essas vantagens são obtidas. Eu os chamo de burros porque eles pressupõem que ninguém está vendo ou percebendo. E é uma grande burrice e muita presunção cega fazer isso.

Porém, espero que esse meu texto sirva de alerta para que nós jamais lhes atribuamos alguma responsabilidade pública, porque eles são incapazes de fazer a sociedade ser mais justa, haja visto que eles não tem nenhum compromisso com alguma reparação disso ou com a superação disso.

A RESPONSABILIDADE DE BOLSONARO NA PANDEMIA


A RESPONSABILIDADE DE BOLSONARO NA PANDEMIA

Está escancarada agora a responsabilidade de Bolsonaro em ter tornado o Brasil o Epicentro da Pandemia no Mundo. Ele cometeu diversos crimes de responsabilidade que já estão escancarados ou em processos ou na opinião de diversos analistas políticos e líderes políticos brasileiros. E sabido que ele fez e aconteceu e continua fazendo de tudo para perturbar o ambiente no Brasil em meio a Pandemia de Coronavírus. Nem vou dar a lista aqui das desfeitas, das crises e da coleção de desserviços e negligências das quais ele é responsável porque são gritantes. Todos hoje reconhecem a responsabilidade ou, melhor, a irresponsabilidade criminosa de Bolsonaro.

Discordo em um único ponto que me parece chave. O grau dessa irresponsabilidade é muito mais grave do que parece. Ele não estava e eu creio que nunca esteve convencido da estratégia de imunidade de rebanho. Essa tese levantada e apagada do Osmar Terra e outros. Ele foi muito bem informado do impacto da Pandemia e fez uma escolha muito pior. Ele optou por negar ela para responsabilizar governadores e prefeitos com a conta dos óbitos e das perdas econômicas de empregos e empresas. Essa opção dele foi negacionista no discurso e de aceitação da calamidade para não ser responsabilizado e deixar todo o ônus do combate e do enfrentamento a Pandemia aos governadores e prefeitos.

Essa é uma escolha perversa e irresponsável, criminosa e assassina. É por isso que defendo um Tribunal de Nuremberg no Brasil, para fazer ele e os demais responsáveis pela Tragédia que já estamos vivendo pagarem penalmente e criminalmente por isso. Acredito, porém, que muitos já perceberam que trata-se de uma decisão do mais puro pragmatismo e perversidade dele e de seu Gabinete e antorage.

Entendo a boa vontade, compreendo a prudência e a diplomacia política que não expressa isso, como um grande esforço muito generoso de compreensão do fenômeno, mas não há sinais bons nesse sentido. Não tenho a menor dúvida mais de que ele foi devidamente alertado por Abin e Ministério da Saúde sobre o impacto. Ele fez a escolha e é absolutamente responsável por essa escolha e atuou de diversas formas para agravar o impacto da Pandemia gerando na população uma atitude de boicote e sabotagem as medidas sanitárias. 

E, por fim, o que mais me preocupa é que alguns governadores e prefeitos parece que já estão fazendo concessões a esse padrão de jogo do Bolsonaro ao flexibilizarem o isolamento, na falta da adoção de medidas efetivas de proteção das vidas, dos empregos e das empresas dos brasileiros. E nós aqui no sul, estamos expostos aos impactos disso nesse exato momento.

NÃO POSSO FALAR DE AMOR – 2017 – segunda versão 2020


NÃO POSSO FALAR DE AMOR – 2017 – segunda versão 2020

Não posso falar
Não posso falar de amor,
Pois de amor não sei nada

Não posso falar
Não posso falar de sabor,
Pois do sabor não sei nada

Não posso falar da flor
Porque da flor desabrochada,
Perdi o odor

Não vi mais educolrada de amor,
A flor apaixonada

Nem a vida de encruzilhada,
Nem o verso com a chuva na rua molhada,

Despertar da minha dor não posso
Daquilo de que não sei mais nada
Não posso mais falar

ANDRÉ E ALICE


ANDRÉ E ALICE

Ele via tudo como um bom sinal,
escrevia pensando nisso e
dormia pensando nela.
André era um Bobo.
Mas era um bobo que amava alguém.

A imagem que agora via no espelho era de um homem feliz. Tinha saído da cama mais uma vez e deixado ela nua em pelo deitada com um dedo na boca e a palma da mão sobre a coxa direita. Ele estava extasiado, nas nuvens e com as pernas bambas. Ela estava feliz e ele sabia disso. Quase desmaiada e as suas ancas à vista, que eram estreitas, pareciam maiores. Ela aumentava de tamanho na cama. Tudo era maior com ela na cama. Gostava desse detalhe. Ele passava os dedos das mãos nos seus cabelos mais uma vez ainda como quem alisava uma gata manhosa que ia aos poucos perdendo seus tremores e relaxando.

Sim, ela dormia já, quando ele levantou para fumar um cigarro e pensar se ainda existia uma esperança envolta deles. Afinal com tudo que acontecia com ele na cama, não podia ser só isso que rolava ali. Não adiantava querer justificar aquela mania, ela já tinha deixado ele mais do que avisado sobre suas esperanças vãs e excessivas. Todos os códigos de enxotamento foram cumpridos. Mas André era o homem que insistia com ela. Ia e voltava. Era chamado, amado e depois espezinhado, mas não desistia. Não desistia e não resistia nunca. Era um traço dela, somente dela e dava resultados.

Ela fazia o que bem entendia com ele. Era capaz de arrancar um “eu te amo” dele e logo depois dar um adeus bem despachado com a maior tranquilidade. Para ele era mais um sinal entre tantos de que, apesar disso, era ótimo. Salvo esse detalhe, era ótimo. Isso assustava, aborrecia, mas por fim encantava ele cada vez mais. Era um feitiço que o fazia ficar por perto e voltar abraçando ela e lhe pegando a mão, como se fosse seu grande amor, o amor da sua vida. Ia lá para dar beijos no pescoço e em outros lugares, na rosa e no peito, pegar suas mãos e tocar nos seus joelhos. Tocar suas coxas e tentar avançar. Algumas vezes passava e parecia que todo aquele esforço e dificuldades valia a pena. Ela chamava de migalhas e para ele era apenas o máximo que ela podia dar ou queria dar. Se acostumou com isso. Ficou habituado. 

Os joelhos de Alice, que André tocava, pareciam convites. Mas não eram só eles. Aquele perfume de erva doce e maracujá embriagava ele, e ela não sabe porque ele amava aquele cheiro e aquela pele. Julgava que eram outros os atrativos. O banho que ela tomava e aquela ousadia na janela do banheiro entreaberta, parecia uma oferta ao seu olhar perscrutador, um sinal ou assinatura, de um pedaço luminoso de vida e tomava entre as mãos o reflexo de amarelo refletido pelo sol das seis da manhã. Tantas vezes a ternura dela chegava naquelas horas vazias, naqueles intervalos entre uma coisa e outra, que só compreendia isso com a saudade, com a falta. Tinha um gatilho afetivo ali que como seus recados fortuitos e deixados no whatsapp faziam ele voltar. Aqueles recados que só podiam ser lidos e respondidos com o coração e o corpo limpo, após um banho e longa meditação.

O corpo que agora não repousa comigo na minha cama, sob meu edredom vermelho, com aquela ressaca maluca, era ainda meu. O corpo que não está mais encolhido do lado esquerdo em forma de conchinha parece ainda estar ali me chamando ao beijo e ao carinho. Alice, porém, só sabia dormir em sua casa, na cama de um menino e encostada na parede. Ela talvez emanasse dali um sono mais profundo, como se atravessasse os tijolos, como se desejasse fugir e ser uma personagem em outra dimensão e deixasse o corpo abandonado para André. E ele via ela com aquele corpo de mulher comprida, tão grande, e ao mesmo tempo miúda de gestos, trejeitos e de manias que pareciam medidas de uma personagem de romance noir. Ele amava pegar ela em uma tomada só e ver ela se entregar pedaço a pedaço. Por partes, até a hora do “vem” e, então, ele ia. Por isso, decorou todas as tatuagens dela, porque para chegar em cada uma precisava conquistar seu corpo e seu amor. Media seu corpo com as palmas das mãos e os lábios. A pele dela o excitava e parecia lhe chamar.

Quando olha para essas lembranças, ele fica muito feliz. Não sente o lado vazio da cama, sente a presença dela e o cheiro dela. Suas narinas desde o primeiro dia se habituaram com ela mais, bem mais do que o desejável. Pensava nos beijos depois do vinho, depois do sexo, depois do gozo e dos outros beijos e desejos de boa noite. Beijos roubados, mordidos, molhados e tremidos.

André – ele sabia - nunca despertou um interesse especial para ela, mas ele sentia que ela gostava de sua presença ali. Entendia que não poderia dar nisso mais que um longo e arrastado affaire enfermo, enfermo de uma amizade e cumplicidade rara para ele e parece que para ela também. E seguiam pelo ano adentro, uma semana sim, noutra não. Um mês depois e se viam de novo. Rupturas e reencontros. Não conseguiam se odiar por muito tempo, por mais que quisessem. Ele queria odiar ela, mas não conseguia de forma alguma deixar isso tomar conta de si. Ela sabia disso e por isso mesmo podia reclamar de tudo nele, mesmo do que nem precisava ou não era necessário. Seus hábitos desleixados e relaxados, suas blagues, tiradas ou piadas toscas. Mas ela sabia que ele amava ela. E aquele complexo que se misturava numa miopia afetiva de ambos, uma que tinha a vista dupla e outro que sempre enxergava mais do que era exibido. 

Mas no fim se encontravam de novo com os cabelos ralos, a música, o cinema e os atores e diretores prediletos, os livros e os ataques teóricos e críticos dela. Ele jamais conheceu mulher tão franca, feroz e audaz em todos os sentidos. Ele gostava daquilo. Poderia temer ela, mas amava muito o que ela fazia com ele e com qualquer coisa em que ela pusesse seu olhar crítico.

Ele devorava tudo que ela inventava na cozinha em suas panelas. Mostrava interesse na preparação, mesmo sabendo que jamais ousaria cozinhar para ela. Fez cara de espanto e lambeu seus dedos e os meus dedos na primeira vez. Foi um banquete que saciou o estômago e a alma ardente de André. Alma essa que ele escondia.

 Tinha coragem para amar ela, queria cuidar dela de verdade, mas ela voltava a dizer que “não queria cuidar de homem”. Mas cuidava tão bem que ele gostaria mesmo de retribuir tudo sempre.

Ela era bonita para ele, ela não acreditava. Ela tinha cultura e uma sagacidade que fascinava ele. Atacava as questões com um sarcasmo que lhe tocava muito, pois ele achava normal praguejar e debochar das coisas como forma de diminuir a importância delas e saber tratar delas sem exagero ou paixão. Ele achava a boca dela maravilhosa. Sentia-se engolido por inteiro quando estava com ela, como Jonas na baleia e se sentia feliz dentro dela. Sentia envolvido passo a passo pela sedução dela. Sabia contar seus passos. Era pontual com ela. No dia que ela enrolou a echarpe no corpo e dançou para ele - por mais que nesse dia ele tivesse sido dispensado - ele soube que nunca mais ninguém dançaria assim para ele. Teve a prova definitiva do que ela era capaz de fazer para o homem que amava. E ele queria muito isso. 

Chegou em casa e chorou. André era réu confesso, quis gostar mais, tentou alinhavar uma relação, mas não levou. Ela alegava falta de admiração e ele olhava para si mesmo e via que essa era uma questão para a qual não haviam argumentos e se calou. Mas sou homem, pensou, nós não sabemos o que é o amor e quando o descobrimos não sabemos o que fazer com ele. Quando ele estava assim instável e desconfiado, inseguro pelo passado e sem esperança  no futuro, ele sofria. E sabia que ela sofria também.

Olhava, agora, a água correndo pelas paredes e lembrava das torneiras e do chuveiro. Tinha se acostumado com o pinga pinga do banheiro e a água fria da cozinha,  mas não queria deixar assim. Dizia para si mesmo que amava aquela mulher como nenhuma outra e que qualquer coisa que fizesse valeria a pena. E fez. Pegou, um dia, dois cálices e encheu eles de vinho até a  metade, havia lavado eles há pouco com todo cuidado e precisão e a cor do vinho transformava os vidros deles em espelhos. Ela chegou e sentou e ele olhava para o seu corpo pelos espelhos, via seus olhos negros vivos e cintilantes lhe atraindo. Não resistiu levou a mão até a mão dela e pegou de novo para sentir o calor que só a mão dela lhe  transmitia. Ficou ali ouvindo ela discorrer sobre o seu dia e pensando como gostava de estar com Alice. Brindaram e sorveram mais uma vez das suas companhias e entraram à noite abraçados na cama, como se nunca mais fossem se separar. Mas, na manhã seguinte, Alice foi-se e o deixou sem seu corpo, ficando somente o cheiro de sua alma e dos seus sexos no quarto, no sofá e no banheiro.

André sabia o que fazer. Ia esperar a nova maré alta, que a lua trazia e ia lá amar ela de novo. Foi até sua coleção de CDs e tirou o Blade Runner da prateleira, botou para tocar no volume máximo e ficou no sofá olhando para o teto e intercalando lembranças e esperanças dela. Quando o CD acabou ele se levantou e foi tomar um banho. No banho, então, lembrou da primeira noite. Das suas gargalhadas surpresas com o que ela fez com ele e da sua infinita alegria por aquela entrega toda. A cortina da sala balançava da mesma forma como naquela madrugada em que ela sentou sobre ele no sofá e ele beijou suas pernas. E ele lembrou como era boa aquela sensação lenta, de estar ali sem pressa tomando uma brisa amena, entre beijos e mordidas nos lábios, mãos carinhosas e olhares que não precisavam de legendas nos filmes.

Ele fecha os olhos e lembra dela, sente o cheiro de ambos, o perfume quase mágico e a gargalhada nervosa de Alice na cozinha. Ela ria por quase tudo, para tudo, ria para ele e ria dele também. Dizia bobagens para ver ele se perturbar ou responder e ele não respondeu. Ficou mudo, deu de ombros quase sempre, mas quando a olhava nos olhos ela desconfiava mais de si mesma do que dele e ele sentia aquele prazer. Boba.

Ele estava à vontade demais no seu mundo, pensava, e ela por alguns momentos parecia plena de tanto gostar, e ele sofreu por não ter uma resposta, mesmo sem nunca ter lhe perguntado nada. Ele lembra do cheiro da cama, dos travesseiros com que dormia quando a visitava, sentia no corpo igual o corpo dela. Era como se o ultimo abraço fosse ainda presente e tinha então vontade de chorar e chorava sozinho de alegria. Cada lágrima que caia só provava mais o seu amor.

André sorriu por todo futuro que poderia vir, mas que não dependeria só de sua vontade ou de seus próprios caprichos, pois havia essa mulher, Alice, com suas vontades e suas desvontades, seu querer, bem querer e mal querer de cada dia. Uma instabilidade nada convidativa, mas que lhe era sedutora como um desafio absoluto a assumir o seu desejo. Ele aceitava aquilo conformado por julgar que tudo passava, a vida passava, mas que aquilo tinha acontecido de fato e que ele e ela sabiam.

Ele sorriu mais uma vez, talvez a última, porque apesar das dúvidas sobre o reencontro e das dúvidas dos reencontros, ele sabia pela primeira vez em sua vida, que aquela era a mulher para amar, que ela era a mulher que ele queria amar e que a amava sempre e cada vez mais. De tal modo, que nenhuma de suas diversas tentativas de lhe escapar aos lábios, ao corpo e às palavras, davam certo, ao contrário davam sempre errado. Passou a aceitar, perdoar e amar sem culpa. Como um personagem convertido e se preparou para se entregar definitivamente a esse enredo sem mais nada entre ele e ela. Assim, por partes, nos textos e em certos lugares ele voltava para ela, e eles, enfim, tinham sucesso. Ele sabia que ia acabar nos braços dela mais uma vez. Tinha sensações de que isso seria tão necessário aos dois que já respirava fundo, suspirava e se entregava ao sono tranquilo da espera.

Em sonho ou na realidade, os sinais eram para ele os mesmos. Tinha dúvidas, mas os sinais não eram mais fantasias. Assim, nas palavras de um texto ou no sexo, ele iria acabar sempre mais uma vez envolvido por ela. André riu, colocou, então, um ponto final no texto que escrevia e com paciência e fervor desmedido, voltou para sua vida normal e ordinária, preservando em si a loucura de uma paixão e o sabor na boca do amor que para muito poucos é dado viver.

(Era Impublicável, de 17 de dezembro de 2017.)

domingo, 7 de junho de 2020

DITADURA NUNCA MAIS, TORTURA NUNCA MAIS


DITADURA NUNCA MAIS,

TORTURA NUNCA MAIS

"É preciso estar atento e forte.
Não temos tempo de temer a morte."

Caetano Veloso e Gilberto Gil
Tudo é divino, tudo é maravilhoso.

A interpretação mais divina e mais maravilhosa dessa canção é de Gal Costa. Eu amo esta canção desde a primeira vez que a ouvi. E é bem estranho falar disso como uma memória, porque é possível que eu tenha escutado ela com menos de cinco anos de idade, porque estava ecoando de um apartamento vizinho. Essa é uma das canções do período militar e de revoltas estudantis de 1968 1969, que contém uma plêiade de mensagens filosóficas, políticas e combativas. A mais filosófica de todas e que eu sempre cito como Professor de Filosofia, já está no título diretamente derivado de Tales de Mileto: Panta Rei - "Todas as coisas estão cheias de deuses" ou há deuses em todas as coisas (citada especialmente por Aristóteles e Diogenes Laércio) e em todas as criaturas meu jovem, meu Amigo e minha Amiga.

Caetano Veloso iniciou seus estudos universitários fazendo Filosofia. Inclusive confessou em seu livro autobiográfico Verdade Tropicais que é a outra coisa que gostaria de ter feito na vida. Em tempos de internet essa mensagem pode chegar nele ainda. Então, obrigado Caetano! pois saiba que tu ensinou muita Filosofia em tuas canções. Em especial, sobre a vida, o amor, a beleza, a saudade e tudo que envolve aquilo que há de mais humano em nós que é o amor ao próximo e o amor a vida e a humanidade. E na minha opinião isso é uma importante mensagem política também. As mensagens mais políticas da canção, vou trocar pelo que segue.

No ano passado em visita a Argentina, Bolsonaro sofreu protestos intensos da população do nosso país vizinho. Estava lá para apoiar a candidatura a reeleição do neoliberal que logo depois foi derrotado pelo peronista. Um ano depois, o peronista é presidente e protege a população com razoável eficácia e muita segurança e nossos vizinhos vão superando a Pandemia muito melhor do que nós.

Enquanto isso, exatamente um ano depois dessa visita a Argentina, aqui no Brasil nós vivemos a dolorosa realidade de termos esse presidente incapaz, inepto e irresponsável, sem empatia alguma pela população e que passa a esconder os números de óbitos para esconder a tragédia que ele ajudou a construir com muita negligência, desconsideração e contra todos os conselhos da OMS, de praticamente todos os governadores, a grande maioria dos prefeitos, dois ministros da saúde demitidos e mais uma batelada de esforços de ministros do STF, deputados federais e senadores. Temos um presidente que não dialoga, não escuta, não é sensível a conselhos dos mais experientes, mais sábios ou que possuem pais conhecimento e, assim, simplesmente não lidera, não coordena e também não resolve os graves problemas que enfrentamos. E as mortes vão aumentando e ele prioriza construir dissensos e conflitos de toda ordem com os demais poderes da República e outras unidades da federação.

É sempre bom lembrar e levar em consideração que na Argentina, boa parte dos ditadores morreram na cadeia e que todos eles foram processados e punidos por seus crimes contra a humanidade. Não houve impunidade após a ditadura barbara e cruel Argentina. A anistia foi feita para as vítimas de perseguição e os sobreviventes, não para algozes ou criminosos.

É uma sociedade que tratou com muito mais rigor os crimes dos ditadores e que até hoje tem um processo ativo de busca e identificação, reconhecimento e reparação dos filhos e filhas dos desaparecidos políticos. As mães da praça de maio e as avós da praça de maio, são um caso exemplar de consciência cívica com apoio franco da população e do estado e até hoje elas reencontram seus netos e netas, alguns filhos e filhas e persistem na procura daqueles que ainda não foram encontrados.

A resposta e os protestos desse povo nas ruas de Buenos Aires com a visita de Bolsonaro, é somente a ponta afiada da memória desse povo, escrevendo mais um capítulo dessa história e respondendo com firmeza contra aqueles que elogiam fascistas e seus regimes autoritários.

Nós, no Brasil, não promovemos esse processo e disso resultou que esses covardes e facínoras tenham retornado da lata de lixo da nossa história para os espaços políticos. Eles se elegeram e se reelegeram em eleições democráticas sem sofrerem nenhum óbice mais rigoroso e em 2018 elegeram seu representante como presidente.

Esse é um resultado flagrante da nossa impunidade e excessiva tolerância a esse tipo de personagem histórico e mostra o quanto foi um erro do nosso sistema legal e político que eles não tenham sido demovidos, punidos e limitados em proteção a democracia do Brasil. E eles também estão aí com esses discursos autoritários, também por efeito de uma grande omissão da imprensa - que ao tentar ser imparcial, foi condescendente e concedeu espaços e audiência a esse personagens, e acabou por promover ou permitir a volta do elogio ou a defesa do regime militar, da ditadura militar, do golpe militar e das torturas e assassinatos políticos que destruíram a vida de muitos brasileiros e brasileiras e suas famílias e amigos, sem objeções e reparos.

E com a Pandemia estamos pagando muito caro por isso.

Portanto, por mais séria que seja a recomendação contra as mobilizações dos jovens de hoje, eu entendo absolutamente esse impulso de protestar contra um Facínora e Criminoso. Eu entendo e respeito muito cada um dos jovens e dos homens e mulheres que vão sair às ruas hoje. A defesa da democracia pode ser feita de muitas formas e modos, mas com certeza a maior defesa da democracia talvez acabe sendo exatamente essa mesma, no meio de uma PANDEMIA ocupar as ruas com máscaras e o maior distanciamento possível e protestar contra esse Facínora e qualquer ameaça que seja posta contra a nossa democracia no Brasil e os direitos civis e humanos.

É arriscado sim, mas nenhum risco há de demover esses jovens e todos os cidadãos e cidadãs de lutarem contra as ameaças que são covardemente expressas por esse presidente e seus apoiadores.

Atenção para o refrão: