Tenho tentado compreender aqui e
ali, em uma leitura histórica, biográfica, poética ou outra, o que ocorreu com a
Europa no início do século XX, o que explica o que ocorreu e quais as causas
disto que ocorreu.
No começo pensava muito
influenciado pela tradição alemã, e via um grande ônus alemão em tudo que
ocorreu, mas não é só da Alemanha que tudo veio a se dar e que tudo veio a
ocorrer. A pulsão de morte e suas conseqüências – creio que podemos chamar
assim - que se abateu na Europa logo após os anos 1910 e 1912 tem em sua
assinatura o ápice de uma civilização industrial, o ápice de uma cultura
ocidental e a extrema pretensão imperial das nações européias que não guardavam
em si mesmas suas fronteiras e suas identidades. O final
disto vocês conhecem bem. Passados naquela data 100 anos do desterro
napoleônico todas as pretensões imperiais européias iniciaram seu colapso, mas
isso não precisou de uma guerra apenas...foram precisas duas guerras mundiais,
um holocausto e o sacrifício escandaloso de gerações inteiras de homens e
mulheres, civis e militares, crianças e velhos para que os sobreviventes
chegassem onde estão hoje.
Muito me assustei ao descobrir e ler
surpreendido os depoimentos apaixonados, as cartas idealistas e poéticas de
jovens alemães dos anos anteriores à guerra e de jovens austríacos anteriores a
guerra: eles acreditavam mesmo que eram superiores e que sua "vontade de
poder" iria se realizar plenamente. Faziam em cartas aos seus familiares e
esposas, noivas e irmãos milhares de
Odes ao Senhor da Guerra, aguardando o sacrifício do bom sangue no altar do
verdadeiro espírito supremo. Vão para mim e visto desta distância foi este caminho, com toda esta fútil vaidade
destruíram a si mesmos. Ceifaram gerações inteiras de alemães, europeus e
estrangeiros em duas aventuras. Me perguntaram de forma muito inocente estes
dias se Hitler era um cara inteligente, para ficar num único parâmetro eu respondi
simplesmente que não, que de fato quem não era inteligente era a elite européia
de então que topou se aventurar num delírio de grandeza étnico e cultural que a
levou à tragédia e sacrifício. Para fazer uma imagem simbólica aqui, Hitler – com
seus patrocinadores associados empresariais, políticos e intelectuais - foi o
flautista de Hamelin que conduziu gerações inteiras de alemães e judeus, europeus
e americanos, japoneses e asiáticos ao sacrifício supremo em campos de batalha,
vielas de ruas, guerrilhas em florestas e montanhas, câmaras de gás, pelos mares, pelos ares, não por uma
questão étnica, mas sim pelo desafio não resolvido do imperialismo. Digo isto
porque o problema de Hitler não é só de ideologia racista e de supremacia
racial, mas também de ideologia imperial e de supremacia econômica dos alemães,
como o foi para os japoneses na Ásia e também aos italianos.
Hoje cem anos depois leio Freud,
Jung, Stefan Zweig, Sabina Spielrein e seus textos de 1912, entendo um
pouquinho do Mal Estar desta civilização frente a sua assombrosa e ainda no ano
de 1912, a apenas visada teórica da existência de uma tal pulsão de morte, com
a primeira e a segunda guerra é que isso atinge o ápice de racionalidade e
barbárie. Em plenos anos 20 enquanto o espírito europeu bailava, enquanto Paris
era uma festa, a morte batia à sua porta. O adeus às armas demorou muito ainda...
E como estamos hoje no mundo? E
no Brasil? Haveriam ainda por ai alguns candidatos a flautista de Hamelin para atropelar
com uma grande pulsão de morte direitos humanos e de minorias no nosso tempo? Haveriam hoje seguidores e adeptos para tal
aventura hoje?
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