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domingo, 31 de janeiro de 2016

SOBRE APRENDER A SER MÃE OU PAI


Tenho aprendido muito com minha vida em família e olhando para a vida da minha família e de meus amigos, colegas e também observando o modo como as coisas funcionam na vida real e não na vida idealizada de propagandas e aparências. Por conta disto tenho reavaliado muitas coisas. Um dia eu me vi pensando sobre como se aprende a ser um bom pai ou como se aprende a ser uma boa mãe. E esta pergunta não era por um manual nem por um guia de regras sobre tal coisa, mas sobre os sentimentos que deveriam guiar um bom pai. Imagino que deve ter uma tonelada de confissões, considerações, tormentos e sofrimentos sendo despejado em diversos lugares sobre isto.

Basicamente porque muita gente de verdade não consegue ser tudo isso que esperam deles nem sabe muito bem como ser tal ou qual pai ou mãe ideal. Há uma idealização excessiva sobre isto. E minha intuição me diz que toda vez que temos idealização excessiva sobre algo é uma boa atitude simplificar e tentar achar um fio da meada para começara tratar de tal coisa de forma concreta e objetiva. Além disso, deve ser uma boa orientação dissipar na discussão e na abordagem todas as nuvens emocionais, todas as culpas e rancores e também qualquer medida de excessiva apreciação ou crítica, porque não é de barbada e nem molezinha ser pai ou ser mãe mesmo. E a pergunta também vale para a mãe da gente ou a mãe de nossos amigos. que a real é acabar de vez com a culpa de quem não consegue ser mãe e nem pai...

Minha aluna que mais debate estes assuntos comigo me perguntou:  Quando tu fala "não consegue ser mãe e nem pai" tu tá falando sobre infertilidade ou sobre não querer e não se sentir bem sendo mãe ou pai? Bem, o problema é o último caso...

Pois, em geral podemos perceber que a gente vive numa cultura idiota que acha que toda mulher tem que ser mãe perfeita e todo homem pai perfeito e a realidade é outra. Pois, mesmo que tomemos os exemplos de nossos pais em mães, leia manuais de auto ajuda e tenha boas dicas aqui e ali, não se ensina isso e nem sempre se aprende isso. Os filhos são diferentes também e nem tudo que dá certo com uns dará certo com outros. Assim, quando as coisas dão errado e em alguns casos elas podem dar, o stress e a culpa em torno disso só piora as coisas para a gente que é pai ou mãe e para os filhos. Penso que quando a gente entende isso para de ficar esperando certas coisas dos velhos e dos novos também.

E isto envolve algo muito importante que é aprender a perdoar também e entender que não é porque eles não conseguem fazer isto ou aquilo, ou que não conseguiram, que eles não nos amam ou que não tenham tentado e simplesmente sucumbido na tarefa ou em sua disposição.

A cultura em que a gente vive nos coloca na cabeça o tempo inteiro o quanto seremos infelizes ou incompletos se não tivermos filhos. E eu não acredito que seja assim. E eu confesso que amo ser pai - adoro ver a criança crescendo, mas isso sou eu, que mesmo assim tenho minhas limitações e não crio minhas duas filhas comigo.

Mas tem também pessoas que pensam diferente, e isso não é errado. Tem pessoas que não conseguem lidar com os filhos que não somente se distanciam dos filhos, mas sequer conseguem manter uma relação constante com eles. Alguns tem problemas materiais e outros tem, apesar da abundância  de recursos, suas próprias dificuldades. 

Um outro exemplo, bem - eu amo ser professor. Esta é a profissão que eu escolhi. Mas eu também sei que poderia ter dado errado, que eu poderia não conseguir ser um professor e ter prazer com esta atividade e saber lidar com seus cavacos, dificuldades e com eventuais situações que fogem a minha formação para tal.

E não é fácil mesmo. Tanto ser pai como ser professor – e estou dando estes exemplos aqui porque são os meus, poderiam aparecer muitos outros exemplos de atividades difíceis nesta vida. E as dificuldades ou problemas são possíveis com toda preparação ou boa disposição que você tiver. Eu vejo que muitas vezes tem que ver com uma fase ou situação ou vibe da vida da gente. Nem sempre um projeto ou um desejo se realiza e em outros casos outras coisas intervém   nisto. Veja e pensa imagina a mina ou o cara que quer só transar – só pensa nisto durante uma fase da vida, em encontrar prazer, e dai vira pai e tem que ser certinho. Não tem esta garantia mesmo. Ele pode tentar com todas as forças, mas pode não conseguir. Não porque o filho é mais desejado ou não, mas simplesmente porque as operações e as ações não são só palavras ou um vocabulário que a gente passa a adquirir porque surge uma outra condição. Então, segura a onda meu amigo e  minha amiga, vai com calma, porque nada e que nada bem grande é este aqui, vai garantir uma boa paternidade ou maternidade. Você  deve tentar, você vai tentar, mas não vai conseguir sempre 

Como disse minha aluna: Às vezes eu penso que seria legal ter filho/a pra ensinar um monte de coisa legal pra ele/a. Mas ao mesmo tempo eu não sinto vontade alguma de ser mãe algum dia.

E eu digo para ela que isso talvez tenha uma hora na vida dela e que se for legal ela também pode aprender. Digo que eu acho uma coisa sobre isto eu tenho filhas e não sou casado com as mães delas, mas eu adoraria amar uma pessoa muito e ter filhos com ela - mas hoje isso me parece uma idealização brutal tipo MISSÃO IMPOSSÍVEL ou OBRIGAÇÃO DE DAR CERTO ou aquela OBRIGAÇÃO DE SER FELIZ não é assim que funciona. Todos estes canais não são tão fáceis de sintonizar ao mesmo tempo.

Minha aluna responde: Eu acho que essa obrigação de ser feliz tá sendo cada vez mais desconstruída nos dias de hoje. Não obrigação de ser feliz, mas a obrigação de estar com alguém.

Sim, eu respondo, esta obrigação e todo o resto.

Eu diria – sem forçar demais e nem querendo generalizar - que vivemos uma grande libertação ou que, pelo menos, alguns de nós vivem isto melhor. Mas que tem muita gente boiando ou pegando isso em pedaços, em partes e mal consegue ver o todo deste processo.
Ao ver em partes entende um lado e não os outros.

Ela me diz; Eu conheço meninas até mais novas que eu que ainda se sentem na necessidade de estar sempre com alguém, ou não conseguem ficar sozinhas.

E eu respondo: Mas eu acho que estamos caminhando pra geração que não terá essas obrigações e cobranças, culpas e condenações a ser isso ou aquilo, assim ou assado.

Sim - mas alguns outros obstáculos temos pela frente e são muitos.


FIM

NOTAS SOBRE TRADUÇÕES: DE UM DIÁLOGO COM DENISE BOTTMAN


Eu adoro acompanhar os relatos dela no Facebook sobre as traduções que está fazendo, sobre a história das traduções, interpretações ou questões literárias e também a luta dela contra o plágio nas traduções.

Tenho adotado por isso uma perspectiva mais crítica em parte e de outra parte mais flex e compreensiva nas diversas traduções que leio. E também tenho pensado agora e muito na marca cultural das traduções e nas influências delas em certos hábitos e formulações que se sucedem como que se sobrepondo em camadas à formulação que o tradutor um dia adotou e que foi se consolidando no pensamento coletivo.

Pode ser meio bobice isto que digo, mas tenho pensado sinceramente nisso. E até mesmo na argumentação de alguns vejo as influencias seja pelo conteúdo, pela palavra, pela estrutura ou forma de expressão. Alias, em mim mesmo. Uma prova disto é....

Penso que os temas que ela levanta em ambos os casos poderiam nos fazer eleger um programa bem interessante de desconstrução destas marcas culturais.

Estas marcas são indícios claros de orientação e influencia cultural – que é o nome que designamos em instantâneo aqui - porque é meio isso que percebo em diversos textos...como se a marca fosse uma barra de Scheffer que percorre a tradição cultural e acadêmica.

E elas – estas marcas culturais - vão sendo reproduzidas. Penso muito no Bordieu aqui quando imagino isso numa dimensão sistêmica cultural e política também.

Hoje com o nivel de aperfeiçoamento da internet e dos programas de análise textual e tradução....acho que ainda vai rolar..imagina aquele lance da estilometria aplicado em grande escala, por exemplo, papers por área de conhecimento..

Vejo muita adaptação e mimese..se é que são as palavras corretas aqui....e nisso a ideia geral do Bloom é bem interessante sobre a tal angustia da influencia que gera diferenças no detalhe...


Fiquei pensando, então, uma noite toda sobre este tema e agregando mais questões. Bem, vou compilar isto e escrever sobre isto. Tenho, enfim, a impressão que deu um estalo na minha cabeça sobre isto.

MUDAR A VIDA

Ora, mas eu não posso dizer que isto que estou dizendo aqui...só eu sou capaz de pensar...nem que mudo a vida toda num estalar de dedos...vou tentando mudar meu destino...possuir meu futuro através de escolhas...que incluem desapego...e abandono de coisas que para outras pessoas tem muito valor...e muito cuidado com coisas que as pessoas não dão à mínima...

PENSANDO NO DIA DO AMIGO

"Eles gritam por aqueles que estão perdidos para sempre -país, cônjuges, filhos, amigos mortos ou ausentes: " Eu quero vê-lo de novo." "Eu quero seu amor." "Eu quero que você se orgulhe de mim." "Eu quero que você saiba que o amo e como me arrependo de nunca ter dito isso." "Eu quero você de volta - eu estou tão só." "Eu quero a infância que nunca tive." "Eu quero se saudável - ser jovem novamente." "Eu quero ser amado, ser respeitado." "Eu quero que a minha vida tenha significado." "Eu quero realizar alguma coisa." "Eu quero significar, ser importante, ser lembrado."

Irvin D. Yalon.

Só os que amam e os que são amigos sabem, aceitam e entendem..

ERGA OMNES - LEVANTA-TE E ANDA!

Talvez seja mais fácil ressuscitar aos mortos com um trombeta dos céus, do que despertar os vivos de seu sono dogmático e profundo com argumentos desta única terra que conhecemos. E esta é uma diferença que pode parecer de poder ou não, mas que trata apenas do senso de obrigação de cada um dos reles mortais para consigo mesmos.

O PRÍNCIPE E A TRAGÉDIA, para Bado Jacoby o profeta do Reino de Castela

“Oh que arriscado ofício é o dos príncipes e o dos ministros!”

Padre Antônio Vieira.

(Sermão do Primeiro Domingo de Advento. Nesta pregação na Capela Real seu principal assunto foi o juízo e os pecados da omissão na presença magnânima de sua majestade real.  Lisboa. Dezembro de 1650)


Só para variar Antônio Vieira já tinha notado isso, porém, para constar e fazer justiça com os tempos que vivemos, suas causas e suas consequências futuras e divisáveis. Fiquei pensando com meus botões sobre certas situações que se dão com os Príncipes ao ler um texto sobre tragédias clássicas de Holderlin. Também, pensei após ler algumas páginas de O Príncipe de Maquiavel sobre esta situação delicada entre poder e consciência moral. E também após ler e escrever sobre um Hamlet que superou seus dramas e viveu feliz para sempre. Por fim, lembrando agora do Príncipe Dionísio II que foi aluno e que por fim traiu Platão em Siracusa. Parece haver um lance trágico nesta carreira de Príncipe. Parece que este sujeito é muito sujeito a traições e fatalidades. Que esta não é a melhor carta mesmo no baralho do reino.

A ANTÍPODA DO PENSAMENTO

Me dei por conta de que vivemos de fato um tempo de consagração da liberdade de expressão e de opinião, mas que este tempo está apenas sendo a antípoda da liberdade de pensamento. Que a famosa liberdade negativa existe sim, mas que é feito pouco caso dela e que o pensamento sofre desprezo como nunca e que a sua maior negação se expressa numa abundância de expressões irrefletidas sobre todas as gentes, coisas e modos de ser. Como um pêndulo que balança da extrema e pobre manifestação ao mais sublime e valoroso pensamento.

P.S.; Colocar o abuso da liberdade de expressão como antípoda do pensamento já deve ter sido feito por outros. Mas é só uma situação...

SOBRE ESTUDAR - REPLAY

Eu digo para meus alunos: estudar é melhor que carregar pedras! Como é que eu sei? Já fiz as duas coisas!

E olha que eu preciso admitir que eu até gosto de carregar pedras, mas gosto muito mais de lidar com idéias e construir coisas com elas e para ter elas preciso estudar.
E tem a parte que interessa que no começo estudar nos exige certo esforço e parece que não vamos conseguir, mas a medida que o tempo passa, vamos conseguindo e nos alegrando com as conquistas.
No outro final da semana farei um levantamento de quantos alunos e professores curtiram isso aqui. Jamais imaginei que uma comparação tão dura entre estudar e carregar pedras fosse tão relevante.

Eu carreguei coisas mais pesadas que pedras para fazer a faculdade. Carreguei sacos de arroz, farinha, feijão, sal e muitas outras coisas e foi o que fiz. Por isto falo em pedras. Hoje carrego pedras em casa. Para lá e para cá como um exercício de decoração e arrumação em um pátio, mas podes ter certeza que o conhecimento e as idéias são mais semelhantes as pedras e aos alimentos do que parecem. Podemos construir coisas lindas com eles e alimentar nosso espírito e alma com eles também. E isso envolve algo muito importante e que deve sempre estar presente na educação a esperança na mudança, da gente, das pessoas, das coisas e do mundo.

OBSESSÕES AMOROSAS E SISTEMAS DE CRENÇAS


"Na verdade, a maioria das crenças que defendo profundamente e minhas áreas de maior interesse em psicologia decorreram da experiência pessoal. Nietzsche afirmou que o sistema de pensamento de um filósofo sempre resulta de sua autobiografia, e acredito que isso vale para todos os terapeutas, na verdade, para qualquer pessoa que reflete sobre o pensamento."

In: YALOM, Irwin D. O Carrasco do Amor e outras histórias sobre psicoterapia. Tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007, p.39.

O que Yalom diz ai, no contexto de sua análise bem especifica e ilustrada de uma abordagem e tratamento de obsessão amorosa, vale para mim também. Ou seja, na minha paráfrase, a maioria das crenças (posições ou ideias) que defendo profundamente e minhas áreas de maior interesse em filosofia, decorrem das minhas experiências e vivências pessoais associadas aos processos formativos, informativos, cognitivos e meus momentos reflexivos sobre elas.

Nietzsche trata deste tema em um local muito especifico de sua obra quando estabelece a relação entre a moral de Kant e sua própria vida. Mas Nietzsche não é lá um privilegiado nestes temas de amor. Tirando sua paixão por Lou Andreas Salomé, temos poucos momentos de sua vida em que ele ultrapassa certa barreira misógina erguida tanto por sua mãe e irmã e que a influencia ainda que indireta de Kant, quanto mais nítida fica por Schopenhauer. A condição amorosa dos filósofos idealistas alemães e da maior parte dos românticos não é lá mesmo favorável para servir de lições sobre este tema.

Não diria que deva valer isso para todos os demais pensadores ou pretensos pensadores, sei de alguns que inclusive rejeitariam de súbito qualquer relação entre suas vivencias e suas ideias, dada uma imagem profissional e dissociada de suas próprias vidas que eles possuem. Quem dirá então a relação entre sua vivencias amorosas e suas ideias. Eu lembro aqui de uma distinção que tracei a observar uma característica nas falas de colegas professores entre ciências que se expressam como que focadas no objeto e ciências focadas no sujeito ou que se expressam a partir de uma narrativa do sujeito. Vejo que isso é o que é recorrente toda vez que assisto certas narrativas de professores que falam tanto de seus objetos de conhecimento, de suas temáticas conceituais e experiências naturais ou abstratas de forma tão impessoal que parecem operar mecanicamente e esquecer-se de si mesmos.

Porém minha experiência e minhas inquirições sobre crenças e escolha de crenças, sobre análise de crenças e também sobre como se constitui algo como um sistema de crenças que me parece que ele chama ai de sistema de pensamento, tem mostrado que sim. Tenho lido Yalom e gostado muito de ler com certa frequência desde o Quando Nietzsche Chorou e recomendo sua leitura tanto pelo autoconhecimento e reflexão que ele proporciona, quanto por sua conexão com certa tradição filosófica e psicológica que me atrai, pois trata não somente da razão, mas da sua aplicação com inteligência, cuidado e juízo nas nossas vidas, nas relações humanas e no cuidado consigo mesmo e o próximo.

Quando ele relaciona a autobiografia com o pensamento a partir de uma dica de Nietzsche, ele faz um uso de certa heurística preparando o terreno para relacionar seu próprio sistema de pensamento - e no caso dele suas crenças interpretadas e interpretativas sobre determinada questão - às suas vivências e suas reflexões sobre elas e, por analogia, às de seus pacientes. O tema dele é aqui a obsessão amorosa. Como se sabe obsessões amorosas são resultados de envolvimentos amorosos que não se realizam plenamente. Não se trata da paixão ou da paixonite, mas sim de uma continua obsessão por alguém determinado que não se dissolve com o tempo ou com o afastamento. Isso gera um problema que ocupa e se avoluma na existência do individuo com a obsessão. Veja a descrição da situação que ele e encara com uma paciente:

“Todavia, primeiro era necessário estabelecer, de um modo que convencesse Thelma, de que a obsessão tinha de ser erradicada, pois uma obsessão amorosa drena a realidade da vida e anula novas experiências, tanto as boas quanto as más, como sei por experiência própria.”

Tenho dito em diversos outros contextos que para uma analogia ser eficaz não é necessário um rebatimento ponto a ponto, ou perfeito entre a analogia e o caso, bastando apenas a similariedade ou semelhança em alguns traços e que se possa tirar disto algo esclarecedor e libertador. Dizer que algo é esclarecedor aqui pode apenas significar a ponta de um iceberg ou de uma elucidação cuja continuidade nos levaria ao que Freud chamou de camadas profundas de nossas experiências. Mas se pode analisar aqui também, a partir disto, certa lógica de nossas crenças sobre o amor e outros temas que envolve suas formas de aderência e também vigência sobre nossas experiências e vivências. Isto é, se tem acesso ai ao modo como determinadas experiências são julgadas e se transformam em crenças norteadoras ou orientadoras para nossas ações, seja através de valores, convicções ou mesmo interditos morais ou ditames negativos.     

Nesta passagem que, então, se verá antecede uma confissão honesta dele e que ele vai nos apontar que a origem de sua forma de ocupação com o tema das "obsessões amorosas" foi justamente uma vivência em que "conheci uma mulher que mais tarde invadiu minha mente, meus pensamentos, meus sonhos. Sua imagem se hospedou em minha mente e desafiou todos os meus esforços para desalojá-la."(idem.), ele também nos dá certa dica sobre este tipo de episódio que não é infrequente na vida pessoal de qualquer pessoa que eventualmente mantenha comércio intenso com outros seres humanos. Deste comércio surgem, para alguns mais que outros, é bom  que se diga, os encantamentos e as seduções fortuitas e passageiras, as atrações intelectuais - do que já falei noutra postagem mais célere - e também físicas.

Eu suponho sinceramente que a maior força de atração é sim estética ou física, e aqui estou adotando certo modelo de análise que supõe que deva haver alguma expressão geradora ( o que também poderia ser chamado de gatilho, ainda que se deva preservar a possibilidade de uma força mais contextual ou existencial relacionada a isto) da atração no outro, mesmo que esta seja involuntária - o que torna um razoável despropósito a busca de alguma reciprocidade - mas que seu componente intelectual ou linguístico mesmo quando dúbio ou ambíguo, que é associado a uma espécie de catalisador, seja sob a forma de confirmações e certezas, seja sob a forma de suspeitas, dúvidas e/ou possibilidades de alguns atributos ou alguns talentos que geram admiração.

Em outras abordagens isso também já foi chamado de fixação e a própria auto-descrição de Yalom aponta para uma espécie de entranhamento ou entronização. A expressão cuidadosa que ele usa no seu texto - estou seguindo aqui a tradução cuidadosa - de hospedagem talvez esconda certa invasão ou ocupação bem ao estilo involuntário. Em geral, alguém se hospeda ou vira hospede passando pela recepção e apresentando credenciais. A experiência ou pelo menos a narrativa de vivências que eu conheço tem mostrado o contrário: que não há nenhuma cerimônia especial de acolhimento e que o encantamento que dá gênese ao processo como um todo, tem um que de instantaneidade, frente à qual estamos imunizados, desde que tenhamos certa consciência desta por sua repetição ou recorrência na vida. Porém, também é importante registrar aqui que alguns seguem de baile em baile em seus encantamentos fortuitos e casuais sem nunca se livrarem ou dominarem o processo. Tudo se passa aqui então como se o Dom Juan ou a Dama Fatal não passassem de prisioneiros de suas próprias armadilhas de sedução.

Eu diria que a parte engraçada disto é que a medida que nos tonamos conscientes disto, desta atração e do impulso que a responde de forma involuntária, nós ficamos mais humanizados e afetivos para com o próximo, sem terceiras intenções e mesmo nos reconhecemos enquanto tais de forma livre. E suponho que é assim que se neutralizam estas obsessões amorosas, em especial, as correspondidas. Suavizando seu impacto ne nos abalando bem menos do que aquela situação que a obsessão parece tentar atingir por figurar em um contexto que é, em geral, de inviabilidade. Pois o sofrimento decorre, em geral, não somente  das situações não correspondidas, mas também das situações correspondidas mas inviáveis e que nas tentativas de levar a efeito pregam, assim, pelo gatilho frágil da paixão que só fixa uma obsessão e não uma estabilidade, sucessivos insucessos. A culpa tem sido um componente tradicional aqui e enquanto não se compreende que é nela que reside a inviabilidade ou não correspondência se fica girando em falso, como se, nada pudesse dar certo por uma danação ou acaso do destino e não tanto por um frágil sinal.


É deste frágil sinal que se cria o signo dos amores impossíveis, das paixões não resolvidas e das fatalidades amorosas. O romantismo tem sido pródigo em forçar nos a crer que tudo se passa por um problema do individuo frente a um sociedade repressiva ou que se opõe ao seu desejo, mas o que ocorre é que o próprio individuo educado pela culpa é incapaz de reconhecer em seu desejo algo mais do que trivial, comum e corrente ao longo da vida e que irá se repetir desta ou de outras formas desafiando-o a inteligir o que sente e como pensa sobre seus sentimentos e escolhas. 

SOBRE HISTÓRIA DA FILOSOFIA

Às vezes eu penso que sou um professor ultrapassado porque vejo todo mundo dizendo que agora as aulas de filosofia precisam ser temáticas e que a gente deve abandonar a abordagem histórica, mas eu confesso que vejo muitas vantagens ao lecionar com um olho nos temas, problemas e ideias e com outro olho nos autores, na história e no contexto histórico, econômico, cultural, político e religiosos destas ideias e temas...não consigo mesmo me desapegar disto...por outro lado tenho recebido sinais bons disto, pois vejo como uma forma de auxiliar e contribuir também para uma consciência histórica de outras disciplinas e ciências, conhecimentos, técnicas e tecnologias, e não me vejo em delírio nem em transe, ao contrário me sinto perfeitamente adaptado e propondo ainda novidades, grandes mudanças e a construção de uma perspectiva com consciência das tradições e que tenta, ousa, acredita e descobre como ainda pensar diferente, como pensar mais e como pensar de forma mais decisiva também...então...

O ARREPENDIDO CONFESSO E SEU CARÁTER

Se o problema fosse somente de caráter não haveria muito o que discutir e o que compreender. Eu não conheço esta pessoa. Portanto, penso sempre nisto, não posso julgar o caráter dele.

A impressão que tenho é que ele sofreu uma desilusão. Eu aceito isso sim. Mas com ela houve um momento anterior de auto engano combinado com uma certa fantasia de grandeza, mas confessar arrependimento não desfaz a responsabilidade dele, nem o torna inocente pelas consequências de sua adesão, aposta e investimento a determinado curso de ação.

Somando isto ao desejo pessoal, a vaidade escancarada e esta pitada de ambição a qualquer preço  de ter um lugar ao sol, poder e prestígio por ser filho de quem é ou pertencer a tal ou qual família ou tradição, deu a deixa para o que ocorreu.

Mas, veja bem, não estou falando aqui de caráter.

O problema pode ser apenas cognitivo como é na maioria dos casos. Mas também pode ser moral.

Mas é claro, para mim, que quando você identifica um problema cognitivo ou que a realidade, os amigos ou conselheiros e mesmo um estranho te mostra isto e você não adota medidas de prudência e de correção a este deficit de juízo isso pode significar uma escolha voluntária por se manter neste deficit e ai pode sim ser e se tornar um problema de caráter 

A cidade está doente e o PIOR médico é aquele que erra diagnóstico e remédio. E ele vai continuar errando se não compreender que deve corrigir a si mesmo, trocar seu óculos ou rejeitar seus prejuízos e convicções que o levaram a este erro. Senão...


P.S.: A um amigo agradeço a observação e obrigado pela pergunta...é correto seu insight...isso que escrevi aqui vale para tantas situações que daria para fazer uma bela lista...em filosofia alguns tratam isso como questões de fronteira entre cognição, condições epistêmicas e moralidade e condições da ação virtuosa...alguns meses atrás fiz um arrazoado sobre virtudes intelectuais aqui que também pode ser usado nesta análise...

P.S. FINAL: o mais importante aqui para mim é o problema e sua análise e não tanto o exemplo ou caso. A diferença entre problema cognitivo e problema moral me parece só esboçada ai.

INTERNALISMO OU DIALÉTICA NA CIÊNCIA – EM DETALHE DE MINHA ANÁLISE DAS FORMAS INTERNALISTAS OU DIALÉTICAS DA FILOSOFIA BRASILEIRA APLICADO A CRISE DA CIENCIA ATUAL – COMENTANDO ARTIGO SOBRE A CULPA DA CRISE

O artigo toca num dos pontos essenciais de uma ciência ou filosofia numa sociedade democrática: diálogo  ou dialética com a sociedade para superar o internalismo.  Mas creio que falar em culpa aqui deve ser relativizado. Pois também cabe a sociedade realizar diálogos e ao estado produzir mecanismos reais para promovê-los. Mas a análise e a exposição é muito boa e deveria virar alguma diretriz  geral tanto na crise agora quanto após ela. Me fez lembrar de nossas discussões em defesa dos recursos da Fapergs em 1991 (Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul) durante o governo Collares,  bem como, depois os cortes de verbas do CNPq e Capes do Governo FHC – e inclui aqui toda luta pela sobrevivência das universidades e institutos de pesquisa durante o período neoliberal. E tudo isto deveria ser cotejado  - para efeitos de balanço e ilustração – com aquele esbulho do Projeto Chiarelli para o Ensino Superior Brasileiro no Governo Collor, para se ter uma ideia de quão longe estamos do fundo do poço e de quanto nos afastamos em 25 anos disto. Além de outros dramas de sucateamento e inviabilização paulatina do ensino superior público e privado e do incentivo a ciência que foram superados. Não digo com isto que não há problemas e sérias dificuldades que ainda persistem e muitos projetos importantes não contemplados. Abro aqui o quadro no tempo para lembrar algo que alguns desesperados de hoje sequer lembram, registraram ou viveram bem. E também é importante mostrar que isso pode ser superado e pode ser passageiro e que podemos construir um futuro com outra concepção e outras práticas de diálogo com a sociedade.  Precisamos sim superar a mão única de recursos públicos para a ciência sem diálogo ou retorno com a sociedade ou do diálogo restrito ciência e instituições de fomento, agências e órgãos governamentais. A sociedade não irá valorizar a ciência e nem  a ciência vai dar a mínima para a sociedade se a superação disto não for constituída.  E uma sociedade democrática, uma cultura ampla e a promoção da ciência e da educação científica só tendem a ganhar com isto. Uma sociedade democrática exige justificação pública dos investimentos e, além disso, mais comunicação e acessibilidade aos resultados gerados com recursos públicos. Dar visibilidade a isto pode contribuir em muito também com a a tração de mais recursos por outras fontes – além das públicas – e gerar mais interesse da população em relação ao tema em geral e em alguns casos específicos constituir um novo paradigma na formação e educação para a ciência, a tecnologia e a cultura. Tenho observado como professor do ensino básico, para terminar e fugir um pouco do enfoque ao tema, uma nova geração inteira de novos talentos que poderiam estar já sendo focados, apoiados e mantidos pelo estado na formação de novos cientistas e isto também poderá ampliar nossa capacidade de produzir ciência e evitar o desperdício de recursos numa formação que se inicia apenas ao meio termo do ensino universitário. Há sim uma crise, corte de recursos, mas não podemos perder de vistas as saídas, as urgências e avaliar sempre prioridades e fazer a crítica sim de equívocos. Neste texto o autor a ponta que a culpa não é só do governo e que precisamos dividir as responsabilidades, mas também mudar nossa conduta em relação ao tema. Ao meu ver, superar o internalismo e dialogar com a sociedade o que é uma exigência da democracia e viável com as atuais tecnologias disponíveis. 

SOBRE ESTAR 100%


Poxa que legal você está 100% de novo amigo!

Se recuperou totalmente do acidente!

Uma figura de linguagem típica ou representação estimativa típica é esta: estou 100%! Sobre o que falamos ai? Sobre meu estado de ânimo, minha saúde, minha conta bancária? Nada disto ou um pouco disto tudo junto e ao mesmo tempo. Falamos ai, então, de tudo, de toda a nossa vida, da roda da vida e de seu estado integral em determinado momento. Mas é possível estar 100%?

Como eu sei que estou mais ou menos nisso? Pelos meus sentimentos e impressões, por uma coleção de opiniões sobre mim mesmo? Faço um escrutínio, um balanço, rodo a roda da minha vida, percorro suas doze casas e chego a certa conclusão sobre meu estado geral?Giro uma roleta e se cair o número mais alto, então, estou legal?

Ou, alternativamente, como eu posso saber que você está 100% comigo? Veja, é bem difícil estar 100% consigo mesmo, então, imagina com outra pessoa. Sim, podemos estar 100% com determinado aspecto ou questão em relação a outra pessoa. Mas, veja bem, mesmo assim podemos ter uma segurança limitada a respeito disto, a garantia da palavra pode sofrer oscilações e perturbações.   

Estes dias fiquei pensando muito sobre os 100%. Disse para mim mesmo que não estava 100%. E olha que foi muito bom dizer o que eu disse, porque eu tava mesmo precisando admitir isso comigo mesmo até para pensar mais objetivamente no que me falta para estar legal ou me sentindo legal.

Quando a gente diz isso para si mesmo ou para outro imediatamente vem a questão: mas o que é que te falta.

E daí começa aquela seleção e revisão que sempre me faz pensar. Começamos a construir uma lista de coisas. Vamos revisando a vida, o aspecto, a saúde ou a relação com uma espécie de lista. E acabamos nos dando conta que esta lista é grande, mas que bem pensadas as coisas não é tão grande assim. Existem prioridades nela e estas prioridades vão mudando ao longo da vida. A gente vai negociando prazeres, desejos, gostos, hábitos, costumes, vícios, excessos e cuidados.  Às vezes somos provocados por alguém a pensar assim. Às vezes esse alguém talvez nem perceba isso. Nem perceba que está causando isso em você. (Confesso sim que usar “às vezes” é um vício de linguagem meu, mas é em parte inegociável porque aponta para uma ocorrência importante na vida da gente, para algo que não é freqüente e é ocasional, mas que nos dá certo sobressalto e nos chama atenção pela sua importância. Poderia ser a hora do espanto, ou do estalo ou do surgimento de uma consciência sobre algo do seguinte tipo: olha isso de novo, mas olha agora com mais atenção.)   

Estive olhando o filme sobre A Teoria de Tudo estes dias. Aquela cinebiografia do Stephen Hawking.  E no dia anterior tomei um porre com um amigo, tocando violão e gaita de boca, falando do universo, dos seus limites e da tese de que ele não tem limites porque o todo é para quem tem uma certa perspectiva metafísica infinito e ilimitado.

Bem este amigo é um cara que teve uma visão que nos salvou de morrer um dia. Vinha eu e ele  caminhando pela Marquês na volta de um bar e ele estendeu o braço para o meu lado e eis que paramos antes de entrar no arco de visão de um motorista que fazia roleta russa na antiga esquina do Potatoes e que com certeza se reduzisse sua velocidade por conta dos pedestres que iriam atravessar a rua bateria em outro carro que descia também a Marques em alta velocidade. ( A velha esquina da Rua Oswaldo Aranha com a Rua Marques do Herval.) Bem, ele estava 100% naquele momento! 

E nós estávamos  ali e eu pensava na vida e numa metafísica das coisas, uma metafísica de todas as coisas. Para mim, já disse isto antes tudo é energia ou matéria, mas tem no meio disso a nossa alma. E veja, aqui ela ocupa o espaço do que chamei de intenção antes, pois é a alma que faz a s coisas acontecerem. A matéria ou o corpo, nosso carro ou navio é só um suporte para a energia, mas é a alma que faz os lances e os dados rolarem. Mas a alma precisa ter vontade, precisa de seus motivos, desejos, gostos, paixões, idéias. A alma é exigente ao extremo e acaba sendo educada e habituada por nós e nossas relações também. Muitas vezes entro em dúvida sobre isto, mas me parece que ela no fundo precisa de outra alma. Outra pessoa que lhe de reflexos e respostas que ela mesma não consegue dar. Outra alma que a provoque ou até mesmo, sem nenhum temor digo isto aqui, ela precisa sim de outras almas para ter tudo isso.  E então na vida da alma surgem várias outras almas.

Pois bem, após esta digressão anímica e metafísica, então, dai entra aquela conta tua dos 100%. Pois eu cheguei a uma chave sobre isto: eu reduzi tudo ao TESOURO. Isto é, para atingir os 100% temos que ter o nosso tesouro. O 100% é o nosso TESOURO, nem mais e nem menos.

Anoto e já disse isso antes, que mais é o CASTELO. Então para atingir os 100% é preciso: PROMOVER O ENCONTRO ENTRE O TESOURO E O CORAÇÃO

É isso que te falta e que é preciso. E isso não acontece todos os dias. Veja quando estamos 100% acho que as coisas ficam mais claras e nossas escolhas também.  Alguém para criar esperanças aqui diria que: O amor nos deixa seguros. E isso é verdade. A gente sente firmeza.

E quando estamos 100% também podemos ver quem não está - pode ser. Quando estamos 100% entendemos perfeitamente o amor ou a possibilidade dele ou o seu sinal, a sua proximidade.

Quando eu não estou 100% eu sei. E sei disso muito bem. Faço um baita esforço para tentar isso. Isso é muito importante para mim. Lembro que escolhi um monte de coisas por isso, mas também lembro que você pode ter amor e não estar 100% também

Uma coisa é certa o sofrimento é algo que nos tira bem mais de 30%, mas não adianta mesmo dar tanta bola para isso. Penso que devo andar bem relaxado em relação a estas coisas hoje, pois o que vai ser será igual.


Não depende tanto de nós e de nossas escolhas certos assuntos e acontecimentos. Temos que conviver com isso, com nossa impotência em relação às escolhas de outros e suas manias ou opções. E isso envolve também preservar uma parte bem importante dos nossos 100%, a nossa dignidade que é fonte de equilíbrio e de segurança de nossa alma. E mesmo que se deseje e se interfira nestes assuntos alheios a nossa vontade a única forma de fazer a diferença é entender que diferença realmente deve ser feita. E isso também é difícil, isso também não é dado num instantâneo.     

sábado, 30 de janeiro de 2016

NÃO SEI SE ME COMPREENDERÃO: TALVEZ SEJA UM BIS DIFERENTE



Certas pessoas, coisas, nomes, proposições e acontecimentos parecem sucumbir ao fado de com o tempo - e aqui nem o tempo ajuda - perderem sua ligação com o real, perderem seu significado e/ou perderem sua conexão ou ligação significativa com um panorama de compreensão de tal modo que perdem seu sentido.

Deve haver uma razão justificada para que algumas pessoas não sejam compreendidas mesmo que elas façam um esforço descomunal ao seu modo e com seus meios por uma vida inteira para atingir clareza e precisão em suas expressões ou formulações. Mas também existem pessoas que são muito claras em suas expressões, mas que nos deixam uma vida para contemplar em que temos dificuldade de explicar sua biografias ou suas escolhas que parecem não ter lógica de forma alguma, no sentido de não nos ficar clara a causa de suas ações suas motivações pessoais, subjetivas ou psicológicas. E curiosamente pouco nos interessamos por aqueles que são claros em vida e obra. Ainda que possa citar aqui o resumo da vida de Aristóteles por Heidegger: nasceu, viveu, trabalhou e morreu, nós não nos interessamos de forma alguma nem por obras planas, nem por vidas planas e de  fácil explicação. Mas as pessoas de obras incompreensíveis e vidas complicadas são, de fato, aquelas que atraem nossa atenção e curiosidade, mas que por isto mesmo correm o risco de serem incompreendidas.

Tudo isto e o que virá a seguir carrega água para o moinho de uma questão clássica sobre a vida que vale a pena ser vivida. Sócrates ao arguir que uma "vida sem reflexão não vale a pena ser vivida" defende uma concepção do que daria valor a uma vida ou existência humana. No caso dele o valor de sua vida seria encontrado com a reflexão. Isto é um ponto muito central de uma estratégia de resposta ao tema do sentido da vida e da nossa relação social, ética e discursiva com os demais seres humanos. Ou, como tenho tratado em minhas aulas sobre o valor da vida de um homem ter duas dimensões a intrínseca e a relacional. Em minha análise do filme O Resgate do Soldado Ryan, defendo que esta é a questão filosófica principal encenada naquela obra de tal modo que existem problematizações deste tema no decorrer dela que nos ajudam a compreender melhor certos dilemas a este respeito. Estes dilemas envolvem desde o nosso modo de viver, o merecer viver  e nossas qualidades próprias, talentos, habilidades e disposições. E isto toca diretamente em nossos juízos sobre as vidas dos outros ou sobre seus discursos. Não é nada fácil compreender pessoas cuja vida sofre balanços e riscos e em geral toda grande biografia contém elementos de surpresa aos admiradores e aos detratores.       

Nestes casos biográficos estas personagens são taxadas de idiossincráticas ou complexas e, segundo nossa simpatia, recebem elogios admirados ou observações intrigadas com o mistério de suas vidas e escolhas de vida. Em outros casos, elas tem suas vidas reviradas, seus pecados, deslizes, vieses e escorregões expostos a reprovação pública. Na vida de alguns filósofos isto é um tipo de característica mais comum do que parece e mais cômica e trágica do que se imagina. Poderia desfiar aqui milhares de casos em que curiosidades ou erros de filósofos levam para as mesas de reflexão dos biógrafos a questão de como compreender isto e ou bem acaba-se explicando isso a partir de sua própria tela moral ou acaba-se por decretar ali um problema sem solução.

Em filosofia muitos gostam de separar filósofos (as) claros de filósofos (as) obscuros. De fato alguns parecem atrair nossa atenção justamente por sua extrema capacidade de nos dificultar a interpretação ou o seu entendimento. Já outros nos fascinam por sua brilhante luz, luminosa expressão e clareza e precisão assombrosas. Sempre lembro de Descartes nestas horas de benevolência compreensiva e generosidade desnecessária. Porque muitas vezes toda esta clareza argumentativa, precisão conceitual esconde algo muito mais obscuro e indevassável do que a nem tão mera exposição metódica de um discurso que organiza ideias de forma muito cuidadosa e habilidosa. Nem tudo que é claro para mim suprime a obscuridade de determinadas questões.

Quando leio os textos de Wittgenstein, por exemplo, e encontro expressões claríssimas tenho a forte impressão de que é bem mais complicado do que parece e de que o que ele realmente queria me ou nos fazer entender não está sequer ainda em minha mente sendo concebido. Digo isso com especial destaque para os diversos textos inéditos ou póstumos  dele. 

Algumas pessoas e filósofos passam uma vida inteira sem serem compreendidas e parecem virar uma espécie de enigma ou paradoxo ambulante provocando sentimentos ou o juízo alheio e despertando reações que às mais das vezes expressam incompreensão ou mal entendidos. Temos que admitir e admitimos que é bem difícil interpretar e ler o mundo, as pessoas e suas relações entre elas e com a gente.

Estive pensando nisto estes dias e em muitos momentos me dobrava em cuidados com o que escrevia e como escrevia, com certas dificuldades acidentais e não intencionais com o corretor ortográfico do meu MOTO G, mas com aquela imperiosa disposição e vontade de dizer algo. Quem me conhece de perto sabe que sou extremamente inquieto, reflexivo - nem sempre com clareza e precisão - e que tenho uma necessidade de interagir e dialogar com os outros. Bem, a verdade é que por conta disto virei professor, por conta disto lido com assuntos políticos precocemente desde que me conheço como individuo ou parte de um todo maior, parte de um coletivo ou comprometido com o mundo. Isso não é uma explicação nem uma justificação, isso é apenas uma auto-consideração que espero que conforte outros jovens que, como eu, tem estes impulsos em direção aos outros seres humanos. Impulsos de falar, dizer, dar opinião, considerar, compreender, propor, criticar, julgar ou simplesmente expressar um sentimento.

Bem, mas hoje, após ler uma postagem na verdade duas, do Gregory Gaboardi eu me senti reconfortado porque simplesmente ficou clara para mim a emergência social e filosófica deste tema: de como compreender ao outro e suas expressões  - e, por certa coincidência, que só pode ser verificada mesmo nos dias de hoje por força das redes sociais, de nossas interações paralelas á vida cotidiana e ás nossas leituras e destes meios devem haver mais pessoas pensando nele hoje ou neste período. O tema do viés citado por ele me leva em parte a escrever da forma como escrevo aqui. Em parte, de modo demonstrativo, ao mostrar que a consciência ou conhecimento do viés pode ajudar a superá-lo, ainda que fazendo uso dele. (neste sentido este texto é um texto retórico com um exercício de correção de fala.)   

Minha linha de interrogação subjetiva que estava sendo desfiada desde que escrevi sobre A CAVERNA DAS CRENÇAS DOGMÁTICAS, envolvia saber se eu seria compreendido em meu propósito naquele texto, se seria arrogância de minha parte escrever de forma indireta, difícil ou complicada sobre aquele tema e isso acabou me levando para a questão de saber se um dia me compreenderão afinal - veja-se o despropósito e a pouca humildade devida aqui a alta importância que dou a mim mesmo nesta questão. Ocorre que amanheci hoje com disposição de encarar isto - e outras questões - com menos exigências de perfeição ou perfectibilidade e ao repor tal questão em mente penso que pouco importa isto no presente caso.

Nossas expressões e discursos postos aqui ou ali pegam na geral, mas podem sim ser endereçados a um público específico e estar voltados para determinadas frações dos grupos sociais aos quais pertencemos. Curiosamente isto ocorre exatamente assim, porque observamos em alguns casos que são estas pessoas com quem queremos conversar ou propor algo sobre este assunto que nos dão retornos, fazem considerações ou sugestões, E mesmo aquelas que não compreendem o que dizemos ao abordarem de forma deslocada ou enviesado, diversionista ou tresloucada o que dizemos merecem também nossa boa vontade, pois este é justamente o ônus de nossa exposição: suportar não ser compreendido e tolerar isto com uma atitude tranquila, moderada e pedagógica ou, no caso de cada, um responder a isto com os meios que dispõe e com mostras de sua disposição ao diálogo. Não há, então, ao meu ver, pecado aqui na profissão de fé ou proselitismo nesta intencionalidade.

E do mesmo modo que é assim para os textos e discursos, em nossas vidas privadas, e, portanto, nossas escolhas existenciais, morais, religiosas e nossas adesões políticas podem sim ser incompreensíveis aos leigos, aos moderados de espírito, aos quietos de alma e também aos iluminados da razão ou conformados sociais. Não faz muito sentido escrever uma obra na esperança de um dia ser compreendido por alguém que virá a atingir os píncaros de tuas idéias, mas também não há nenhum motivo relevante que te obrigue a escrever apenas coisas que valham para todos e que sejam entendidas por todos, porque talvez ao fazer assim esteja apenas encobrindo ou simplificando algo que não é passível de tal simplificação. As vezes, a melhor atitude é mesmo complicar um pouco para que a vida não seja resumida e para que o valor intrínseco de uma existência não seja resumido na presunção apressada de outro.


Enfim, creio que por mais dançante e carregado de dúvidas que tenha sido meu texto me compreenderão aqueles que assim desejarem e também aqueles que eu gostaria que assim o fizessem, por força do meu tema e da forma que dou a ele aqui. Não precisamos esperar outra geração para sermos bem entendidos, mas podemos provocar já nesta um esforço de compreensão que não se fará por generosidade, mas sim por interesse. Eu gosto de escrever especialmente para os interessados. Aqueles que não são interessados não precisam ler. Podem ler outras coisas ou outros. O interesse aqui nos ajuda a encontrar a ligação entre as coisas, as palavras e o sentido do que dizemos e o modo em que vivemos.        

SOBRE IRWIN D. YALOM E A TEMÁTICA EXISTENCIAL


Para começar, devo dizer que voltei algumas semanas em uma postagem de um amigo e ex-colega da filosofia para comentar o que segue a partir de seu compartilhamento de uma obra de Alison Gopnik. Em seu resumo da obra dela assim: “Alison Gopnik é uma psicóloga cognitiva de renome mundial. Neste longo e saboroso ensaio, a um só tempo confessional e detetivesco, ela fala da crise de identidade que a abateu aos 50; de como encontrou refúgio em Hume e no budismo; e de um possível elo entre os dois através dos jesuítas do século XVIII. Topei com o ensaio em meu Feedly depois de deixar o Henrique no colégio, cedinho da manhã. Não consegui parar até terminá-lo. (E, bem, há o dia todo para a lógica de Kant.).(...) o ponto dela é inédito. Ela mostra evidências da possibilidade de Hume ter se informado sobre o budismo em La Flèche, enquanto terminava o Tratado, com estudiosos jesuítas que tinham estado na Índia e no Tibete.” Renato Duarte Fonseca.

Assim, Alison aponta David Hume como um bom filósofo para enfrentarmos as crises de meia idade e isto se deriva de sua relação com o Budismo.
Depois eu, então, extrapolei para minhas aulas e vida. Voltei lá  para dizer que tenho notado grande atenção na filosofia para está temática mais existencial ou do tal sentido da vida. Tal temática é central na vida de uma pessoa e me parece que isto fica decisivamente aos 50 anos. E é a temática de compreendermos nossos momentos, sentimentos, angústias e expectativas específicas de cada momento ou situação da vida. Não se trata de uma teoria geral da vida, mas sim para mim uma espécie de narrativa que toca diferencialmente cada momento da nossa vida. 

Recomendo muito, a partir disto, uma leitura de algumas obras do David Yalom, aquele psicanalista americano que obteve muito sucesso a partir de sua obra Quando Nietzsche Chorou, porque percebo claramente uma ótima aproximação entre temas filosóficos e a análise existencial dele. Muito além de uma auto ajuda trata-se de focar em problemas que ou caem num divã e são tratados ou ficam embatucando a cabeça de certas pessoas. Creio que temos aqui sim uma dimensão da filosofia da vida mas também uma abordagem da saúde e a construção de formas mais saudáveis e sensatas de encarar os dramas da existência. Tenho lido Hume e observo uma grande aplicação de muitas de suas lições para uma vida mais saudável. Eu dou um testemunho que o Yalom é bom porque tenho lido ja diversas  obras dele que tem me auxiliado a encarar certos dramas de minha vida e de conhecidos, ao mesmo tempo, tento ultimamente aproximar muito meus conhecimentos e leituras filosóficas das questões existenciais.

Yalom tem diálogos em suas obras com filósofos bem interessantes. Começando por Quando Nietzsche Chorou, seguindo  por O problema de Spinoza, A Cura de Schopenhauer, Mentiras do Divã, O Carrasco do Amor, Mamãe  e o Sentido da Vida, Os desafios da Terapia. No último livro que adquiri dele, A Cura de Schopenhauer, ele cita seu diálogo com  muitos filósofos como DagFinn Follesdal, por exemplo, entre outros filósofos contemporâneos citados em outras obras dele.

Estou, então, aqui lendo um livro do Yalom que trata sobre o tema da morte e outros. Ele é um e escritor bem analítico no sentido de dar um tratamento muito claro e distinto dos temas que enfrenta com seus pacientes e nos apresentar isto seja em forma de relatos as autorizados, seja como ficção ou  uma narrativa ficcional de situações que conseguimos imaginar e compreender muito bem. E é de grande proveito para o entendimento de si e dos outros. E esta última semana  em sala de aula e na vida  lidei com muito temas limite.

Sobre o Filme O Resgate do Soldado Ryan tratei do tema geral do valor da vida de um homem em suas dimensões intrínsecas, relacionais e comparadas. E a crítica da indução de David Hume em que tratei primeiro dos aspectos epistêmicos e lógicos e depois de uma perspectiva do valor existencial de sabermos que o sol pode não nascer amanhã ou que, em paralelo, nos também podemos não estar aqui amanhã. E daí o valor do nosso tempo presente e de nossa vida atual.


Carpe diem dizia o professor de Sociedade dos poetas mortos e aqui aproveitar o dia vale em duas direções. Alguns preferem aproveitar ao máximo  a vida porque pode não haver amanha já outros preferem cuidar da vida porque pode haver uma amanhã também. Yalom é um excelente psicanalista existencial americano que já passou dos 80 anos. Comecei a ler e não parei. Os livros dele são muito bem escritos. Ele chama uma parte da abordagem dele de biblioterapia. Cumpriu um papel importante nos meus últimos cinco as anos. E depois que eu vivi aquelas situações barra de saúde, doença da mãe, morte do irmão, do pai e de minha irmã mais velha, bem como problemas na minha saúde e vida pessoal e politica acabei me tratando  de certa forma um pouco com ele eu diria. No sentido de ler, refletir, observar meus sentimentos, escrever e me compreender também. 

Olhar para si mesmo e para a sua própria vida aos cinqüenta anos é muito diferente de fazer isto dos 30 ou 20 anos. Muita coisa aconteceu. É uma forma de conforto conquistada pela reflexão e meditação, com análise honesta e franca de si mesmo e de sua história. A lista de livros dele são muito bons para pessoas em crise de meia idade e que passam por conflitos e atribulações de contemplar a vida da metade para o fim. Aos 50 ocorre algo incrível com a gente. Tipo um sentimento de última chance. Daí você pensa se consegue superar alguns traumas. Olhar para si mesmo ao espelho e se confessar. Pensa em ver o que dá para corrigir. O que fica e o que sai de sua vida. Nos meus últimos anos as coisas tem sido uma espécie de seleção em que tenho que escolher tudo que faço e penso de novo. De comida à hábitos.

SOFRIMENTO E RAZÃO

A questão de “se faz sentido dizer que uma parte significativa da nossa vida é sofrimento?” apresentada pelo Professor Flavio Williges ( Filosofia UFSM) que segue a ela, para justificar e estender o tema, apontando um rol de “sofrimentos da velhice”, as dificuldades e “ameaças a vida dos jovens em países pobres”, “as marcas psicológicas permanentes deixadas pela luta pela sobrevivência”, “perseguições”, “preconceitos” seja por imposição ou exposição. Ora, o sofrimento é sim parte de nossa vida.

Vou tentar ser um pouco socrático aqui. Para mim este tema que é retirado da experiência de muitos, senão de todos, é um tema existencial por excelência. O sofrimento é sim uma das possibilidades sempre presentes e eminentes da nossa existência, seja por fatalidades, seja por acidentes ou mesmo de forma provocada ou intencional. A tragédia, o drama, a violência, a iniquidade, a calamidade e diversas outras situações deste grande elenco de coisas que nos geram sofrimento quando ocorrem com os outros nos tocam também por mostrarem que podem acontecer com nós. E quando ocorrem com nós nos lembram bem que somos iguais aos demais, que a dor também nos alcança e que também somos frágeis.

Então, sim ele faz parte de nossa existência e determina parte de nosso caráter e virtude na relação com o próximo. E é ele o sofrimento contínuo, lento ou repentino e sua sombra - a morte eminente - o que talvez nos faça ficar tão exultantes ou felizes ao lhe escapar ou ao sofrer um mal menor, ao superar uma dificuldade ou simplesmente estar vivo ainda "apesar de tudo" o que só tem significado para quem superou ou ultrapassou uma grande dificuldade.

Porém, um certo luto nos acompanha, pois ainda assim lembramos muito dos que não sobreviveram. Então o sofrimento é sim um referente permanente de nosso existir e a consciência e certa consideração dele é o melhor caminho para diminuí-lo em nossas vidas. Então, penso que ao dizer que o sofrimento é parte significativa de nossas vidas, devemos pensar o que fazer e como reagir a isso? Pois, ao refletimos sobre isto devemos então encontrar ai algo que torne nossa vida, em uma vida com maior valor e que valha a pena ser vivida. Deixo outras considerações a cada um que quiser fazer...

Penso também que o sofrimento é uma espécie de par antagônico da vida digna ou da boa vida. E que assim como o ser se confronta com o nada para definir-se, a vida se confronta com a morte para ter sua dignidade mínima, nós definimos nossa vida boa por negação ao sofrimento ou por alguma forma de afastamento do sofrimento e redução da dor e do mal que ele nos causa.


Nesse sentido, parece ser pela nossa reação ao sofrimento que desenvolvemos nossa razão.     

FILÓSOFO, ARGUMENTOS, LEITURAS E DEBATES



Concordo plenamente com um amigo meu chamado Alexey que escreveu um texto explicando sua relação com a filosofia  e também interpelando provavelmente algum comentário maldoso que recebeu. Em praticamente todos os pontos que discriminei e entendi do texto dele. Ser de fato um filósofo ou não, logo se design ar filósofo ou não, a vantagem de um curso de filosofia expressa pelo reconhecimento da necessidade de aprender a ler os textos, considerando o que o autor disse e descartando o que ele não disse, o estudo e o compreender certo número de filósofos razoavelmente adquirido no curso, mas não todos os filósofos, a necessidade de, em respeito ao próximo, argumentar e dar razões para concordar, discordar em parte ou em tudo, ou julgar as posições, opiniões e os argumentos de outros. O que também vale para as crenças e convicções que quando criticadas ou contrariadas também requerem razões e a apresentação de razões. Também, além disso, sou formado em filosofia, licenciado e bacharel com uma especialização que é produto de um mestrado incompleto, mas isso não me torna filósofo de per si. Sou apenas um professor de filosofia com o tal diploma e aproximadamente 20 anos de carreira no ensino médio. Não sou filósofo, não somente no sentido pitagórico, porque não possuo a sabedoria por inteira nem por todo o tempo, como também porque ainda ando procurando ela muito mais através das ideias, conceitos, métodos e teorias, das buscas e dos  achados e perdidos dos outros pensadores do que dos meus próprios. Nesse sentido me vejo como alguém que tenta ensinar e transmitir as reflexões de outros colocando talvez uma pitadinha das minhas. E isso não é uma declaração de humildade, nem auto depreciação, muito menos uma declaração de ignorância para efeito heurístico ou impressionista. Isto é apenas uma forma de dizer que não me julgo original, por mais que possa parecer. Isto é uma forma de dizer que não creio estar trazendo nada de novo, mas sim apenas reapresentando num outro tempo, num outro espaço e por outros meios velhas ideias e algumas novidades que são apenas desdobramentos delas, interpretações delas e também, em alguns casos mesmo, distorções e criações sobre velhas ideias. Também concordo que é preciso argumentar para concordar, discordar, divergir ou criticar. E assim como a mera negação não é refutação, a reiteração e afirmação simples de uma mesma ideia não a torna verdadeira. Do mesmo modo a repetição de uma conduta ou o hábito não torna esta ação ou outra mais justa do que qualquer outra ação excepcional. Então, isso significa que não é correto ficar repetindo uma conduta só porque a maioria a tolera ou aceita, nem muito menos desconsiderar certa conduta simplesmente porque poucos a adotam. E nesse caso, ainda que sejam raros textões no facebook e ainda que poucos argumentem de fato sobre alguma coisa aqui - alguns se limitando a reapresentar boatos ou opiniões sobre as coisas - disso não se segue que não devamos dar razões, nem muito menos argumentar com cuidado sobre nossas posições e opiniões aqui. E a parte legal - e é por isso que estou te comentando - é que muita gente mesmo sem ser filósofo ou filósofa tem contribuído para mudar certo panorama e padrão dos debates. E ainda que argumentar não seja a regra, já há certa compreensão de muitos sobre esta necessidade, ainda que muitos não o façam por falta de tempo em alguns casos, em outros por falta de encorajamento e em outros por ainda estarem pensando se seria o caso de fazer isso ou se valeria a pena fazer tal coisa. Mas mudou, basta lembramos do que já foi um dia para nós aqueles debates, incêndios e lambanças de orkut de dez anos atrás. Ainda que existam trollers por ai... já tá passado da hora isso...a questão fundamental, enfim, não deveria ser vencer o debate mesmo, mas sim argumentar da melhor forma possível em relação ao ponto, porque assim todo mundo ganha ao ler algo e mesmo que discorde o fará com razões e com clareza dos motivos.

FEMINISMO E LUTA DE CLASSES - BEAUVOIR É GENIAL PARA MIM - EXCERTO DE ENTREVISTA

Beauvoir — Ao escrever O Segundo Sexo tomei consciência, pela primeira vez, de que eu mesma estava levando uma vida falsa, ou melhor, estava me beneficiando dessa sociedade patriarcal sem ao menos perceber. Acontece que bem cedo em minha vida aceitei os valores masculinos e vivia de acordo com eles. É claro, fui muito bem-sucedida e isso reforçou em mim a crença de que homens e mulheres poderiam ser iguais se as mulheres quisessem essa igualdade. Em outros termos, eu era uma intelectual. Tive a sorte de pertencer a uma família burguesa, que, além de financiar meus estudos nas melhores escolas, também permitiu que eu brincasse com as idéias. Por causa disso, consegui entrar no mundo dos homens sem muita dificuldade. Mostrei que poderia discutir filosofia, arte, literatura, etc., no “nível dos homens”. Eu guardava tudo o que fosse próprio da condição feminina para mim. Fui, então, motivada por meu sucesso a continuar, e, ao fazê-lo, vi que poderia me sustentar financeiramente assim como qualquer intelectual do sexo masculino, e que eu era levada a sério assim como qualquer um de meus colegas do sexo masculino. Sendo quem eu era, descobri que poderia viajar sozinha se quisesse, sentar nos cafés e escrever, e ser respeitada como qualquer escritor do sexo masculino, e assim por diante. Cada etapa fortalecia meu senso de independência e igualdade. Portanto, tornou-se muito fácil para mim esquecer que uma secretária nunca poderia gozar destes mesmos privilégios. Ela não poderia sentar-se num café e ler um livro sem ser molestada. Raramente ela seria convidada para festas por seus “dotes intelectuais”. Ela não poderia pegar um empréstimo ou comprar uma propriedade. Eu sim. E pior ainda, eu costumava desprezar o tipo de mulher que se sentia incapaz, financeiramente ou espiritualmente, de mostrar sua independência dos homens. De fato, eu pensava, sem dizê-lo a mim mesma, “se eu posso, elas também podem”. Ao pesquisar e escrever O Segundo Sexo foi que percebi que meus privilégios resultavam de eu ter abdicado, em alguns aspectos cruciais pelo menos, à minha condição feminina. Se colocarmos o que estou dizendo em termos de classe econômica, você entenderá facilmente. Eu tinha me tornado uma colaboracionista de classe. Bem, eu era mais ou menos o equivalente em termos da luta de sexos. Através de O Segundo Sexo tomei consciência da necessidade da luta. Compreendi que a grande maioria das mulheres simplesmente não tinha as escolhas que eu havia tido; que as mulheres são, de fato, definidas e tratadas como um segundo sexo por uma sociedade patriarcal, cuja estrutura entraria em colapso se esses valores fossem genuinamente destruídos. Mas assim como para os povos dominados econômica e politicamente, o desenvolvimento da revolução é muito difícil e muito lento. Primeiro, as mulheres têm que tomar consciência da dominação. Depois, elas têm de acreditar na própria capacidade de mudar a situação. Aquelas que se beneficiam de sua “colaboração” têm que compreender a natureza de sua traição. E, finalmente, aquelas que têm mais a perder por tomar posição, isto é, mulheres que, como eu, buscaram uma situação confortável ou uma carreira bem-sucedida, têm que estar dispostas a arriscar sua situação de segurança — mesmo que seja apenas se expondo ao ridículo — para alcançar respeito próprio. E elas têm que entender que suas irmãs que são mais exploradas serão as últimas a se juntarem a elas. Uma esposa de operário, por exemplo, é menos livre para se juntar ao movimento. Ela sabe que seu marido é mais explorado do que a maioria das líderes feministas e que ele depende de seu papel de mãe/dona-de-casa para sobreviver. De qualquer forma, por todas essas razões, as mulheres não se mobilizaram. Ah sim, houve alguns pequenos movimentos bem interessantes, bem inteligentes, que lutaram por promoções políticas, pela participação das mulheres na política, no governo. Eu não me refiro a esses grupos. Então veio 1968 e tudo mudou. Sei que alguns eventos importantes aconteceram antes disso. O livro de Betty Friedan, por exemplo, foi publicado antes de 1968. Na verdade, as mulheres norte-americanas já estavam se mobilizando nessa época. Elas, mais do que ninguém, e por razões óbvias, estavam cientes das contradições entre as novas tecnologias e o papel conservador de manter as mulheres na cozinha. Com o desenvolvimento da tecnologia — tecnologia como poder do cérebro e não dos músculos — a lógica masculina de que as mulheres são o sexo frágil e, por isso, devem representar um papel secundário não pôde mais ser sustentada. Como as inovações tecnológicas eram muito difundidas nos Estados Unidos, as mulheres norte-americanas não escaparam às contradições. Foi, portanto, natural que o movimento feminista tivesse seu maior ímpeto no coração do capitalismo imperial, ainda que esse ímpeto tenha sido estritamente econômico, isto é, a reivindicação por salários iguais, trabalhos iguais. Mas foi dentro do movimento anti-imperialista que a verdadeira consciência feminista se desenvolveu. Tanto no movimento contra a Guerra do Vietnã nos EUA quanto logo depois da rebelião de 1968 na França e em outros países europeus, as mulheres começaram a sentir seu poder. Ao compreender que o capitalismo leva necessariamente à dominação dos povos pobres em todo o mundo, milhares de mulheres começaram a aderir à luta de classes — mesmo quando não aceitavam o termo “luta de classes”. Elas se tornaram ativistas. Elas aderiram às marchas, às demonstrações, às campanhas, aos grupos clandestinos, à militância de esquerda. Elas lutavam, tanto quanto qualquer homem, por um futuro sem explorações, sem alienações. Mas o que aconteceu? Nos grupos ou organizações a que aderiram, elas descobriram que, assim como na sociedade que tentavam combater, também eram tratadas como o segundo sexo. Aqui na França, e eu me arrisco a dizer também nos EUA, elas perceberam que os líderes eram sempre os homens. As mulheres se tornavam datilógrafas e serviam café nesses grupos pseudo-revolucionários. Bom, eu não deveria dizer pseudo. Muitos dos participantes desses movimentos eram revolucionários genuínos. Mas tendo sido treinados, educados e moldados em uma sociedade patriarcal, estes revolucionários trouxeram esses valores para o movimento. Compreensivelmente, estes homens não iriam abrir mão desses valores voluntariamente, assim como a classe burguesa não abrirá mão de seu poder voluntariamente. Dessa forma, assim como cabe ao pobre tomar o poder do rico, também cabe às mulheres tirar o poder dos homens. E isso não quer dizer que, por outro lado, elas devam dominar os homens. Significa estabelecer igualdade. Assim como o socialismo, o verdadeiro socialismo, estabelece igualdade econômica entre todos os povos, o movimento feminista aprendeu que ele teria que estabelecer igualdade entre os sexos tirando o poder da classe que liderava o movimento, isto é, dos homens. Colocando em outros termos: uma vez dentro da luta de classes, as mulheres perceberam que a luta de classes não eliminava a luta de sexos. Foi nesse ponto que eu mesma tomei consciência do que acabei de dizer. Antes disso, estava convencida de que a igualdade entre homens e mulheres só era possível com a destruição do capitalismo e, portanto — e é esse “portanto” que é uma falácia — nós temos que lutar primeiro a luta de classes. É verdade que a igualdade entre homens e mulheres é impossível no capitalismo. Se todas as mulheres trabalharem tanto quanto os homens, o que acontecerá com essas instituições das quais o capitalismo depende, instituições como igreja, casamento, exército, e os milhões de fábricas, lojas, etc. que dependem de trabalho de meio-expediente e mão-de-obra barata? Mas não é verdade que a revolução socialista estabelece necessariamente a igualdade entre homens e mulheres. Dê uma olhada na União Soviética ou na Tchecoslováquia, onde (mesmo se nós estivermos dispostos a chamar esses países de “socialistas”, e eu não estou) há uma confusão profunda entre emancipação do proletariado e emancipação da mulher. De alguma forma, o proletariado sempre termina sendo constituído de homens. Os valores patriarcais permaneceram intactos, tanto lá quando aqui. E isso — essa consciência entre as mulheres de que a luta de classes não engloba a luta de sexos — é que é novo. A maioria das mulheres sabe disso agora. Essa é a maior conquista do movimento feminista. É a que vai alterar a história nos próximos anos.

AVENTURAS METAFÍSICAS ORIGINAIS NOS ENSINAM ALGUMA COISA?

Para mim sim. Não me importa tanto hoje a sua veracidade, mas sim sua forma de selecionar algum aspecto do nosso pensar sobre a realidade. Mesmo que não me pareçam ter sentido. Mesmo que pareçam resumos da realidade que tentem ultrapassá-la e comprimi-la. Eu mesmo tenho minhas predileções metafísicas conceituais. Vou dar um exemplo bem básico. Para mim o mundo é constituído apenas por matéria, energia e intenção. Conhecer é perceber diferenças e perceber diferenças pode ser uma ação passiva ou intencional. O mundo nos apresenta diferenças e nós somos bem sensíveis a elas. Toda vez que a estrutura dele é desvendada descobrimos ou tentamos intencionalmente apor num código formado por intenções de significado e sentido já realizadas ou adaptadas para desvendá-lo ou lhe dar sentido. A linguagem é assim apenas o tecido ou melhor a linha que nossa intenção usa para tecer seu sentido de mundo, corpo, ou qualquer relação possível entre matéria e energia em todas as suas possíveis manifestações e divisões.

ATOS DE FALA, SILÊNCIO E CONVENÇÃO

Lendo uma anotação de 16 de dezembro de 2015 numa discussão griceana no Blog de Colin McGuinn (http://www.colinmcginn.net/silence-and-speech) sobre: se é possível dizer algo ficando em silêncio? E pensando em algo do tipo ônus ou risco interpretativo daquele que está na posição do ouvinte neste diálogo (surdo e mudo). Este ônus seria reduzido por certa convenção, hábito ou costume. E McGuinn usa para isso a ideia de um acordo. Imagine a situação bem específica e geracional quando frente a certas interjeições dizemos algo ou nos calamos e dizer algo - qualquer coisa no caso significa um sim, salvo se você disser não. E não dizer nada significa um não ou o já clássico "pare com esta conversa para cima de mim".  Colin fala três coisas distintas que eu anoto e gostaria de anotar um pouco mais aqui. A primeira é que podemos combinar este tipo de código para um diálogo o que usei acima. O silêncio seria convencionado como um sinal afirmativo ou negativo. O exemplo dele é "Eu quero sair". Mas ele também fala em longa pausa para exemplificar. Bem no caso que ele expõe poderiam haver graduações de silêncios. Mas não é isto que realmente me interessa. A segunda coisa é que o significado não é um ato. Ora da perspectiva do ouvinte "todo" significado seja por ação ou omissão me parece que deve ser um ato, pois corresponde a uma operação de significado a ser interpretada com maior ou menor ônus do ouvinte ou espectador. Ou seja, o falante mesmo mudo deve dar por convenção algum indício de que sim ou não em relação a determinado significado. E pensar aqui no teatro e em diversos tipos de códigos em que o silêncio (do juiz no futebol com o apito na mão por exemplo) pode significar siga em frente. A terceira coisa que ele diz é a que me interessa mais porque parece mais suscetível de interpretação equivoca. Aliás, me parece abrigar o cipoal da ideia metafisica de que o pensamento é um ato.  Quando ele afirma que atos de fala não precisam ser necessariamente atos ou na versão mais hard dele não são essencialmente atos dai - por decorrência da segunda anotação - tenho que pensar aqui como é que ele combina isto. E, por fim, se ele combina, então ouve um ato na origem do significado do silêncio que torna o silêncio um significado. Neste caso, para mim com minhas limitações interpretativas e teóricas, o significado do silêncio é um ato de fala porque possui em sua matriz um ato de fala que o convenciona como tal. Assim, se a exceção é dada por convenção, e a convenção é um ato, então esta exceção é um ato de fala ou tributária de um ato de fala. O acordo sobre o silêncio é um ato de fala... Por fim, como bem anota um comentário, se o silêncio significa uma omissão é porque convencionamos tal coisa. Não emitir opinião pode significar negar-se a tomar parte em um diálogo, pode significar não ter opinião, mas também pode significar uma negação, tanto quanto um assentimento desde que convencionemos no nosso jogo de linguagem que terá tal significado. Prossiga...ou...ainda não...me lembrou aquele jogo de procurar pessoas escondidas quando entre o quente e o frio você por convenção fica em silêncio...até dizer "está quente" quando a pessoa se aproxima do objeto escondido ou "está frio" quando ela se afasta. E é claro que este silêncio diz algo ali do tipo "você está na encruzilhada e no ponto de decidir". Isto não é um ato que significa?     

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

MINHA ENTREVISTA PARA UM ESTÁGIO DE OBSERVAÇÃO

Entrevista – Estágio 1

Fábio Cezimbra Rubo
Lionara Fusari Professora-tutora externa
Centro Universitário Leonardo Da Vinci – UNIASSELVI
Licenciatura em Filosofia (Curso FILO033)


Entrevistado: Professor Daniel Adams Boeira
Entrevistador: Fábio Cezimbra Rubo

1-           Ao lecionar, quais as principais distinções entre as turmas diurnas e noturnas que o Sr. Professor observa?

Observo que os alunos e turmas do diurno tem comportamentos mais infantis, porém tem mais capacidade de concentração e registram melhor os conteúdos, e que os alunos do noturno estão mais cansados, tem dificuldade de concentração e tem mais dificuldade para registrar os conteúdos, que, assim, o tempo de hora aula no noturno é mais reduzido, mas que a maturidade dos alunos do noturno não é suficiente para compensar este tempo mais reduzido. Também é importante observar que no noturno alguns alunos encontram-se em defasagem idade série e que outros ficaram algum tempo afastados da escola. Porém no noturno também temos alunos/alunas adultos e que dão muita importância ao resultado escolar e ao avanço nos estudos para suas vidas, sobrevivência, empregabilidade e renda. Porém, ainda existem alunos que procuram o noturno, não porque trabalham ou precisam, mas porque acreditam que será mais fácil estudar e as exigências serão menores, o que não é o caso. Por fim, devo dizer que algumas destas distinções vão se dissolvendo ao longo de três anos com os alunos, ocorrendo no ensino médio na maior parte dos casos um maior amadurecimento, uma socialização maior e também a superação destas dificuldades com apoio dos professores e disposição e boa vontade dos alunos/alunas.        

2-           As aulas do turno noturno têm preparação e dinâmica diferenciadas do turno diurno?

O que eu faço de diferenciado no noturno é ser um pouco menos expositivo e resumir mais o conteúdo. Minhas dinâmicas seguem ainda um mesmo padrão procurando acentuar uma base conceitual, uma explicação temática com exposição e problematização do conteúdo e abrindo links da matéria com a realidade atual ou conteúdos de outras disciplinas. Tento amparar as aulas nos dois casos com leitura e interpretação de textos didáticos. E cuido muito para inserir cada aula no plano de estudos estabelecendo as relações do conteúdo especifico com o plano geral e explicitando os objetivos. 

3-           O que a aprendizagem de Filosofia pode trazer de significativo aos alunos para o aprendizado das demais disciplinas do currículo escolar?

O que é siginificativo para mim é aquilo que pode ser parte de um mesmo universo de linguagem e de uma determinada prática social. Tenho evoluído, ao longo do tempo em que leciono desde 1995, de uma interpretação e avaliação deste aspecto mais externalista que considera a disciplina de filosofia como mais um conteúdo ou capital cultural separado, para uma abordagem mais internalista que a considera altamente vinculada e conectada com as demais disciplinas. Hoje creio que a filosofia deve ser ensinada como uma espécie de subterrâneo ou paralelo conectado com a história e o desenvolvimento dos demais ramos do conhecimento, da ciência, da cultura e das práticas sociais. Tendo a ensinar filosofia no tempo e e no seu contexto de produção. Por conta disto leciono com um fio condutor histórico e conectado com as demais disciplinas de ciências humanas com temas comuns sob enfoques próprios. Sem querer extrapolar ou supervalorizar nossa disciplina, mas cada dia me convenço mais de que ela pode auxiliar a organizar, problematizar e gerar entendimento da história das ciências e da história humana, cumprindo um papel complementar e integrador de oferecer certo estoque e acervo especifico para os demais ramos do conhecimento ou áreas em diálogo com as questões atuais e do cotidiano atual.     

4-           O que a aprendizagem de Filosofia influencia em geral no cotidiano prático dos alunos?

Em cada alunos esta influencia deve ser diferenciada dado seu acervo cultural e suas condições existenciais atuais, mas imagino que deva contribuir para a aquisição e aplicação de determinadas distinções conceituais, gerar reflexão crítica sobre a existência, o trabalho e suas relações com os demais seres humanos, sendo estas de compromisso ou circunstanciais, e que também deve gerar uma certa compreensão ou esclarecimento sobre as diferenças e os desafios sociais, materiais, econômicos e políticos de cada aluno em suas comunidades e na sociedade. Eu resumiria todos os ganhos possíveis em três palavras: compreensão, reflexão e crítica. E que isto se aplica aos desafios e à busca de soluções a eles na vida cotidiana e prática dos alunos.

5-           O Sr. Professor poderia nos dar um exemplo prático desta influência contando o caso de algum aluno específico seu? (sem citar nomes)

Eu te diria que os exemplos são abundantes, porque tenho alunos/alunas e ex-alunos/alunas que cumprem diversos papéis sociais diferenciados. E creio que parte de minha influencia mais forte sobre eles esteja ligada muito ao estimulo ao seu engajamento sério e comprometido em questões sociais e em cumprir algum papel social. Em alguns casos isso envolve luta social e disputa em debates em outros envolve exercer alguma capacidade de organização e reflexão em sociedade. Muitos ex-alunos/alunas meus e de meus colegas são profissionais bem sucedidos, comprometidos, disciplinados e responsáveis criticamente em suas atividades pessoais, profissionais e cidadãs. Tenho ex-alunos/alunas que são também professores hoje e que me orgulham muito e também uma expressiva parcela deles tenho reencontrado com muita gratidão e reciprocidade. Observo na maior parte dos que reecontro um espírito muito humano, justo e compreensivo que se destaca na forma em que eles se conduzem e tratam os próximos e também as situações da vida. Porém, devo dizer que tributo isto a um resultado coletivo do nosso trabalho coletivo de professores e portanto de outras disciplinas na escola que reforçam estas dimensões e aspectos nos alunos/alunas durante sua formação. Assim, vejo hoje com muita clareza meu papel de formador compartilhado com os demais professores, equipe diretiva, equipe de apoio e servidores dos setores na escola que contribuem para isto.         

6- Quais as principais transformações o Sr. Professor poderia elencar das suas primeiras aulas como recém formando para as suas aulas ministradas nos dias de hoje?

Eu tinha uma metodologia de ensino conteudista e muito planejada e voltada para ensino de conteúdo e que supervalorizava a importância da disciplina no currículo e avaliava com excessivo rigor os alunos. Hoje tendo a ser mais relacional e cognitivo em relação aos alunos e a relativizar com tranquilidade a importância da minha disciplina e entendo também com tranquilidade a hierarquia diversa ou adversa de prioridades e disciplinas na aprendizagem dos alunos e suas dificuldades de apreensão e compreensão. Tento também abrir meu conteúdo para temas mais típicos da adolescência como escolhas profissionais e de vida, questões sobre afetividade e relações humanas, compreensão de diferenças culturais, religiosas e políticas e, também, sobre os desafios de aprendermos a mudar nossas formas de lidar com sofrimento psíquico e social.   

7-    A escola apresenta um peculiar sistema onde os professores têm salas fixas e os alunos encaminham-se para as mesmas a cada troca de período. Por que razão este sistema foi adotado? E quais os resultados observados desta nova dinâmica?

Esta dinâmica de Salas Temáticas foi proposta para promover certa movimentação física nos alunos, se deslocando e se movimentando de uma sala para outra e combatendo assim o sedentarismo e dando espaço para que os alunos mais inquietos se movimentem no ambiente escolar e também para promover um espaço e um ambiente próprio e singularizado para as disciplinas primeiramente e ultimamente as áreas. Eu creio que os resultados são ótimos porque também promoveram integração maior entre os alunos/alunas e, ao mesmo, tempo a qualificação e maior apropriação dos espaços escolares pelos educadores promovendo organizações próprias das classes em sala de aula e a inclusão elementos equipamentos próprios as disciplinas nestas salas. Para mim, em especial, acabou gerando um cuidado maior e um zelo maior com  limpeza e organização do meu espaço de trabalho, dando também certa ênfase às questões e condições físicas e materiais do ensino e do meu trabalho.          

8-           O que a Filosofia representa na sua vida prática e quanto disso o Sr. Professor tenta passar para seus alunos?

Na minha vida prática ela representa uma espécie de ordem de reflexão e compreensão sobre a vida que expresso em palavras e que vou elaborando ao longo de vivencias e experiências de todo tipo. E praticamente transmito isto sistemática e organizadamente aos alunos. Ao longo da minha carreira ocorreu uma espécie de implicação entre vida teórica, cognitiva e cultural e vida prática, sensível e social. Então ocorre que muitas vezes minhas vivências subjetivas e de investigação e reflexão filosófica se relacionam diretamente com minhas experiências, ocorrendo uma alimentação reciproca do um universo pessoal com meu aparente universo profissional. De certa forma não há uma fronteira entre minha vida pessoal e profissional no sentido que sou a mesma pessoa nos dois ambientes e que há conexões profundas entre ambos. Adoto um tom confessional e pessoalizado, contando a minha história de vida e do meu encontro com a filosofia e as questões filosóficas ou outras mostrando este desenvolvimento ligado a uma vida real.        

9-    Nesses bons anos de magistério, quais valiosas lições o Sr. Professor obteve de seus alunos?

Parte fundamental do trabalho de um professor é conhecer a si mesmo, a outra parte é conhecer os alunos e é a partir deste esforço consciente, paciente e reflexivo que se consegue trabalhar com algum tipo de conhecimento e produzir alguma forma de aprendizagem e reflexão filosófica e histórica com eles. Educar é um processo, nunca estamos prontos, sempre podemos aprender mais e isso depende de nossa boa vontade e de nossa disposição. Quando os tempos são favoráveis isto acontece quase ao natural, mas quando as coisas estão difíceis isso é uma exigência indispensável. E não há problema que não possa ser resolvido ou reduzido com tranquilidade, disposição e dedicação. Vamos enfrentar dificuldades, podemos errar e ver outros errarem, mas não podemos desistir. Um dia, (num texto meu cujo título é Como vai a vida professor? Esta o resultado disto), após diversas tribulações e dificuldades e em diálogo com meus colegas e alunos/alunas conclui que era muito mais saudável encarar certas coisas de certa forma. E, então, muito por força das interações com eles, conclui que a roda de Sísifo do professor é desistir de desistir todos os dias e a todo momento que algo não sai ou não está como preferiríamos, desejamos ou gostaríamos e que assim nos tornamos os professores que os alunos querem e precisam. Isto tem sido reforçado em mim a cada dia que passa...