O Destino de uma Nação me permite
tratar hoje de um tema que tem me atraido muito em relação à Churchill. A
reconhecida natureza performativa dos seus discursos e uma possível relação com
Austin que, na mesma guerra, mesma época e país desenvolvia, provavelmente
enquanto auxiliava a inteligência militar e civil inglesa na contra informação
e na análise de informação, a sua já consagrada é indispensável teoria dos atos
de fala. Antes disso trato do filme e depois dos atos de fala de Churchill com
socorro da teoria de Austin.
O FILME
O destino de uma nação também
contém um ótimo conteúdo contra o fascismo e em defesa do acesso a verdade para
o povo de um país. Os discursos de Churchill possuem um caráter altamente
popular e apelam para o sentido de liberdade de cada um dos seus interlocutores.
Desistir nunca, se entregar jamais, lutar sempre e defender a liberdade e a
democracia. Parte do que o filme não mostra, fazendo certa sombra sobre isso
inclusive, é que haviam ingleses e americanos - tanto quanto franceses -
simpatizantes ao nazismo porque viam nele uma possibilidade de impedir o
alastramento de partidos comunistas e também o crescimento de posições
trabalhistas mais à esquerda. Ao ver o filme fui provocado a pesquisar um pouco
mais sobre o período para além dos discursos e nos bastidores das relações
entre Inglaterra e EUA.
Apesar de ter uma coleção de
críticas assimiladas sobre Churchill, tenho muita admiração sobre este aspecto
dele ao ponto que, dentro dos meus limites de conhecimento, considero ele o
melhor orador e líder político da segunda guerra. Em uma obra de um historiador
de certa forma reconhecido, John Lukacs, Cinco dias em Londres, temos a defesa
da importância de Churchill na derrota a Hitler e ao nazismo na segunda guerra
mundial. Esse extremo papel é expresso por lukacs assim: “sem Churchill a
Alemanha e Hitler jamais teriam sido derrotados. É preciso, ainda, esclarecer
uma questão de natureza problemática e histórica que é apresentada no filme.
Alguns críticos apontam que
Halifax e Chamberlain não eram os traidores que aparecem na tela de Darkest
Hour. Ora, de fato Halifax cumpre papel importante na estratégia de guerra
inglesa. Porém, parte do mis em scene entre Churchill e seus dois colegas de
partido conservador, um ex-primeiro ministro com grande resistência a entrar em
guerra e que foi de certa forma o responsável – não solitariamente, veja-se
Lidell Hart a este respeito - pelo total despreparo militar dos ingleses para
resistir ou enfrentar Hitler, marcado por algumas simpatias de ingleses
poderosos por ele, e Halifax o preferido do Rei e de nove entre dez
conservadores para suceder Chamberlain, não pode encobrir o fato apontado no
filme que o próprio Halifax indica – após ser aclamado pelos membros do partido
– Churchill como o sucessor ideal ao cargo tendo em vista seu destemor e também
sua abordagem completamente avessa aos não aos alemães, mas a Hitler. Em
Dunkirk, o filme, fica em aberto o mistério de porque Hitler não exterminou
todos os ingleses e franceses abandonados, sem perspectiva de remoção, naquelas
praias tenebrosas, porém, é preciso considerar que o fio tênue de negociação
entre os ingleses e os alemães via intermediação – remunerada – dos italianos
se manteve até o último período da retirada completa dos ingleses daquelas
praias. É curiosa também que essa façanha só foi possível ser mantida por
diversos vazamentos de um americano que assessorava Joseph Keneddy na embaizada
americana em Londres. Esses vazamentos davam conta de tendências de enegociação
de uma paz por Chamberlain e Halifaz e da intransigente posição de Churchill
que apesar de considerar e balançar essa possibilidade tinha completa aversão a
isso. Duas cenas do filme ajudam a encobrir ou a fazer algum mistério disso. A
primeira é o passeio de metrô de Churchill e sua consulta aos súditos e súditas
às cidadãs e cidadãos britânicos. Ora, parece ser inverossímil que o Sir
Churchill faria tal coisa ou precisa de tal atitude para se convencer da
opinião ou tirar febre da opinião do povo inglês. Mesmo assim a cena para mim é
brilhante, pois o Never expresso em uníssono pelos passageiros do trem dá um
sinal claro da expressão política e do sentimento do povo inglês de jamais se
entregar ou se render a qualquer invasor. É importante apontar que aquela ilha
jamais foi invadida, salvo pelo romanos que acabaram por fortalecer e
contribuir na formação daquele povo. Franceses e espanhóis que o digam. A
segunda cena é a pausa nas discussões entre Neville e Halifax contra Churchill
perante todo o gabinete, em que eles ficam à sós, somente os três, para
confabular sobre a tática perante os alemães e Hitler. Apesar da cena não
enunciar qual o encaminhamento da reunião, é bem plausível se compreender que
tratava-se de manter na perspectiva inglesa uma linha de diálogo com os
alemães, via italianos basicamente para ganhar tempo, encontrar uma alternativa
de retirada de Dunkirk e ser capaz de sobreviver aquela situação tenebrosa para
todos eles sem exceção. Os detalhes da história dos motivos pelos quais os
alemães não liquidaram passam por diversas hipótese ainda hoje.
Os discursos e performativos de
Churchill, como se pode atestar no filme e em outros textos que já circulam,
são exemplares. Muito além de sangue, suor, labuta/trabalho e lágrimas o que
Churchill fez, foi, nas palavras com que Halifax aponta, no momento crucial do
filme, “mobilizar a língua inglesa para a guerra.”
DISCURSOS DE CHURCHILL - EXCERTOS
AUSTIN E CHURCHILL
Sempre quis saber se Churchill
teve algum tipo de influência, contato ou diálogo com Austin. Fico curioso com
a hipótese inclusive de ter sido um bom case para a análise dos atos de fala. A
força da palavra e da expressão dos atos de fala de Churchill bem que merece
uma análise minuciosa considerando-se contextos e suas respostas a cada um
deles e dos elementos nos cenários de fala. Vemos durante o filme todo as
proezas retóricas de Churchill, sua capacidade de emular um sentimento de
resistência contra o perigo alemão ou nazista, contra Hitler de tal modo que
não é difícil enquadrar ele como um orador de força ilocucionária extremamente
eficaz. Churchil, e isso é muito notável no filme, assumiu o cargo de primeiro
ministro num momento muito trágico da Inglaterra. Em dez de maio assume e em 13
faz seu discurso de posse. Mas logo em seguida é informado da eminente invasão
da Holanda, da Bélgica e da França pela blitzkrieg nazista. Logo mais se
defronta com a terrível situação dos mais de 300 mil soldados ingleses e
franceses sitiados em Dunquerque.
O filme possui muitas virtudes,
além disso que vou destacar aqui e que foram textualmente assinaladas por Pablo
Villaça que cito abaixo para começar:
"Gary Oldman, um dos atores
mais talentosos de sua geração, oferece mais uma grande performance; o design
de produção é impecável, fazendo um trabalho de recriação de época formidável;
e Winston Churchill é um personagem fascinante por natureza – e não só por sua
história, mas também por sua aparência, seus maneirismos e sua dicção
particular.
Para mim aquilo que é uma
desvantagem para o Pablo o filme que "só traz diálogos memoráveis quando
estes são citações diretas de Churchill ou do Cícero que este tanto
admira" é uma vantagem porque me permite analisar literalmente os atos de
fala de Churchill e o arcabouço geral e a efetividade histórica ou fatual dos seus perfomativos. Assim, excluindo-se a
duvidosa viagem de metrô em que Churchill conversa com populares, praticamente
todo o resto das suas falas consta em biografias e em relatos quase oficiais
dos acontecimentos entre 9 e 29 de maio de 1940.
Segundo Pablo, a citação literal
"compreensivelmente, já que o dom deste para a oratória era tamanho que
acabou por revolucionar a língua, refletindo os talentos do próprio político
britânico".
A crítica mais detalhada, ampla e
completa que conheço é do exímio Pablo Villaça. Nela ele fala também do
Universo Estendido, ou seja d conjunto deste filme somado a Dunkirk e ao
Discurso do Rei, do qual o filme faz parte e ajuda a explicar.
Austin estudou Aristóteles e
Leibniz durante sua formação e de ambos herdou uma tradição que se fortaleceu
em seu espírito com duas vertentes bem originais. De Aristóteles a idéia de
analisar as diversas formas de dizer, já de Leibniz sofreu certa inspiração em
relação ao projeto leibniziano de construir uma linguagem universal. Dentre os vários modos possíveis de se
dizer uma mesma coisa, o modo escolhido está relacionado com o sentido do que é
dito. Designa-se duas formas básicas para o que é dito uma forma é a
“constatativa” de natureza mais descritiva e a outra forma é a “performativa”
de natureza mais prática para aquilo que tem o objetivo de gerar uma ação ou
expressar uma ação. Nesse sentido as expressões na descoberta de sua teoria a
partir da observação dos nossos usos comuns da linguagem teriam uma “força
elocucionária”. Desse modo, Austin após perceber que jamais uma coisa dita é
exclusivamente indicativa acabou por caracterizar melhor os tipos de expressões
ou as formas como expressamos coisas diferentes com objetivos diferentes. Esta
teoria ganhou o nome de Teoria dos Atos de Fala e uma distinção mais
fundamental foi estabelecida entre atos locucionarios, ilocucionários e
perlocucionários. Austin, de certa forma, escreveu: Sense and Sensibilia e
Quando dizer é fazer, ambas obras publicadas postumamente em 1962. Suas teorias
foram ganharam muitos adeptos na filosofia analítica e em especial nos Estados
Unidos seu discípulo John Searle deu um desenvolvimento nova a sua teoria de
certa forma complementando e analisando mais ainda as formas das expressões ou
tipos de expressões. Já, na França, a Teoria da Linguagem de Jacques Derrida se
baseia em parte também em seu trabalho.
Durante a Segunda Guerra Mundial,
Austin serviu no British Intelligence Corps. Foi dito já que "ele mais do
que ninguém era responsável vital pela precisão da inteligência do dia D"
(relatado em Warnock 1963: 9). Austin deixou o exército em setembro de 1945,
com o cargo de tenente-coronel. Ele foi homenageado e reconhecido por seu
trabalho de inteligência com uma Ordem do Império Britânico, a Croix de Guerre
francesa e a Legião do Mérito dos Oficiais Americanos. (ver o verbete Austin na
Enciclopédia Stanford de Filosofia.)