Começando pela natureza e a
serventia desta Efeméride que, na minha opinião, dá início ao âmago desta
controvérsia.
Primeiro, ela não é uma
comemoração como muitos gostam de dizer e reproduzir por ai. Aliás, se você
pesquisar 80% dos sites falam em comemoração e isso tem muito mais haver com um
descolamento da data do seu real motivo do que propriamente com o sentido da
data.
E há ai – como em outras datas – uma disputa ideológica encoberta que
poderia ser dividida em dois pólos. Um primeiro que olha para a data como uma
Data de Luta o segundo que olha para data como Comemorativa. É como o Dia do
Trabalhador. Para o patronato é para comemorar o Dia do Trabalho, para o
Trabalhador e a Trabalhadora é o dia da Luta e da manifestação.
Esta diferença fundamental –
simpliciter - diz muito sobre a real dimensão conservadora ou mistificadora de
certos usos destas datas e de certas posições sobre esta datas. A única coisa
que se preserva em comum entre uma posição e outra é o caráter de homenagem às
Mulheres. Mas, mesmo nisto há uma outra diferença.
Sobre a importância social da
data sempre precisamos pensar em como ela é tratada, porque a forma de
tratamento confessa sempre a concepção e o tipo de balanço da questão da mulher
e das lutas das mulheres no mundo.
Tenho observado que esta data incomoda
demais algumas mulheres que se julgam independentes ou que conquistaram certa
independência e poder, mas que mesmo assim uma boa parte destas expressam isto
hoje em dia fazendo ainda uma espécie de apelo e pedido de ajuda aos homens na
conquista dos seus direitos nos demais 364 dias do ano. E vou usar aqui a
análise e a opinião de uma amiga sobre isto em que ela diz que “apesar de tudo
o que representa, esta comemoração é uma constante reafirmação, ao meu ver, da
condição feminina como algo desencaixado.”
Pois eu penso que quando se trata
das diferenças estamos mesmo tratando de coisas desencaixadas e que não há
problema algum nisto, e que a questão mesmo é se a diferença traz ônus, danos
ou prejuízos a quem é diferente, se traz discriminação pejorativa e
desrespeitosa a quem é diferente e se não afirma e repete apenas mais uma vez a
opressão, ou a exploração ou a dominação – não de categorias – mas de pessoas
sobre outras, de forma injusta e que promova não somente uma desigualdade
formal, mas material, não a diferença de gênero, mas de poder, de
possibilidades, liberdades e direitos.
Não creio que seja um contra-senso
querer igualdade em muitas questões. E o desejo de igualdade ai representa, de
um lado, a necessidade de estabelecimento de mecanismos formais de equiparação,
seja através de leis ou outros dispositivos legais, por exemplo, as cotas de
mulheres candidatas nos partidos e na minha opinião deveria haver tal regra na
composição do parlamentos por exemplo e em diversos outros âmbitos; e este
desejo também busca a equiparação ou a correção de questões materiais como por
exemplo os salários e o acesso a determinadas carreiras ou profissões que ainda
possuem um corte discriminatório das mulheres.
E não há nenhum motivo
justificado para impedir isto ou a alteração deste quadro que não apenas a
força do hábito e a ainda aceitação subjetiva de certa diferença entre as
mulheres e os homens. E eu tenho convicção e conhecimento que as mulheres são ainda
hoje sub-representadas na política e sub-valorizadas em seus vencimentos.
E isto me basta, porque esta
condição ainda traz consigo muita dependência material e subserviência das
mulheres e, ao mesmo tempo, a ausência de liberdade e autonomia delas. Você vê
a violência sobre as mulheres e sabe que ela é um crime que depende de uma ação
individual, mas que é perpretado e muitas vezes tolerado socialmente e
culturalmente também. Parece que é um erro que os homens podem cometer, mas de
fato não deveríamos tolerar mais isso, e mesmo a forma como a Lei Maria da
Penha é tratada no Brasil, desde um programa de auditório e até mesmo as
piadinhas que soa feitas com ela demonstram o quanto estamos atrasados na
questão da mulher.
Não sou a favor, por isso, de
qualquer idéia tipo a do dia do homem, porque o dia do homem já dura longo
tempo em nossas civilizações e a maior prova disto é a quantidade de
personagens masculinas erguidas na história, nas profissões e nas atividades
humanas não somente por exclusivo mérito individual, mas por condições
culturais reproduzidas e que dão muito trabalho e deram muito trabalho para serem enfrentadas e
alteradas. Vivemos aqui na questão da mulher uma luta bem árdua que sofre
resistência subjetiva e silenciosa, além das formas de resistência mais
ostensivas e que pela força do hábito e pelo machismo vigente em nossas
sociedades se perpetua.
Sobre o dia da causa feminina
como uma proposta, ou algo assim é para mim a questão crucial. Defendo que o
dia 8 DE MARÇO É O DIA INTERNACIONAL DA MULHER E QUE É UM DIA DE LUTA, DE BALANÇO
DA LUTA. E entendo que a pior forma de preconceito é aquela que não é debatida
e que fica sendo apagada através da negação deste dia, ou seja, o preconceito
contra a luta social, contra o conflito social e contra qualquer forma de
organização ou movimento que propõe lutas coletivas. Não há como conceber uma
solução individual para uma questão coletiva. É isto que vejo muito confessado
nesta data quando alguém a comemora e apaga a sua dimensão histórica, política
e conflitiva.
O próprio nome DIA DA MULHER já é
carregado de preconceito em relação à luta, porque o subentendido na data
histórica não é compreendido e muitas vezes é negado. A questão, então, da
causa feminina não é mesmo a diferença de cromossomo. Portanto, não é uma data
comemorativa mesmo, e isso é visto como comemoração justamente para apagara o
caráter de luta desta data, comemoram sim sem nem saber porque, sem conhecer a
origem histórica da data e fazem isso com aquela cordialidade cínica como se
não houvessem ainda altos índices de violência contra a mulher, altos índices
de aborto ilegal que leva à morte de mulheres e, ainda, um profundo machismo e
sexismo que trata a mulher basicamente como objeto sexual e reprodutivo para o
homem, a sociedade e a cultura.
Ligue a tevê, veja os filmes no
cinema, e não se trata tanto da exposição dos corpos, mas sim da concepção de
uso e finalidade com que eles são vistos, mostrados, admirados e vendidos.
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