Veja-se para iniciar
aqui algumas questões:
Como o pensamento
percebe diferenças e escolhe diferenças?
Como surge o pensamento novo contra o pensamento dominante? - e – Qual a
diferença entre opinião e ciência? E como o pensamento lida com esta diferença?
A distinção clássica
entre dóxa e epistémê, opinião e ciência foi muito bem plantada na tradição
filosófica e continua dando muitos frutos. Ela ultrapassou a condição inicial
de ser determinada por algum tipo de nível de convicção para alçar-se a uma
distinção que determina bases cognitivas e intelectivas do conhecimento. O
problema ao que ela de fato responde é da mudança das coisas que são
percebidas, ou seja, como constituir um conhecimento confiável das coisas se as
coisas mudam. Neste caso houve que se tratar de três problemas ai.
Em primeiro lugar,
explicar a mudança nas coisas, portanto, estabelecer uma ontologia ou uma
explicação de o que permanece quando há mudança – Aristóteles vai produzir a
solução para isto com as categorias e o conceito de distinção de substância e
acidentes. Em segundo lugar, tratar do tema dos sentidos – afinal são eles que
percebem a mudança. E, em terceiro lugar, tratar do tema intelectivo, pois
nesta condição a “base” do conhecimento se transfere das coisas para o
pensamento das coisas e suas formas – a solução mais conhecida foi a teoria das
idéias de Platão.
Criada e de certa forma
disseminada por Platão, boa parte dos intérpretes atribuem ela certa
influência decisiva da escola eleática, em especial, do Poema de Parmênides de Eléia, por conta da distinção
entre o engano com as aparências e o pensar o ser. A sua origem está,
entretanto, em Xenófanes (Frag. 34) que é o primeiro a apresentar algo sobre
doxa. E é bom darmos uma olhada nisto
mais de perto para começarmos a partir desta fonte clássica e irmos construindo
aqui um bom liame entre as acepções e nossos pensamentos:
“E ao certo nenhum
homem sabe coisa alguma nem há de saber algo sobre os deuses nem sobre o todo
de que [falo; pois se, na melhor das hipóteses, ocorresse-lhe dizer algo
perfeito, ele mesmo, no entanto, não saberia; opinião é o que se cria
sobre[tudo.”
Trad. Fernando Santoro,
in: Os filósofos épicos I: Xenófanes e Parmênides Fragmentos. Rio de Janeiro:
Fundação Biblioteca Nacional, Hexus Editora, 2011, p. 45.
Xenófanes está ai a
apontar para a facilidade de produzir opiniões sobre tudo e a dificuldade de
saber algo sobre os deuses ou com perfeição.
E a tradição posterior
a Platão tem usado ela basicamente para distinguir o conhecimento em sua máxima
perfeição como crença verdadeira justificada de opiniões oriundas de indivíduos
que não se dão ao trabalho de verificar ou que não são capazes de verificar a
veracidade das mesmas opiniões; tendo uma crença, mas não certa justificação ou
a veracidade da mesma – o que equivaleria aqui a almejada perfeição de
Xenófanes.
Neste sentido a
diferença conceitual vem derivada da diferença entre o ser e o não ser, mas
também entre os er que pode ser conhecido com certa perfeição e aqueles que não
o podem ser conhecidos assim, esta que é uma diferença de natureza lógica, mas
que sendo assim acaba por ser também considerada um diferença ontológica, pois
que haveria ai seres diversos ao alcance ou não do nosso conhecimento. Assim,
também ocorre que muitas ou na maior parte das vezes é usada também esta
distinção de forma epistemológica.
Quer dizer,
compreendemos a diferença que o conceito apresenta e aplicamos ela na esfera do dizer dos seres e das coisas
que conhecemos. Mas não é muito difícil compreender que de fato a distinção do
freezer de Parmênides de Eléia e a distinção do conhecer com perfeição de
Xenófanes tem uma finalidade atemporal e que ela vale mesmo para desembaraçar o
pensamento das sensações, ou seja, e permitir que se conheça alguma máxima
perfeição (Xenófanes) e um ser verdadeiro que é o único pensável (Parmênides).
Deste modo, precisamos compreender que há uma diferença de fundo ai que é
muitas vezes negligenciada entre o perceber o ser e o pensar o ser e que é
possível pensar o não-ser com toda a perfeição. O exemplo mais queridinho é o
do Unicórnio.
Porém, a definição de
conhecimento de Platão como crença verdadeira justificada não trata mesmo de
unicórnios e não me permite que conheça unicórnios
A abordagem de
Aristóteles em relação aos sentidos pode nos ajudar aqui. E este tema avançou
com ele, também, porque no método dele e também porque com certa análise do
discurso, podemos compreender melhor a diferença de doxa e espisteme e
introduzir graus de discurso e do conhecimento neste debate. Para promover
tanto a percepção de diferenças como contribuir para ajuizar as escolhas – no
sentido de operações do nosso pensamento, tenho usado uma distinção
praticamente canônica de Platão entre doxa e episteme, tenho agregado o termo
endoxa de Aristóteles, para ilustrar que nem toda opinião é ruim, prisioneira
ou cativa dos erros dos sentidos ou é exclusivamente inútil ao nosso
conhecimento.
Para o pessoal do
seminário temos usado textos sobre a diferença entre opinião e conhecimento do
professor Fabio Ribeiro Mendes, inseridos no seu Livro Iniciação Científica:
Para Jovens Pesquisadores, cujo texto á pagina 17, Ciência e opinião, praticamente reproduz a posição de
Platão de modo a gerar compreensão e distinção
básica entre discursos de ciência e discursos de opinião.
Assim, defendo o uso de
certa distinção entre três tipos de discurso: o discurso de opinião, o discurso
informativo e o discurso de conhecimento e tenho dito que há dentro destes,
também, distinções de grau quanto à qualidade – profundidade e precisão - do
conteúdo apresentado, sua forma e, ainda, quanto a sua relevância para
compreender a realidade, os pensamentos ou as idéias das pessoas que são
apresentadas em discursos diferenciados, sobre diversos assuntos. Compreendo,
também, que isso enfim é muito importante para nossas análises de discursos – e
introduzo em aula exemplos de diversos tipos de fontes de opinião, informação e
conhecimento
Por óbvio à nossa
observação final, é preciso se compreender que não se trata mais de um contexto
em que temos exclusivamente os discursos dos sofistas e dos filósofos, do
populacho na ágora e dos sábios. Que no mundo de hoje multiplicadas as mídias
passados já 500 anos da invenção da prensa de Gutenberg, da impressão de
livros, jornais, revistas, folhetos, panfletos, do rádio, da internet,
televisão e cinema, telefone e celular há uma multiplicidade de discursos que
permitem que se exercite o discernimento tanto de seu caráter como dos seus
graus de aprofundamento, precisão e rigor.
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