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terça-feira, 22 de julho de 2014

DA DISTINÇÃO ENTRE CIÊNCIA E OPINIÃO, INTRODUÇÃO DE UM TERTIO E SOBRE CERTA ANÁLISE DO DISCURSO E ALGUMAS DIFERENÇAS DE GRAU DE CONHECIMENTO: ANOTAÇÕES PARA AULAS E DISCUSSÃO

Veja-se para iniciar aqui algumas questões:

Como o pensamento percebe diferenças  e escolhe diferenças? Como surge o pensamento novo contra o pensamento dominante? - e – Qual a diferença entre opinião e ciência? E como o pensamento lida com esta diferença?

A distinção clássica entre dóxa e epistémê, opinião e ciência foi muito bem plantada na tradição filosófica e continua dando muitos frutos. Ela ultrapassou a condição inicial de ser determinada por algum tipo de nível de convicção para alçar-se a uma distinção que determina bases cognitivas e intelectivas do conhecimento. O problema ao que ela de fato responde é da mudança das coisas que são percebidas, ou seja, como constituir um conhecimento confiável das coisas se as coisas mudam. Neste caso houve que se tratar de três problemas ai.

Em primeiro lugar, explicar a mudança nas coisas, portanto, estabelecer uma ontologia ou uma explicação de o que permanece quando há mudança – Aristóteles vai produzir a solução para isto com as categorias e o conceito de distinção de substância e acidentes. Em segundo lugar, tratar do tema dos sentidos – afinal são eles que percebem a mudança. E, em terceiro lugar, tratar do tema intelectivo, pois nesta condição a “base” do conhecimento se transfere das coisas para o pensamento das coisas e suas formas – a solução mais conhecida foi a teoria das idéias de Platão.      

Criada e de certa forma disseminada  por Platão,  boa parte dos intérpretes atribuem ela certa influência decisiva da escola eleática, em especial, do Poema de  Parmênides de Eléia, por conta da distinção entre o engano com as aparências e o pensar o ser. A sua origem está, entretanto, em Xenófanes (Frag. 34) que é o primeiro a apresentar algo sobre doxa. E  é bom darmos uma olhada nisto mais de perto para começarmos a partir desta fonte clássica e irmos construindo aqui um bom liame entre as acepções e nossos pensamentos:

“E ao certo nenhum homem sabe coisa alguma nem há de saber algo sobre os deuses nem sobre o todo de que [falo; pois se, na melhor das hipóteses, ocorresse-lhe dizer algo perfeito, ele mesmo, no entanto, não saberia; opinião é o que se cria sobre[tudo.”
Trad. Fernando Santoro, in: Os filósofos épicos I: Xenófanes e Parmênides Fragmentos. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Hexus Editora, 2011, p. 45.

Xenófanes está ai a apontar para a facilidade de produzir opiniões sobre tudo e a dificuldade de saber algo sobre os deuses ou com perfeição.

E a tradição posterior a Platão tem usado ela basicamente para distinguir o conhecimento em sua máxima perfeição como crença verdadeira justificada de opiniões oriundas de indivíduos que não se dão ao trabalho de verificar ou que não são capazes de verificar a veracidade das mesmas opiniões; tendo uma crença, mas não certa justificação ou a veracidade da mesma – o que equivaleria aqui a almejada perfeição de Xenófanes.

Neste sentido a diferença conceitual vem derivada da diferença entre o ser e o não ser, mas também entre os er que pode ser conhecido com certa perfeição e aqueles que não o podem ser conhecidos assim, esta que é uma diferença de natureza lógica, mas que sendo assim acaba por ser também considerada um diferença ontológica, pois que haveria ai seres diversos ao alcance ou não do nosso conhecimento. Assim, também ocorre que muitas ou na maior parte das vezes é usada também esta distinção de forma epistemológica.

Quer dizer, compreendemos a diferença que o conceito apresenta e aplicamos  ela na esfera do dizer dos seres e das coisas que conhecemos. Mas não é muito difícil compreender que de fato a distinção do freezer de Parmênides de Eléia e a distinção do conhecer com perfeição de Xenófanes tem uma finalidade atemporal e que ela vale mesmo para desembaraçar o pensamento das sensações, ou seja, e permitir que se conheça alguma máxima perfeição (Xenófanes) e um ser verdadeiro que é o único pensável (Parmênides). Deste modo, precisamos compreender que há uma diferença de fundo ai que é muitas vezes negligenciada entre o perceber o ser e o pensar o ser e que é possível pensar o não-ser com toda a perfeição. O exemplo mais queridinho é o do Unicórnio.

Porém, a definição de conhecimento de Platão como crença verdadeira justificada não trata mesmo de unicórnios e não me permite que conheça unicórnios

A abordagem de Aristóteles em relação aos sentidos pode nos ajudar aqui. E este tema avançou com ele, também, porque no método dele e também porque com certa análise do discurso, podemos compreender melhor a diferença de doxa e espisteme e introduzir graus de discurso e do conhecimento neste debate. Para promover tanto a percepção de diferenças como contribuir para ajuizar as escolhas – no sentido de operações do nosso pensamento, tenho usado uma distinção praticamente canônica de Platão entre doxa e episteme, tenho agregado o termo endoxa de Aristóteles, para ilustrar que nem toda opinião é ruim, prisioneira ou cativa dos erros dos sentidos ou é exclusivamente inútil ao nosso conhecimento.

Para o pessoal do seminário temos usado textos sobre a diferença entre opinião e conhecimento do professor Fabio Ribeiro Mendes, inseridos no seu Livro Iniciação Científica: Para Jovens Pesquisadores, cujo texto á pagina 17, Ciência  e opinião, praticamente reproduz a posição de Platão de modo a gerar compreensão e distinção  básica entre discursos de ciência e discursos de opinião.

Assim, defendo o uso de certa distinção entre três tipos de discurso: o discurso de opinião, o discurso informativo e o discurso de conhecimento e tenho dito que há dentro destes, também, distinções de grau quanto à qualidade – profundidade e precisão - do conteúdo apresentado, sua forma e, ainda, quanto a sua relevância para compreender a realidade, os pensamentos ou as idéias das pessoas que são apresentadas em discursos diferenciados, sobre diversos assuntos. Compreendo, também, que isso enfim é muito importante para nossas análises de discursos – e introduzo em aula exemplos de diversos tipos de fontes de opinião, informação e conhecimento

Por óbvio à nossa observação final, é preciso se compreender que não se trata mais de um contexto em que temos exclusivamente os discursos dos sofistas e dos filósofos, do populacho na ágora e dos sábios. Que no mundo de hoje multiplicadas as mídias passados já 500 anos da invenção da prensa de Gutenberg, da impressão de livros, jornais, revistas, folhetos, panfletos, do rádio, da internet, televisão e cinema, telefone e celular há uma multiplicidade de discursos que permitem que se exercite o discernimento tanto de seu caráter como dos seus graus de aprofundamento, precisão e rigor.


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