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sexta-feira, 11 de julho de 2014

SOBRE AS PERGUNTAS – AOS MEUS ALUNOS E ALUNAS DE FILOSOFIA

“Pensar é resistir.” Michel Foucault

"Eu achei incrível que fazer perguntas pode ser uma profissão."

Barbara Cassin – Entrevista à ELLE

"Acredito que a única maneira clara de definir o objeto da filosofia é dizer que ela se ocupa de todos os resíduos, de todos os problemas que ficam ainda insolúveis, após experimentar todos os métodos aprovados anteriormente. Ela é o depositário de tudo o que foi abandonado por todas as ciências, em que se encontra tudo o que não se sabe como resolver."

John Langshaw Austin - Colóquio de Royaumont – 1958

Esta semana foi repleta de provocações na direção do restabelecimento desta premissa de que filosofar é perguntar ou é tratar de problemas cujas respostas não estão prontas ou definitivas, como uma espécie de premissa fundamental para o filosofar, o inicio do filosofar e a sua importância para a prática do ensino de filosofia e, também, para uma certa forma de viver e de se ocupar, pensar e refletir nesta vida.

No ano passado eu tratei disto falando da dificuldade de provocar um estalo filosófico nos alunos, haja visto que cada um deles tem per si um tempo certo e próprio para o filosofar. E que isso ainda depende de certo encontro de cada um com a filosofia que depende mais deles do que de um professor ou professora.

Apesar de aceitar a posição de Gramsci de que “todos são filósofos” de forma condicionada, posto que isso é uma espécie de verdade virtual. De que ser filósofo ou filosofar é uma das virtualidades do ser humano. Em termos Aristotélicos, é uma potência que pode a vir a ser ato, mas que não necessariamente se atualiza no tempo. Ou seja, que pode nunca se atualizar. Em palavras simples a capacidade de produzir perguntas pode não avançar muito ou se contentar com respostas rápidas, expeditivas ou provisórias.

Kant dizia expressamente que não se ensina filosofia, mas sim a filosofar, por conta do fato de que fazer filosofia não é tomar um conteúdo, produzir um conteúdo, mas sim um movimento do pensamento e uma certa forma do pensamento cujo poder reflexionante ou do nosso juízo exibe algo fundamental, que tem sentido e nos dá consciência.

Já Sócrates, talvez o pai desta perspectiva problemática na filosofia dizia, em especial nas palavras registradas por Platão na Apologia de Sócrates, que “uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida” ao que eu interpretava que cabe aqui dizer que esta vida que não vale a pena é uma vida sem perguntas, sem questões, sem problemas e sem um pensamento que nos leva a conseqüências, ainda que possam ser problemáticas, desafiadoras, críticas, anti-convencionais ou excêntricas não vale a pena ser vivida.

Então, o nosso tema aqui é o filosofar não como um conjunto de respostas, mas sim como uma ação de perguntar, refletir e não fechar as questões. Afinal, vivemos disso e com isto lidamos.   

Na terça-feira, assistindo a um filme, pela manhã um senhor idoso caminha com seu neto em um passeio em sua Dacha – casa de campo – mostra a ele os esquilos, alimento os esquilos com o neto e é indagado a todo momento pelo neto com “porque isso”  e “porque aquilo”. Exclama então com sua filha ao lado que o neto é de fato um judeu, pois faz perguntas sobre todas as coisas olha para o menino em perfil, observa o nariz bem desenhado do neto e fica pensando. Trata-se de uma pequena passagem do filme Stalin e poderia parecer que só judeus perguntam sobre todas as coisas, mas todos nós sabemos que não é o caso e que de fato todas as crianças quando saudáveis, boa disposição e em momentos de segurança perguntam sobre todas as coisas. É um impulso da nossa curiosidade mais elementar e que estimulado, prossegue até nossa vida adulta e que pode ser até uma profissão – como diz Barbara acima.

Na quarta-feira à tarde, após uma aula em que exponho um conjunto de explicações sobre determinado fenômeno. Sopeso razões argumento e boto em choque idéias opostas sobre um mesmo evento dá o sinal, é hora do recreio, da merenda e me preparo para seguir à sala dos professores, um aluno vem me perguntar como eu consigo ou como aprendi a falara daquela forma eu só respondo que foi uma prática que combina experiência, estudo e repetição, mas que o principal era refletir ao fazer isto. Fico pensando que deveria ter feito uma dose mais suave na exposição e confesso mesmo que este tipo de aula mais expositiva e dissertativa não é mais realizada com tanta freqüência. Mas, em seguida, uma aluna me toca o ombro, olha nos meus olhos e da forma mais afetuosa e singela me diz: vou estudar mais, quero ser professora de filosofia. E eu fico pensando sobre minha medida de contribuição nisso, mas em minha mente relativizo, pois sei que não se trata de mim, de minhas aulas ou de minha virtude, mas sim de um modo de ser da aluna em que perguntar, se interrogar, refletir, discordar de si mesma sobre isto ou aquilo, aborrecer-se, criticar e avaliar certas imperfeições, repetir juízos e reformular pensamentos já é de seu hábito, já é de sua ação cotidiana, em resumo, fazer perguntas.

Na quinta-feira à noite, dando continuidade às aulas de orientação aos alunos de filosofia da turma 3N1, fui recebido em aula com afabilidades e saudações de um aluno que dizia que lia minhas postagens e o que eu escrevia e que gostava muito de refletir sobre minhas posições, nem sempre concordando e quando eu ia perguntar exatamente em que sentido ele divergia outra aluna me deu de presente um daqueles momentos de extremo afeto entre alunos e professores que fazem a gente entender que algo está dando certo e que faz sentido esta atividade. Ela ficou brincando comigo e fazendo pose para o colega dizendo que ele não precisa sentir ciúmes e tal. Uma brincadeira que eu sei que as meninas  só fazem quando estão muito seguras em relação a amizade do professor o que eu sempre aprendo a entender e me estimula a tratar cada vez mais da questão da mulher na filosofia. Cujas perguntas sempre possuem muitas doses de afeto e de sentido.  Eu fiquei, então, tocado e me senti muito bem.

Dando em seguida inicio à aula citei a passagem de Barbara acima, anotando que ela era uma certa pesquisadora francesa que deu atenção a algo não muito valorizado em certo tempo e que tratava de algo que é pouco tratado de uma forma mais positiva que é a escola sofista que justamente é antecessora de Sócrates e que injustamente é tratada como uma espécie de saco de pancadas da filosofia.

Meu propósito na aula era tratar de como transformar as perguntas iniciais que eles formularam em temas de pesquisa e como eles poderiam seguir adiante no trabalho de investigação de forma mais produtiva sobre algo que lhes interessa realmente e que lhes faz sentido.

Isto de orientar eles aos interesses de conhecimento deles foi a opção e reorientação que tomei devido a necessidade de dar uma guinada nas aulas de filosofia em direção aos interesses deles e começar a incentivar eles a tratarem dos interesses deles com um olhar mais filosófico.  

Já nesta sexta–feira pela manhã, dei continuidade a abordagem com a turma 3M2 e em meio à explanação, abri as interrogações sobre nossa juventude e pude diferenciar melhor a questão de saber que tipo de interrogações nos permitem um debate mais filosófico e que tipo de questões nos abrem para uma abordagem mais cientifica. O exemplo surgiu na pergunta de uma aluna sobre dois interesses dela que concorriam na sua definição de pesquisa: de um lado, uma pesquisa sobre plantas tóxicas e ervas medicinais e, de outro lado, a curiosidade dela em relação ao tema do feminismo.

Nisso apontei para o fato de que no tema do feminismo ou da questão da mulher temos questões abertas e não resolvidas ainda a discutir e que quanto as ervas medicinais ou plantas tóxicas já haveria de certa forma um conjunto de conhecimentos científicos e razoavelmente fechados cientificamente

Me coloquei, então, depois em outra aula em meio às redações dos alunos dos segundos anos sobre as questões da Primeira Meditação de Descartes e o Racionalismo, sobre a função do argumento do sonho na economia da dúvida, depois a rabiscar sobre este tema da definição ou discernimento dos tipos de perguntas, questões e interrogações que levam ao que é mais filosófico em uma outra formulação e também quanto à natureza diversa destas questões.

Em sala de aula lembrei aos alunos que nós fazemos perguntas na nossa adolescência sobre diversas coisas, assuntos e temas. Perguntamos sobre como vamos ser felizes, porque as coisas são assim, como as coisas mudam, o que é o amor,  se deixamos ou não de amar uma pessoa, porque as pessoas desaparecem, porque as coisas não são como nós pensávamos que eram até certo tempo, no que vamos nos ocupar uma vida inteira, que caminhos escolher, para onde devo seguir, o que devo fazer agora e etc..

Alguns jovens aceitam certas respostas e continuam tocando a vida com certas respostas provisórias ou até deixam para lá algumas destas questões. Eu mesmo lembro mais de certas questões do que de outras que me ocupavam bastante na juventude. Algumas destas questões me acompanham ainda. Outras foram reformuladas e mesmo as respostas que eu tinha dado para elas mudaram em alguns aspectos. Apontei isto para os alunos da manhã e continuei pensando sobre isto.

Cheguei a conclusão que todos nós de alguma forma passamos a vida toda nos auto-questionando. Alguns com mais tranqüilidade e outros ficam mais inseguros com certas questões e, então, apressam uma resposta provisória para cada uma delas para continuar tocando a vida.

Mostrei para os alunos também que apesar de algumas destas perguntas e suas respostas não serem consideradas tão filosóficas assim, elas são, entretanto, com certeza, existenciais, posto que tratam de nossas escolhas de vida, de nossos interesses, das coisas que nos ocupam e nos tocam, nos afetam e nos provocam a pensar, de nossa forma de lidar com impasses, dificuldades e desafios e ganham mais importância ainda quando nos damos conta de que estas perguntas sobre diversos assuntos com os quais nos defrontamos, passam a ser constitutivas, através das respostas ou das dúvidas que mantemos sobre elas, do nosso próprio ser, do nosso modo de ser, do nosso modo de viver e de nos relacionarmos com os demais seres humanos, com as coisas e com o mundo em que vivemos.
Assim, fica claro que as perguntas que produzimos, formulamos ou mesmo apenas esboçamos uma resposta na nossa juventude vão constituindo o nosso ser.
Então, aprender a fazer perguntas...
Procurar respostas, encontrar respostas, mas continuar refletindo ou perguntando à procura sempre de respostas melhores, também acaba constituindo nosso modo de ser e nosso filosofar.   

Lembro que há aproximadamente um mês atrás – numa aula também de sexta-feira pela manhã - alunos do segundo ano me provocaram a discutir o tema de que a filosofia trata mesmo é de questões fundamentais, um pouco depois fui relatar aqui o que segue:

FILOSOFIA E QUESTÕES FUNDAMENTAIS (13 de junho de 2014)

Dois alunos apresentaram na arrancada da aula de hoje duas questões. A primeira era se eu podia responder: O que é uma filosofia de vida? A segunda: Qual a utilidade da filosofia? Fiquei pensando e adotei a estratégia - que ao meu ver  é clássica ou standard em filosofia - que é buscar uma questão mais fundamental. Mas o que é a filosofia? Pois somente a partir de uma resposta sobre esta questão poderíamos responder as duas sobre a sua utilidade ou sua relação com a nossa vida. Pois, a conclusão ficou bem simples e precisa. Filosofia ou filosofar é buscar perguntar ou responder respostas de qualquer forma buscando questões mais fundamentais que nos auxiliem a compreender as mesmas. E o recurso a pergunta o que é filosofia nos mostrou que uma "filosofia da vida" deveria interrogar sobre o sentido da vida e ira para além da mera busca de prazer ou de alguma utilidade. Sendo a utilidade da filosofia medida talvez pela sua possibilidade de nos pautar questões mais fundamentais e nos tocar de sua importância para a nossa vida ou nossa existência. (...) Se encontrou uma bela caracterização e problematização da matéria através do recurso a questões mais fundamentais onde todos participaram e ficaram atentos ao debate e à discussão e outras conseqüências tiradas sobre nossa vida.

Vou terminar este texto explicando porque, enfim, de alguma forma eu entendo que estudar filosofia, aprender a filosofar, refletir filosoficamente e  tentar um encontro com a verdade em meio a algumas questões que não conseguimos responder apesar das dificuldades que elas nos apresentam vistas de forma crua, sem nenhum apoio a não ser a nossa própria reflexão deveria nos levar a ler os filósofos e filosofas que antes de nós ou mesmo no presente ainda tentam encontrar respostas e continuam fazendo perguntas, reformulando perguntas e revendo suas próprias respostas.

Isto responde a pergunta singela: porque ler filósofos e filósofas? Basicamente porque esta também é uma forma de levar a sério as nossas próprias perguntas indo ver em outros que se dedicaram a estas questões como eles perguntaram e como eles responderam ás mesmas questões ou questões semelhantes. Assim, o filosofar passa por fazer perguntas, mas algumas perguntas possuem já, uma longa história. Não são invenções nossas, criações dos nossos gênios juvenis e de nossos talentos, não somos nós os únicos a pensar nestas coisas. Boa parte delas não fomos os primeiros a fazer e a tecer considerações ou a encontrar dúvidas. E não seremos nem mesmo os últimos a respondê-las, apesar das elevadas ambições das nossas inteligências e vontades.

Algumas perguntas são mais fundamentais ou radicais e outras mais singelas e simples, mas não podemos nos enganar com as aparências, temos que olhar para elas com mais cuidado sempre e não esquecê-las, ou lembrá-las em alguns momentos para ver se as respostas que um dia damos a estas questões ainda dão conta dos problemas que ela apresentam, se nada mudou e se o tempo que passou não nos deu mais informações e informações diferentes do que aquelas que nós dispúnhamos para respondê-las a muito, pouco ou instantes atrás.

Assim, precisamos continuar a aprender a perguntar e a aprender a não fechar em definitivo certas questões em respeito também à nossa capacidade de reflexão, ao nosso tempo e à nossa própria vida e aos demais que também pensam, fazem perguntas e procuram respostas como nós.            


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