“Pensar é resistir.” Michel Foucault
"Eu achei incrível que fazer
perguntas pode ser uma profissão."
Barbara Cassin – Entrevista à
ELLE
"Acredito que a única
maneira clara de definir o objeto da filosofia é dizer que ela se ocupa de
todos os resíduos, de todos os problemas que ficam ainda insolúveis, após
experimentar todos os métodos aprovados anteriormente. Ela é o depositário de
tudo o que foi abandonado por todas as ciências, em que se encontra tudo o que
não se sabe como resolver."
John Langshaw Austin - Colóquio de Royaumont –
1958
Esta semana foi repleta de
provocações na direção do restabelecimento desta premissa de que filosofar é
perguntar ou é tratar de problemas cujas respostas não estão prontas ou
definitivas, como uma espécie de premissa fundamental para o filosofar, o
inicio do filosofar e a sua importância para a prática do ensino de filosofia e,
também, para uma certa forma de viver e de se ocupar, pensar e refletir nesta
vida.
No ano passado eu tratei disto
falando da dificuldade de provocar um estalo filosófico nos alunos, haja visto
que cada um deles tem per si um tempo certo e próprio para o filosofar. E que
isso ainda depende de certo encontro de cada um com a filosofia que depende mais
deles do que de um professor ou professora.
Apesar de aceitar a posição de
Gramsci de que “todos são filósofos” de forma condicionada, posto que isso é
uma espécie de verdade virtual. De que ser filósofo ou filosofar é uma das
virtualidades do ser humano. Em termos Aristotélicos, é uma potência que pode a
vir a ser ato, mas que não necessariamente se atualiza no tempo. Ou seja, que
pode nunca se atualizar. Em palavras simples a capacidade de produzir perguntas
pode não avançar muito ou se contentar com respostas rápidas, expeditivas ou provisórias.
Kant dizia expressamente que não
se ensina filosofia, mas sim a filosofar, por conta do fato de que fazer
filosofia não é tomar um conteúdo, produzir um conteúdo, mas sim um movimento
do pensamento e uma certa forma do pensamento cujo poder reflexionante ou do
nosso juízo exibe algo fundamental, que tem sentido e nos dá consciência.
Já Sócrates, talvez o pai desta perspectiva
problemática na filosofia dizia, em especial nas palavras registradas por
Platão na Apologia de Sócrates, que “uma vida sem reflexão não vale a pena ser
vivida” ao que eu interpretava que cabe aqui dizer que esta vida que não vale a
pena é uma vida sem perguntas, sem questões, sem problemas e sem um pensamento
que nos leva a conseqüências, ainda que possam ser problemáticas, desafiadoras,
críticas, anti-convencionais ou excêntricas não vale a pena ser vivida.
Então, o nosso tema aqui é o
filosofar não como um conjunto de respostas, mas sim como uma ação de
perguntar, refletir e não fechar as questões. Afinal, vivemos disso e com isto
lidamos.
Na terça-feira, assistindo a um
filme, pela manhã um senhor idoso caminha com seu neto em um passeio em sua Dacha
– casa de campo – mostra a ele os esquilos, alimento os esquilos com o neto e é
indagado a todo momento pelo neto com “porque isso” e “porque aquilo”. Exclama então com sua filha
ao lado que o neto é de fato um judeu, pois faz perguntas sobre todas as coisas
olha para o menino em perfil, observa o nariz bem desenhado do neto e fica
pensando. Trata-se de uma pequena passagem do filme Stalin e poderia parecer
que só judeus perguntam sobre todas as coisas, mas todos nós sabemos que não é
o caso e que de fato todas as crianças quando saudáveis, boa disposição e em
momentos de segurança perguntam sobre todas as coisas. É um impulso da nossa
curiosidade mais elementar e que estimulado, prossegue até nossa vida adulta e
que pode ser até uma profissão – como diz Barbara acima.
Na quarta-feira à tarde, após uma
aula em que exponho um conjunto de explicações sobre determinado fenômeno.
Sopeso razões argumento e boto em choque idéias opostas sobre um mesmo evento
dá o sinal, é hora do recreio, da merenda e me preparo para seguir à sala dos
professores, um aluno vem me perguntar como eu consigo ou como aprendi a falara
daquela forma eu só respondo que foi uma prática que combina experiência,
estudo e repetição, mas que o principal era refletir ao fazer isto. Fico
pensando que deveria ter feito uma dose mais suave na exposição e confesso
mesmo que este tipo de aula mais expositiva e dissertativa não é mais realizada
com tanta freqüência. Mas, em seguida, uma aluna me toca o ombro, olha nos meus
olhos e da forma mais afetuosa e singela me diz: vou estudar mais, quero ser
professora de filosofia. E eu fico pensando sobre minha medida de contribuição
nisso, mas em minha mente relativizo, pois sei que não se trata de mim, de
minhas aulas ou de minha virtude, mas sim de um modo de ser da aluna em que perguntar,
se interrogar, refletir, discordar de si mesma sobre isto ou aquilo,
aborrecer-se, criticar e avaliar certas imperfeições, repetir juízos e
reformular pensamentos já é de seu hábito, já é de sua ação cotidiana, em resumo,
fazer perguntas.
Na quinta-feira à noite, dando continuidade
às aulas de orientação aos alunos de filosofia da turma 3N1, fui recebido em
aula com afabilidades e saudações de um aluno que dizia que lia minhas
postagens e o que eu escrevia e que gostava muito de refletir sobre minhas
posições, nem sempre concordando e quando eu ia perguntar exatamente em que
sentido ele divergia outra aluna me deu de presente um daqueles momentos de
extremo afeto entre alunos e professores que fazem a gente entender que algo
está dando certo e que faz sentido esta atividade. Ela ficou brincando comigo e
fazendo pose para o colega dizendo que ele não precisa sentir ciúmes e tal. Uma
brincadeira que eu sei que as meninas só
fazem quando estão muito seguras em relação a amizade do professor o que eu
sempre aprendo a entender e me estimula a tratar cada vez mais da questão da
mulher na filosofia. Cujas perguntas sempre possuem muitas doses de afeto e de sentido.
Eu fiquei, então, tocado e me senti
muito bem.
Dando em seguida inicio à aula citei
a passagem de Barbara acima, anotando que ela era uma certa pesquisadora
francesa que deu atenção a algo não muito valorizado em certo tempo e que
tratava de algo que é pouco tratado de uma forma mais positiva que é a escola
sofista que justamente é antecessora de Sócrates e que injustamente é tratada
como uma espécie de saco de pancadas da filosofia.
Meu propósito na aula era tratar
de como transformar as perguntas iniciais que eles formularam em temas de pesquisa
e como eles poderiam seguir adiante no trabalho de investigação de forma mais
produtiva sobre algo que lhes interessa realmente e que lhes faz sentido.
Isto de orientar eles aos
interesses de conhecimento deles foi a opção e reorientação que tomei devido a
necessidade de dar uma guinada nas aulas de filosofia em direção aos interesses
deles e começar a incentivar eles a tratarem dos interesses deles com um olhar
mais filosófico.
Já nesta sexta–feira pela manhã,
dei continuidade a abordagem com a turma 3M2 e em meio à explanação, abri as
interrogações sobre nossa juventude e pude diferenciar melhor a questão de
saber que tipo de interrogações nos permitem um debate mais filosófico e que
tipo de questões nos abrem para uma abordagem mais cientifica. O exemplo surgiu
na pergunta de uma aluna sobre dois interesses dela que concorriam na sua
definição de pesquisa: de um lado, uma pesquisa sobre plantas tóxicas e ervas
medicinais e, de outro lado, a curiosidade dela em relação ao tema do feminismo.
Nisso apontei para o fato de que
no tema do feminismo ou da questão da mulher temos questões abertas e não
resolvidas ainda a discutir e que quanto as ervas medicinais ou plantas tóxicas
já haveria de certa forma um conjunto de conhecimentos científicos e
razoavelmente fechados cientificamente
Me coloquei, então, depois em
outra aula em meio às redações dos alunos dos segundos anos sobre as questões
da Primeira Meditação de Descartes e o Racionalismo, sobre a função do argumento
do sonho na economia da dúvida, depois a rabiscar sobre este tema da definição
ou discernimento dos tipos de perguntas, questões e interrogações que levam ao
que é mais filosófico em uma outra formulação e também quanto à natureza diversa
destas questões.
Em sala de aula lembrei aos
alunos que nós fazemos perguntas na nossa adolescência sobre diversas coisas,
assuntos e temas. Perguntamos sobre como vamos ser felizes, porque as coisas
são assim, como as coisas mudam, o que é o amor, se deixamos ou não de amar uma pessoa, porque
as pessoas desaparecem, porque as coisas não são como nós pensávamos que eram até
certo tempo, no que vamos nos ocupar uma vida inteira, que caminhos escolher,
para onde devo seguir, o que devo fazer agora e etc..
Alguns jovens aceitam certas
respostas e continuam tocando a vida com certas respostas provisórias ou até
deixam para lá algumas destas questões. Eu mesmo lembro mais de certas questões
do que de outras que me ocupavam bastante na juventude. Algumas destas questões
me acompanham ainda. Outras foram reformuladas e mesmo as respostas que eu
tinha dado para elas mudaram em alguns aspectos. Apontei isto para os alunos da
manhã e continuei pensando sobre isto.
Cheguei a conclusão que todos nós
de alguma forma passamos a vida toda nos auto-questionando. Alguns com mais tranqüilidade
e outros ficam mais inseguros com certas questões e, então, apressam uma
resposta provisória para cada uma delas para continuar tocando a vida.
Mostrei para os alunos também que
apesar de algumas destas perguntas e suas respostas não serem consideradas tão
filosóficas assim, elas são, entretanto, com certeza, existenciais, posto que
tratam de nossas escolhas de vida, de nossos interesses, das coisas que nos
ocupam e nos tocam, nos afetam e nos provocam a pensar, de nossa forma de lidar
com impasses, dificuldades e desafios e ganham mais importância ainda quando
nos damos conta de que estas perguntas sobre diversos assuntos com os quais nos
defrontamos, passam a ser constitutivas, através das respostas ou das dúvidas
que mantemos sobre elas, do nosso próprio ser, do nosso modo de ser, do nosso
modo de viver e de nos relacionarmos com os demais seres humanos, com as coisas
e com o mundo em que vivemos.
Assim, fica claro que as
perguntas que produzimos, formulamos ou mesmo apenas esboçamos uma resposta na
nossa juventude vão constituindo o nosso ser.
Então, aprender a fazer
perguntas...
Procurar respostas, encontrar
respostas, mas continuar refletindo ou perguntando à procura sempre de respostas
melhores, também acaba constituindo nosso modo de ser e nosso filosofar.
Lembro que há aproximadamente um mês
atrás – numa aula também de sexta-feira pela manhã - alunos do segundo ano me
provocaram a discutir o tema de que a filosofia trata mesmo é de questões
fundamentais, um pouco depois fui relatar aqui o que segue:
FILOSOFIA E QUESTÕES FUNDAMENTAIS
(13 de junho de 2014)
Dois alunos apresentaram na
arrancada da aula de hoje duas questões. A primeira era se eu podia responder:
O que é uma filosofia de vida? A segunda: Qual a utilidade da filosofia? Fiquei
pensando e adotei a estratégia - que ao meu ver
é clássica ou standard em filosofia - que é buscar uma questão mais
fundamental. Mas o que é a filosofia? Pois somente a partir de uma resposta
sobre esta questão poderíamos responder as duas sobre a sua utilidade ou sua
relação com a nossa vida. Pois, a conclusão ficou bem simples e precisa.
Filosofia ou filosofar é buscar perguntar ou responder respostas de qualquer
forma buscando questões mais fundamentais que nos auxiliem a compreender as
mesmas. E o recurso a pergunta o que é filosofia nos mostrou que uma
"filosofia da vida" deveria interrogar sobre o sentido da vida e ira
para além da mera busca de prazer ou de alguma utilidade. Sendo a utilidade da
filosofia medida talvez pela sua possibilidade de nos pautar questões mais
fundamentais e nos tocar de sua importância para a nossa vida ou nossa
existência. (...) Se encontrou uma bela caracterização e problematização da
matéria através do recurso a questões mais fundamentais onde todos participaram
e ficaram atentos ao debate e à discussão e outras conseqüências tiradas sobre
nossa vida.
Vou terminar este texto
explicando porque, enfim, de alguma forma eu entendo que estudar filosofia,
aprender a filosofar, refletir filosoficamente e tentar um encontro com a verdade em meio a
algumas questões que não conseguimos responder apesar das dificuldades que elas
nos apresentam vistas de forma crua, sem nenhum apoio a não ser a nossa própria
reflexão deveria nos levar a ler os filósofos e filosofas que antes de nós ou
mesmo no presente ainda tentam encontrar respostas e continuam fazendo
perguntas, reformulando perguntas e revendo suas próprias respostas.
Isto responde a pergunta singela:
porque ler filósofos e filósofas? Basicamente porque esta também é uma forma de
levar a sério as nossas próprias perguntas indo ver em outros que se dedicaram
a estas questões como eles perguntaram e como eles responderam ás mesmas
questões ou questões semelhantes. Assim, o filosofar passa por fazer perguntas,
mas algumas perguntas possuem já, uma longa história. Não são invenções nossas,
criações dos nossos gênios juvenis e de nossos talentos, não somos nós os
únicos a pensar nestas coisas. Boa parte delas não fomos os primeiros a fazer e
a tecer considerações ou a encontrar dúvidas. E não seremos nem mesmo os últimos
a respondê-las, apesar das elevadas ambições das nossas inteligências e
vontades.
Algumas perguntas são mais
fundamentais ou radicais e outras mais singelas e simples, mas não podemos nos
enganar com as aparências, temos que olhar para elas com mais cuidado sempre e
não esquecê-las, ou lembrá-las em alguns momentos para ver se as respostas que
um dia damos a estas questões ainda dão conta dos problemas que ela apresentam,
se nada mudou e se o tempo que passou não nos deu mais informações e
informações diferentes do que aquelas que nós dispúnhamos para respondê-las a
muito, pouco ou instantes atrás.
Assim, precisamos continuar a
aprender a perguntar e a aprender a não fechar em definitivo certas questões em
respeito também à nossa capacidade de reflexão, ao nosso tempo e à nossa própria
vida e aos demais que também pensam, fazem perguntas e procuram respostas como
nós.
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