Meu amigo
Nilson Nunes me postou uma matéria do Correio do Povo e acabou me lisongeando demais
ao dizer que sou um daqueles que mais escreve sobre isto – educação mercado,
vis a vis - aqui no facebook. Já andava meio invocado neste tema por conta
daquela entrevista do Gerdau dizendo como a educação deveria ser que eu li na
revista Pátio ( que citei no artigo sobre OS PITACOS NA EDUCAÇÃO ANTES).
Tal entrevista me fez retomar o desfio entre a determinação
política da esfera econômica que para alguns é mera utopia, mas que para mim é
a única forma de realizar justiça social e garantir igualdade com liberdade nas
sociedades capitalistas. Penso com o mesmo viés de Habermas aqui: um sistema
econômico capitalista precisa ser "domado" com meios democráticos. E
isso significa que não é o mercado ou um “sistema econômico capitalista” que deve dizer como a educação
deve ser, mas sim a democracia.
Bem dando uma
pesquisada básica, descobri algo sobre esta matéria do Correio do Povo: Ensino
do Futuro: foco em emprego e carreira .
Para começar ela
saiu primeiro e em sua maior inteireza no site da BBC, de 9 de junho de 2014,
por Alessandra Correa, com o título: Universidade do futuro deve ter foco em
emprego, dizem estudantes brasileiros , portanto, é um release de divulgação e
de reprodução – não seria melhor reapresentação - de uma ideia bem senso
comum que faz muito tempo que habita a
cabeça dos jovens brasileiros focados no mercado de trabalho competitivo e
curvados pela lógica da empregabilidade. A matéria cuja fonte primeira é a
supracitada traz para nós sérias reflexões sobre o tema em geral, suas
proposições basilares e este método maravilhoso de definição do que interessa
para o mercado, os jovens e as escolas, nesta ordem, off course.
Eu estou lendo
esta matéria com mais atenção ainda porque vejo uma bela discussão sobre esta
recorrente intervenção do mercado na educação, seus limites, propostas e
características e penso que deveria haver maior detalhamento e que o título no
Correio do Povo – Ensino do Futuro: foco em emprego e carreira - mostra bem o que é o tipo de conclusão
induzida pelas premissas eleitas da instituição que encomenda e a que realiza a
pesquisa: empregabilidade e mercado, ou seja, que a pesquisa foi feita para
encontrar o que interessa para esta instituição. Isso cansa a minha beleza e
boniteza amigo, porque trabalha já a
partir de uma perspectiva indutora e interessada e é a típica pesquisa que não
descobre nada somente colhe o que foi plantado por um certo discurso
legitimador nestas instituições privadas e nestes cursos privados. E este é somente mais um exemplo de
apresentação do que me interessa para legitimar o que proponho para a educação.
O jornalismo que publica isto assim
também me gera outras reflexões. Bem, vamos por partes.
Primeiramente,
isso está levando água para o moinho do que é dito "liberal" ou do
mercado, porém é preciso considerar que há algo mais ai. Ao contrário, o que no
fundo se apresenta ai tem um caráter que é profundamente conservador e não
inovador.
Há e sempre
houve uma grande disputa ideológica sobre a forma, objetivos e métodos da
educação. Nos anos 90 isso era chamado de Neoliberalismo e tratava-se com certa
urgência de subordinar de fato a
educação às lógicas do mercado, em amplos sentidos o que incluía privatizar a
educação o que no Brasil só não foi
possível, no grande surto de neoliberalismo dos governos Collor, “no mitigado
governo de coalizão do Itamar” e FHC,
porque na Constituinte de 1986 a 1988 havia, após razoável batalha
ideológica no congresso nacional, sido
inscrito e bem inscrito com todas as letras na carta magna o direito a educação
pública e gratuita para todos os cidadãos.
E é bom que se diga que o fechamento das escolas técnicas federais e a
lei que proibia no governo FHC a ampliação das escolas técnicas procurava
satisfazer este mesmo critério de que o mercado – no caso o sistema S – deveria
determinar qual que é o foco da educação que deve ser dado aos jovens, no caso
nas faixas etárias e nas idades do ensino médio. O que foi radicalmente
alterado no governo Lula que revoga a lei de FHC e retoma a implementação e
ampliação da rede nacional de escolas técnicas federais, os CEFETS com cursos
novos e para todo o Brasil. Entre 2003 e 2010 foram construídas 214 novas
escolas. Sendo que até 2002 a rede possuía 140 que iam sendo aos poucos
descaracterizadas e se desvinculando do ensino médio e se vinculando ao mercado. Já no Governo Dilma em 2014 a conta está fechando em 563 novas escolas técnicas implantadas de 2003 até hoje.
A frase do falecido Ministro da Educação de FHC, Paulo Renato de Souza esconde
justamente esta lógica “era preciso garantir uma vinculação maior e mais ágil
entre as escolas técnicas e as necessidades sempre dinâmicas do mercado de
trabalho local, onde os empregos são efetivamente gerados”. Sendo o aspecto
local um resumo da bossa, posto que SLPs, os sistemas locais de produção foram
reconhecidos e receberam diálogo público somente com Lula também, e no RS com
Olívio entre 1999 e 2002. O tema das “necessidades sempre dinâmicas” se resume,
enfim, para mim aos interesses
conjunturais do mercado que na real só escamoteiam as instabilidades e não
constituem políticas públicas estáveis e continuadas. Vou exemplificar marcando
o ponto sobre como seria mesmo um currículo técnico com esta dinâmica? Quem
tiver uma resposta que informe ao mundo.
Um pouco antes
disso e um pouco depois da invenção neoliberal no Brasil em 1990 – ainda
durante o segundo governo de FHC o quadro foi já mudando a partir das
resistências a esta política em certos aspectos, greves em diversos estados e
muita mobilização contra o neoliberalismo na educação com apoios de amplos
setores da sociedade brasileira. No Rio Grande do Sul o governo Britto seguia
este receituário neoliberal. Porém, muitos perceberam que tanto as
privatizações como as terceirizações colocaram o Brasil de joelhos durante a
crise de 1999, mas esta política perseverou ainda, por exemplo, nas formas dos
contratos de trabalho em alguns estados do Brasil onde o PSDB governava e se
precarizaram muitos dos direitos dos trabalhadores em educação à título de dar
mais flexibilidade à educação e garantir algo como uma espécie de qualidade
total trazida diretamente da caixola de alguns gurus empresariais para a
educação brasileira. Esta onda pegou pesadamente em São Paulo com os governos
dos cabeças de planilha. Mas também na
desvinculação do Ensino Técnico do Médio nas Escolas Técnicas Federais. O mesmo
texto do ex-ministro de FHC fala disso claramente no que segue: “nossas escolas
técnicas federais ofereciam um bom curso de nível médio que preparava os filhos
da classe média para ingressar na universidade, mas não atendiam às
necessidades de formar técnicos de nível médio para o mercado de trabalho.”
Minha relação
com este tema começou lá por volta de 1995 quando assisti na então escola
técnica do comercio da UFRGS a técnica do senado – cedida ao MEC – Mariza Abreu
defender esta desvinculação e reorientação com o argumento de que isso evitava
o desperdício de recursos em jovens de “classe média” que em seguida
ingressavam nas universidades dada a qualidade do ensino da ETC e outras e ao
fato que a mesma escola pré-selecionava através de uma espécie de mini
vestibular os alunos do fundamental que lá ingressavam. Na lógica deles isso
não poderia acontecer e deveria ser evitado. Bem, pergunto, passados já 20 anos,
aos meus ex-alunos da ETC quais prejuízos isso trouxe a formação deles? E deve
ser difícil encontrar tal argumento. A educação em todos os níveis deve ser
oferecida em abundancia e com qualidade e cabe aos jovens fazerem o uso que lhe aprouver. Ainda é preciso
anotar aqui um outro detalhe. Os jovens estão em idades muito precoces para
determinarem que vão seguir esta ou outra carreira técnica, cabendo a formação
técnica inseri-los no mercado sim, mas não determinar um limite aos seus
progressos educacionais . Confesso aqui que já naquela época protagonizamos
este debate e hoje se observa que estas posições estão mais corretas e são mais
interessantes aos jovens em suas escolhas e na geração de mais oportunidades.
Eu creio que
este reducionismo e subordinação da educação a uma ideologia empresarial ou uma
concepção empresarial, é típico de uma visão de que a escola deve servir ao
mercado e aos seus interesses conjunturais e eventuais mas já apontei antes que
deve ser mais difícil trabalhar uma rede inteira educacional para ficar fazendo
manobras de acordo com os ventinhos, ventos ou ventanias ocasionais do mercado
em cada setor de atuação. Nem as empresas mudam tão rapidamente de foco e de
matriz assim.
No
reducionismo de perspectiva para os jovens que o foco no mercado e no emprego
impõe temos outros problemas também. Pareceria haver ai um recorte de classe
que determinasse quem pode seguir ao ensino superior e quem deveria se limitar
ao técnico. E isso deveria atingir os métodos, os regimes de trabalho, os
conteúdos e as definições de objetivos e todas as agendas da educação. E esta
posição que é também utilitarista e que resume o objetivo educacional a uma
espécie de agenda de prazeres e materialidades é largamente propagandeada. A meu ver, isso é uma violência contra o
sonho e a sensibilidade dos jovens de hoje em dia. Para isso a campanha na mídia tem sido
intensa e procura sistematicamente encaixar os jovens num panorama de
produtivismo, mas há que se refutar isto na exata medida em que a maior parte
dos trabalhos atuais se afastam cada vez mais da oferta e produção de bens
palpáveis e passa, assim como ocorre com o predomínio da área de serviços, ao
domínio do imaterial e do que é mais subjetivo. Isso se observa em diversas áreas do
conhecimento.
Mas há certa
barragem a este fato que se encobre sobre o tema da inovação. E é de tal forma intensa que é mais fácil
encontrar opiniões sobre educação de empresários em jornais, revistas de ampla
circulação e programas de televisão do que propriamente de educadores ou
pesquisadores em educação. Isso é tão sério que quando são consultados
educadores, consultam-se educadores vinculados à instituições privadas e de
preferência em sua maioria profissionais liberais. Veja-se que isso é tão
gritante que sequer os departamentos de educação das instituições privadas tem
algum nível de divulgação de suas pesquisas e propostas, sendo raro tal
ocorrência na mídia convencional. Como é que alguém acredita que vai se criar
inovação se são consultados apenas aqueles que fazem e continuam fazendo a
mesma coisa que há 30 anos atrás?
Mas a escola que
compreendemos no século XXI tem, como outros argumentos também contra esta redução ao mercado e ao
utilitarismo, outras tarefas que envolvem o cuidado e além disso a
possibilidade de se construir uma vida com sentido e digna independentemente
dos imediatismo e produtivismos. Lidamos aqui também com saúde mental, novas
formas de vida e com a humanização e
sociabilização. Mas com certeza não haverá inovação alguma se os jovens forem
educados simplesmente para satisfazer o mais rapidamente a agenda de mercado
que tende a ser em geral não crítica, submissa e materialista.
Para terminar com
uma nota trágica ontem vi um vídeo sobre certos camarotes Vips na Copa do Mundo
– em especial aquele onde estava seu Jorge e sua esposa - e nunca vi tanta
besteira sendo dita pela elite, pela burguesia de meu pais. São pessoas cujo
metro e medida de si são exclusivamente o consumo, pessoas de uma
superficialidade assombrosa, pessoas que são
individualistas e mesquinhas ao ponto de uma moça dizer que “é igual a
todo mundo mas como pagou mais....”, pessoas que estão reclamando do Brasil e
ostentando GIFTS de mil dólares em ouro em seus pescoços. Duvido muito que esta
seja a geração de ouro que a inovação das empresas precisa ou que o nosso país
precisa para avançar com desenvolvimento
e redução de desigualdades para dentro do século XXI. Isso não é inovação, é
puro consumismo e alienação.
Vou até parar
por aqui, porque dá uma vontade de desancar o pau nessa ideologia. Não me
admire que o especialista que fala na entrevista da pesquisa tenha como
perspectiva de consumo e de realização passar o fim de semana em um camarote
dando mostras de que agrega valor. Isso não é sério, não deve ser aceito como
serio ou como parâmetro para um pais desenvolvido, do mesmo modo que não é
sério industriários dizerem como querem a educação do povo e não aceitarem
nossos palpites – de educadores, professores e pesquisadores - sobre os
direitos e as garantias que o povo deveria ter para produzir em suas empresas.
Há um abismo no
Brasil que se acirra entre estes universos da elite e a vida real da escola e a
vida que os jovens de todas as classes precisam construir para sobreviver ao
futuro sem um tradicional VALE TUDO, CADA UM POR SI ou SALVE-SE QUEM PUDER. Este é o tipo de situação que vai contra a
inovação porque é tradicional, conservador e a pura repetição do mesmo sem
sentido algum. Deveria haver um debate mais sério na sociedade brasileira sobre
isso e não estas mensagens ou recados que se resumem a dizer o que querem de um
lado e pouco escutam o que a sociedade pensa. Esse discurso empresarial é
sempre unilateral, sem diálogo e sem feed back algum dos educadores. Porque
será?
Isso para mim
é um método de disseminação de ideias e somente isto e a forma como é feita é
muito antidemocrática. Seria bem bom que eles submetessem estas ideias à
pessoas que dedicam a sua vida a estudar a educação e parassem de formular
palpites e forjar pesquisas cujo sucesso é somente virtual e midiático e que
longe de apresentarem tendências globais qualitativas, mostram apenas o
pensamento focado de alguns jovens que se locomovem e reproduzem os mesmos
discursos hegemônicos nesta selva do mercado adotando acriticamente a lógica
competitiva que ele impõe às suas vidas o que não muda nada nem significa
alguma inovação .
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