Nossas vidas são singelas.
Nascemos nos alegrando com descobertas maravilhosas, andamos então um pouco e
logo começam a aparecer os obstáculos em diversas escalas. Olhamos para eles e
eventualmente alguns de nós passam a acreditar que podem superar todos, outros
aceitam algumas coisas e uns últimos aceitam tudo. Com o tempo vamos nos
adaptando e passando a ter medidas também em escalas. Vamos aprendendo como
dirigir nosso corpo e nossa alma. Alguns sofrem muito com isto, pois
fatalidades, surpresas e acidentes acontecem e então olhamos uns para os outros
e nos vemos diferentemente. Num tempo alguns eram sonhadores e outros
realistas, mas passados alguns anos parece até que as coisas se inverteram e,
desta forma, vamos nos dando conta de nosso lugar, papel e ofício no mundo.
Pareceria estranho dizer que além de nossas profissões, trabalhos e relações
acabamos assumindo uma espécie de função social que mistura habilidades,
talentos e oportunidades com coisas que ganhamos de presente dos outros. E
passamos a nos ver então em sociedade com uma aparente imagem cujo
despreendimento dela não é sequer mais possível. Vira uma marca, uma espécie de
apelido ou assinatura que nem faz mais parte do que você é, mas sim do modo
como os outros avistam e compreendem você. O que encontro de singelo misto é
que somente um hábito de associação e não tanto de comportamento está em jogo
aqui. Tua conduta pode ter sido alterada, teu modus operandi, preferências,
apetites e intenções podem ter sido quase todos abandonados e você descobre
assim que mudou. Não foram suas células ou mãos que mudaram, mas sim algo
dentro de você. No meu caso ao me sentir chegando neste ponto penso agora em
todas as ambições e projetos. Penso em como ficou aquela ideia de mudar o
mundo, penso na remota, mas desejável possibilidade de tornar um outro mundo
possível e me alegro agora de forma singela, pois o mundo já mudou e eu percebo
isto. Alguns aqui dizem que não, não mudou coisa alguma. Nada melhorou ou
ocorreu e, então, eu volto a pensar de forma diminuta em minha mente só no meu
pequeno mundinho de novo e vou me recolhendo e pensando que, afinal, não
mudamos o mundo das pessoas e passamos apenas, qual comediantes ou país sobre
um bebê fazendo lhes uma ou outras cosquinhas na barrigas deles. E eles riram
um pouco, choraram quando tiveram fome e beberam quando tiveram sede,
aprenderam a andar, a cair, a levantar e a subir e descer na montanha da vida.
E eu, já cansado, concluo está prosa dizendo que talvez a única coisa que
possamos fazer uma vida inteira é algumas cosquinhas no mundo. Alguns mais e
outros menos, mas nenhum deles deixara de ser apenas singelo quando partir. E
quando sair será lembrado ou esquecido, mas não será isso que importará mais.
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