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domingo, 17 de agosto de 2014

KANT & LAMPE: NOTAS DA ÚLTIMA TERÇA-FEIRA

Passei, na última terça-feira desta semana, a manhã inteira às voltas com a feitura da Cronologia da vida e obra com o contexto histórico de Immanuel Kant (1724-1804), para o último trimestre de filosofia no segundo ano (obs.: A CRONOLOGIA SERÁ CONCLUÍDA E PUBLICADA NESTE BLOG NESTA PRÓXIMA SEMANA).

Ele viveu 80 anos, produziu muito e suas principais obras foram feita após o 57 anos de idade. Uma coincidência aqui também com John Locke que também publicou suas principais obras após os 57 anos.

Sendo que Kant teve aproximadamente de 1781 a 1798, um grande período produtivo no qual publicou suas três críticas, que são consideradas indiscutivelmente suas principais obras.
A Crítica da Razão Pura (1781 & 1787), a Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica do Juízo ( 1790 - ou da faculdade de Julgar). 

E foi muito bom ficar examinando verbetes sobre ele da Wikipedia traduzidos e também revisando algumas cronologias em diversas obras e em verbetes de instituições renomadas como Stanford e outras. Bem como foi bom reler, reavaliar e reorganizar durante todas esta semana parte da minha bibliografia sobre Kant, que foi coletada a partir de 1980 e incrementada mesmo em meus anos de universidade de 1989 a 1997, inserindo ela nos meus planos de aula e balanceando o que já fiz antes, o que estou fazendo e o que posso fazer mais ainda neste sentido de dar uma boa formação em filosofia aos meus alunos, combinando conhecimento, sensibilidade e boas provocações, sem esquecer a contextualização histórica e uma possível aplicação das principais idéias de Kant no nosso tempo atual.

Uma das idéias que com certeza tem ampla aplicação e que me vale muito nos dias de hoje está presente naquele texto Sobre a pergunta: O que é o esclarecimento? Pois uso de forma direta o tema de “sair da sua menoridade” em aulas tanto sobre política, ética e moral e também sobre a importância de adquirir uma formação em filosofia.   

A minha conexão da internet estava naquele dia bem ruim, e isso ocorreu após algumas correções que fiz ontem nas configurações do PC e do Google Chrome que mais uso para escrever em casa. Daí porque fiquei exclusivamente focado também nos livros e em alguns textos digitais já coletados em sites anteriormente  e outros escritos por mim. Então, desta forma, fiquei sem ver quase nada do que rolou aqui no Face ou na Rede pela manhã. Ao final da manhã vi a postagem de um amigo sobre meu comentário à Depressão e as Drogas com a morte do grande ator Robin Williams, que me deixou muito tocado e li este poema sobre O Quarto de Um suicida de Szyborska que uma amiga postou e que repostei ( tanto no meu blog como no meu perfil). E também li a notícia da morte da atriz Lauren Bacall cuja silhueta e olhar eram memoráveis. Ao final da manhã, mais surpresas nos aguardavam a todos, em especial, o acidente e a morte de Eduardo Campos e sua equipe com a queda de seu avião em Santos SP.  

Mas no fundo, então, passei a manhã toda pesquisando e lendo sobre Kant. E pensando sobre isto e tendo meus tradicionais insights e pensamentos fora de curso que sempre me fazem reavaliar, rememorar, rever e escrever sobre o que se passa em minha cabeça. Lembrei que meu curso de filosofia para o Ensino Médio já tem quase 20 anos e que em suas diferentes versões e formatos já avançou até Heidegger certa feita mas sempre teve os pilares fundamentais assentados em Aristóteles, Descartes e Wittgenstein por uma escolha minha lá em 1994-1995.

Nos últimos sete anos, após a criação da disciplina de filosofia na escola e a posterior ampliação da carga horária de filosofia, tenho apresentado com mais vagar e cuidado, os Pré-Socráticos, os Sofistas, Platão, e nos últimos dois anos Leibniz, Hobbes e Marx tem sido apresentados também em minha aulas com mais atenção e Kant agora definitivamente ganha seu lugar. Neste ano, por conta da carga horária e de certa normalização do tempo para dedicar mais ao trabalho de planejar, desenvolver e qualificar alguma forma de ensino e introdução á filosofia no Ensino Médio também a Filosofia Política e uma proposta de Seminário dos temas e autores de Interesse dos Próprios Alunos tem sido apresentado. Em especial, destaco que a história da Filosofia Política Moderna, com reflexos na compreensão da história moderna e na formação política dos alunos tem ingressado na disciplina. Por fim, sob este aspecto, com a ampliação da carga horária de filosofia no terceiro ano tem sido possível trabalhar praticamente um  curso completo de história da filosofia com abertura para muitos temas de estética, ética, lógica e filosofia da ciência.

Pois bem, já andava bem desconfiado que minha passagem quase ao largo, de certos capítulos da filosofia moderna e antiga em meus anos de formação, se devia a uma incompreensão e a minha "descoberta de Platão" no ano passado confirmou isso. Platão me fez pensar muito mais nisso e muita coisa mudou na minha forma de encarar tanto o idealismo, como as ideias inatas e também a relação entre literatura, poesia e retórica com a filosofia.

Pois agora, tal como uma espécie de âncora nova ao meu navio se agrega aos poucos certa compreensão da grandiosa importância de John Locke - que considero apresentar uma inflexão muito fundamental tanto para filosofia pura quanto para a filosofia aplicada, pelo empirismo e pelo liberalismo, com efeitos bem práticos e históricos (e com isso também recolocar em tela de forma mais adequada todo o empirismo inglês, Bacon, Hobbes, Hume e Bekerley) para o racionalismo, em especial em seu desfecho kantiano que é o que me interessa e sempre me interessou mais por conta da relação de equilíbrio ( transcendental aqui como um sistema) que vejo ele traçar entre sensibilidade e entendimento, paixão e razão e dos desafios que a racionalidade dele foi capaz de compreender, mas cuja solução deixa em aberto para a reflexão de cada um de nós. Vejo0 Kant como aquele filósofo que foi capaz de acertar muitas contas da filosofia moderna e que nos desafia ainda hoje a entender melhor nossa relação com o poder de julgar, a capacidade de conhecer, de fazer escolhas, de agir e de fazer de nossa vida algo melhor e mais digno.   

Kant tinha um criado ou secretário que se chamava Lampe - na biografia dele isso jamais é negligenciado e consta que este soldado licenciado do exército prussiano tornou-se seu criado e começou a trabalhar com Kant em sua residência a partir de 1761 até os últimos dias de vida de Kant  - mas o papel deste criado nas ideias e nas obras de Kant deve ter lá sua importância mais testificada por assim dizer.

Kant afirmava que Hume o havia despertado de um sono dogmático e eu sei bem o quão longe a filosofia de Leibniz nos leva numa crença nos poderes da razão. Mas quando começo a ler Locke me lembro muito do papel que na filosofia precisa ser sempre exercido por alguém mais prático e mais realista para não nos perdermos em devaneios.

Pois creio que Lampe era em certo sentido o bom senso de Kant, o senso terreno e concreto de viver. Segundo as narrativas que temos ele só abandona Kant quando se desentendem definitivamente poucos dias antes de Kant morrer.

Assim Lampe era, portanto, presumivelmente aquele criado que com o tempo deva ter se tornado mais que isso, um amigo, que olhava para Kant e dizia: tu tá viajando demais, desce na terra e vai viver um pouco. Vamos caminhar meu amigo. As piadas que são feitas desde a criada de Tales de Mileto a respeito destes homens viverem parte de suas vidas em um mundo da lua, ou com a cabeça nas estrelas, perdidos em sonhos, delírios e outros excessos reflexivos deveriam nos bastar não para fugirmos do real mas para encarar que por traz desta ironia, há uma verdade a ser preservada, uma lição a ser registrada.


Nenhum navio pode viajar tão longe sem voltar ao seu porto de partida e ir registrando com clareza por onde passou, o que ganhou, o que perdeu e o que aprendeu. E evitar tropeços ou excessos pode ser uma forma razoável de garantir bons registros e balanços a respeito de nossos itinerários. Nem sempre é fácil, nem sempre é corrente haver esta possibilidade, mas eu desejo que cada um tenha os eu próprio Lampe a lhe provocar e mostrar que a vida real, o mundo empírico tem lá suas razões e demandas a serem vencidas e que vencê-las, compreendê-las e perceber seu valor dá um estatuto superior á nossa razão, nossa reflexão e nossas muitas possibilidades.       

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