O debate eleitoral deste ano
encobre muitas questões que não tem sido tratadas, nem debatidas e muito menos
enfrentadas com propostas políticas e com uma análise rigorosa do que realmente
está em jogo nestas eleições. Creio que estamos num processo de regressão
política. Não digo isso para causar temor, terror ou tremor, mas simplesmente para
trazer à luz também uma grande questão de fundo que não tem sido encarada com a
seriedade que eu julgo merecer. E é um sintoma disso para mim certas ousadias e
abordagens simplistas que são adotadas para defender esta ou outra opção para a
presidência do Brasil.
É realmente incrível que seja
feita a comparação entre Michel Temer e a Marina que vi alguns fazerem aqui,
apontando que a opção de votar em Marina é melhor que a opção do vice da Dilma.
Isso só pode ser ingenuidade ou desfaçatez. Nem Marina é tão verde e pura assim
e nem Temer representa o pior do PMDB. O currículo do Temer e a sua capacidade
me parecem indiscutíveis. E eu sou um daqueles que defendo ele sem titubear e
creio que qualquer pessoa sensata pode verificar por si mesmo este vice que não
tem nada a esconder nem a omitir.
Penso que vale a comparação e que
ela deve mesmo ser feita de forma objetiva e com toda ênfase na democracia e em
sua estabilidade, sem intolerância religiosa, nem falso moralismo ou um pseudo
anti-pragmatismo, que só vale para os outros. Creio, pois, que há que se pensar
mesmo no que é pior, no que é institucionalmente e ideologicamente pior. E daí é que me parece que a vaca vai para o
brejo, porque, para mim, Michel Temer é ideologicamente e institucionalmente
melhor e muito melhor que a Marina.
E quando falo disto preciso ser muito
claro. Para mim o problema não é a Marina ser pentecostal, apoiada pelo Itaú ou
Natura e etc. Para mim o pior é a conduta e as posições da Marina que são
atrasadas – que vem de antes do Ministério do Meio Ambiente e que seguem até
hoje, que em relação ao seu pentecostalismo são arriscadas, em relação às orientações
sexuais são atrasadas e mesmo as interpretações de mundo que também considero
bem atrasadas e retrocessos, o que se soma a esta nova fusão entre poder
político e poder religioso que a candidatura dela, como de outros candidatos
representa.
É uma pena que as pessoas tratem
a questão da religião e da conduta da Marina em relação a isso como algo
secundário ou desimportante. Todos os ambientalistas que eu conheço e que
atuaram de alguma forma em relação ao Ministério do Ambiente na gestão dela me
relataram que houve um agravamento do fundamentalismo e do enrijecimento dela à
medida que o ministério enfrentava pautas e opções mais intensas. E eu não
creio que este habitus tenha sido superado ou que não vá interferir na gestão
do estado brasileiro. Julgo sinceramente isso uma temeridade e isso não é uma
rejeição ou um preconceito com esta ou outra religião, nem digo isto aqui com o
impeto de defesa absoluta do PT e da Dilma. Eu creio sinceramente que o que
está em jogo é a democracia brasileira e as instituições brasileiras. E neste
caso digo que até Aécio - que eu rejeito por ene outras questões, é mais
palatável com todo o respeito. E nos debates eu quero mesmo é verificar se
vamos ter um banho de mistificações ou
fugas da realidade se apresentando. Não vejo a hora de ver o debate entre ela e
Dilma, para desmistificar e colocar certas questões que alguns tratam aqui com
um infantilismo e uma irresponsabilidade que só é possível pela dieta de
informação e desinformação da grande imprensa brasileira que tem se portado de
forma muito irresponsável também em relação a democracia.
Muito me admira que alguns dos eleitores,
militantes e diferentes ativistas que criticaram Dilma por comparecer na
Inauguração do tal Templo de Salomão tenham agora feito odes à candidatura de
Marina. E vou resumir isto dizendo que a presença de Dilma não é mesmo uma
afronta ao estado laico, é um gesto institucional de reconhecimento de uma religião
que tem milhares de fiéis e seguidores neste país, assim como o Catolicismo, e
outras orientações religiosas. Não podemos confundir tolerância e respeito às religiões com apoio ou submissão a elas.
Somente um governante tíbio e despreparado faria alguma desfeita ou afronta ao fenômeno
religioso
Eu, por meu lado, fico sem
indigestão alguma com o Michel Temer e o PMDB inteiro sem titubear neste
confronto.
Ou ninguém tem parado para pensar
nem porque de fato a religião e certas seitas religiosas precisam criar outros
partidos e disputar com muitos candidatos a cada ano que passa nas eleições?
A história nos ensinou que a burguesia
liberal moderna tratou de se livrar de certa forma da igreja e da ascendência da
igreja sobre os poderes terrenos, porque sabia que a democracia é incompatível
com a infalibilidade, sua santidade e os ungidos. Precisava, ao mesmo tempo,
abolir a relação entre o poder real e o poder divino, estabelecida na unção dos
reis, rainhas e príncipes das monarquias absolutistas. E isso deu muito
trabalho meus amigos, Levaram aproximadamente 250 anos para fechar um ciclo da
primeira teoria republicana contra as monarquias reais ou imperiais. Quando você
olha mais de perto o intenso debate vivido por John Locke com os seus e consigo
mesmo sobre este tema, tanto da tolerância religiosa, quanto do governo
constitucional e laico, você entende o quanto é sutil a diferença e também que significa um retrocesso histórico e
perigoso nisso. Quando olho para o fundamentalismo islâmico, por exemplo, fico
pensando nos diferentes tipos de fundamentalismos que surgem hoje no mundo
ocidental. Há um traço comum destes com aqueles, todos tributam às questões de fé
as soluções absolutas aos problemas reais e civis. Eu diria que há uma espécie de NOVO
ABSOLUTISMO surgindo aqui e ali e que, aqui no Brasil, precisamos criar uma
legislação bem mais detalhada e rigorosa para evitar a dissolução das
fronteiras entre poder real e poder divino, posto que a supressão desta
fronteira leva com certeza ao autoritarismo e ao irracionalismo. Penso que é
mais do que necessário promover debates constitucionais sobre isto, sobre a
legitimidade de partidos religiosos num estado laico e numa democracia civil.
Talvez coubesse pensar mais hoje no
problema que surge ai como é que você vai substituir santos ou adorados em
eleições democráticas, quando eles começarem a cometer as barbaridades em larga
escala do que o Pastor Feliciano é só a ponta do Iceberg. Mas sim, é claro, o
problema é o PT e o PMDB.
Cada um escolhe a contradição que
preferir, mas que seja absolutamente responsável por ela. Aprendemos muito cedo
que os maiores pecados não são os dos pecadores, mas daqueles que se julgam
santos e que tem certa dose de convicção e uma crença inabalável em sua própria
infalibilidade. É preciso conhecer muitos seres humanos para julgar alguns, mas
aqui, neste caso, somente a ignorância histórica e a falta de reflexão poderia
supor que o fundamentalismo é e pode ser melhor nas questões de estado do que o
constitucionalismo representado pela tradição democrática brasileira. Isso leva
mais água ainda para a necessidade de uma reforma política e de uma NOVA
CONSTITUINTE, que dê instrumentos de regulação e equilíbrio mais eficazes ao
sistema político brasileiro e que sustentem em pilares mais sólidos a nossa
democracia contra qualquer aventura, recaída ou desvio autoritário e fundamentalista.
Não dá para vacilar nisto!
Nenhum comentário:
Postar um comentário