Muitos que se dedicam a dar opinião, fazerem julgamentos, criticar, tecer comentários e argüir razões, poderiam pensar e alguns efetivamente pensam que não há benefício algum na ignorância. No mais das vezes, apontar para eles - mesmo com a maior delicadeza e finesse possível – a notável superficialidade, incompletude e incoerência das suas opiniões sobre algo os ofende.
Desta forma – aqui ou ali – dizer a alguém que ele ignora aquele assunto ou tal realidade, dizer a alguém que ela exagera a importância deste aspecto ou de outro no todo da questão ou mostrar com provas e argumentos que ela esta errada e que talvez ela desconheça algo mais fundamental e decisivo sobre aquilo do que fala pareceria uma afronta à pessoa e às coisas que ela julga saber. Nos debates, sempre podemos ganhar alguma coisa quando interpretamos não somente o que dizemos e os outros dizem, mas também quando ajuizamos porque escolhemos e selecionamos determinados elementos, exemplos e sentimentos para veicular naquela questão. Sinto que avançamos, assim, sobre nossas fontes mais primárias de motivações, valores, sentimentos resolvidos ou não resolvidos. E tenho observado que estas são boa parte das fontes mais férteis dos erros e das repetições dos nossos erros de cada dia.
Entretanto, o dizer acima, portanto, aponta uma grande vantagem não na mera ignorância, mas na consciência e na clareza que se pode ter ao aceitar, admitir ou refletir sobre o fato de que ignoramos alguma coisa sobre algo e à s vezes sobre nós mesmos e que, portanto, é de prudência e razoabilidade ir devagar com o andor naquela matéria. E que, enfim, ao compreender isso temos um ganho que é evitar a possibilidade do erro, evitar o agravamento do erro e cuidar melhor da qualidade dos nossos juízos . Na nossa formação de professores esta deveria ser uma das medidas e orientações basilares que a todo e qualquer professor é de prudência jamais palpitar, assentir a opiniões ou julgar em definitivo sobre assuntos que desconhece, que não examinou com mais atenção e que sequer se deu ao trabalho de apurar com o máximo rigor possível a sua verdade, validade, regularidade e legalidade. Estou – talvez o leitor mais atento perceba isto – usando aqui categorias e modalidades que dizem respeito a amplos domínios e faço isso propositadamente para facilitar a abertura de um leque cada vez maior de aplicação do que digo.
Dividindo o mundo, desta forma, e as criaturas entre aqueles que tratam do horizonte da dúvida tirando benefícios superiores dele e aqueles que o ignoram posto que julgam vantajoso à sua crença e a sua personalidade, manter suas ideias imersas em certa credulidade e na ausência da crítica ou da auto-crítica.
Ou como diz um amigo para lembrar uma velha sentença nordestina transformada em piada pelo Renato Aragão "assim como são as pessoas, são as criaturas", e dizer que também assim como são as coisas são as criaturas. E lembrar que o velho complemento literário disto é "coisa ruim, criatura ruim, e coisa boa, criatura boa".
Compreender que há uma diferença fundamental de atitude e de forma de tratar as coisas a partir de um pequeno detalhe que para alguns custa muito admitir, mas que para outros é usual e lhes conduz a tranquilidade relativamente a diversas questões sobre todas as coisas e sobre tudo que há.
E eu fiquei pensando um tempo ontem nisto, ao ler uma bela passagem de Gerard Lebrun sobre Kant (Do erro à alienação, o primeiro parágrafo que me é memorável na apresentação desta questão para mim), donde tiro a citação que vai de epígrafe à este texto.
E apontando depois, enfim, as pistas dos lugares e textos onde estas questões são tratadas para termos a grande vantagem que eu pressinto em ter sempre presente a “consciência da própria ignorância” que seria a contrapartida da dúvida tão basilar aos espíritos realmente críticos, que o são assim por serem mais desconfiados de si mesmos perguntando se “posso estar errado?” e “sob que condições posso nesta questão ter certeza sobre isto?”
Nenhum comentário:
Postar um comentário