Uma abordagem do problema das escolhas e das mudanças na
vida da gente nos leva sempre para o tema existencial. Mas também nos leva para
temas que hoje se descolam da abordagem existencial ou individual e que também
são cognitivos e epistêmicos. No sentido de tratarem sobre condições de
aquisição de crenças, formação de opinião, conhecimento e certeza. E, também,
no sentido de tratarem sobre temas morais, práticos e de valores, sobre qual a
condição do agir moral, o que devemos fazer por necessidade ou por liberdade,
qual nossa capacidade de agir voluntariamente e livremente. Vemos também que
trata-se do que realmente levamos em consideração ou realmente importa para nos
orientar nesta vida como um valor intrínseco – por si mesmo – extrínseco ou
relativo ou relacional. Nossas escolhas existenciais para resumir a modalidade
aqui estão relacionadas, então, às crenças que nós escolhemos, aos valores que
defendemos e às formas como vivemos e como nos relacionamos com as coisas, as
pessoas e este mundo.
Sempre que nos ocorre um contra tempo ou que o curso da vida
orientado por nossas decisões, pelas escolhas que fizemos – livres,
voluntárias, subordinadas ou forçadas -
nos trazem frustrações, mais obstáculos e problemas do que soluções e
passagens ou travessias, sempre que um plano nosso de vida sofre um bloqueio ou
um revés, isso nos leva a refletir sobre como seria se acaso, acidental ou
refletidamente decidíssemos ou tivéssemos decidido lá atrás um curso ou uma
aposta diferente?
Isso também nos leva a questionar em que medida fomos e
somos conseqüentes em nossas escolhas e decisões. E, ao longo da vida, mesmo
que nada ocorra de errado ou que estejamos bem sentados em nossos sofás ou
caminhando na direção da realização dos nossos sonhos, nos questionamos sobre
qual continua sendo nosso entendimento sobre estas escolhas. Se você se der ao
trabalho de procurar as razões que te fizeram seguir por este caminho ou não
seguir por um outro talvez você passe a ter uma sensação estranha de uma dúvida
sutil do tipo que na real estas razões nem são mais tão importantes hoje. Esta
reflexão envolve muito as mudanças culturais, materiais, físicas e sociais que
vivemos ao longo da vida, o que aprendemos na vida e o que conseguimos cuidar,
carregar, suportar e o que ainda faz sentido ou tem algum papel real em nossa
vida.
Eu trataria o mesmo tema em duas vias ou mais e sugiro se
pensar, então, em uma via negativa, em desapego, abandono, afastamento e também
sobre a perda de significado de coisas que um dia nos foram tão caras e, na via
positiva, em apego, cuidado, aproximação e busca do que mais nos apraz e também
sobre a ressignificação ou construção de significado – novo, renovado ou mais
fundamentado - como algo possível sempre, mesmo ao fim dos nossos dias.
Quando falo disto, sei que estou tocando na forma como
tratamos nosso regime de crenças. Que crenças estão fixas em nossa estrutura de
personalidade, quais acreditamos que fazem parte de nossa identidade de forma
inextrincável, seja porque comportam valores, princípios, conceitos, afetos e
interpretações do mundo, da vida, das coisas e das pessoas das quais não
queremos abrir mão e, no meio do caminho, das coisas que vão caindo em desuso,
com as quais passamos a dar mínima importância ou que descobrimos que não valem
mais a pena.
Quando era jovem, para exemplificar, decidi um dia nunca me tatuar e pensei muito
exatamente nisto: no que era passageiro ou um impulso temporário de época, de
geração e paixão adolescente em minha
vida e no que poderia durar para sempre em mim e comigo. Usei estes tempos a
idéia de tatuagem como exemplo de crenças que nós tatuamos em nosso espírito
com certa fixidez quase inextrincável. Dizia que eram como marcas e cicatrizes
da existência que nos organizavam a pele, a sensibilidade e a forma de pensar,
viver e se relacionar. Falei em regime de crenças, em crenças fixas e crenças
móveis ou mais flexíveis porque toleram em nossa forma de pensar modificações,
mudanças, evoluções e desenvolvimentos.
A distinção in fine aqui é entre crenças rígidas e crenças
adaptáveis ou flexíveis. Assim, como quando escolhi o curso da universidade e,
portanto, a profissão na qual me encontro hoje, fiquei mesmo pensando muito
nisso: no que eu gostaria de fazer o resto da minha vida, mesmo depois da
aposentadoria e enquanto eu durar sobre este planeta. Neste caso, fazendo uma
certa rememoração disto, já pensava mesmo em uma possibilidade de mudar de
opinião sobre o melhor caminho a seguir, mas minha escolha foi também orientada
por uma idéia que recebi na infância o melhor caminho a seguir é sempre aquele
em que as perdas são menores ou os ganhos são maiores e em que a possibilidade
de seguir por mais difícil que pareça ao enfrentar os primeiros obstáculos,
acaba ao final por garantir algo mais perene.
Minhas crenças rígidas de então eram relativas
ao valor intrínseco da filosofia seja lá o que eu fosse fazer disto e as
flexíveis eram relativas ao fato de que este valor intrínseco poderia ser tão
relevante extrinsecamente que poderia significar um ganho de capital cultural
inestimável e mais estável do que pareceria à primeira vista. Já quanto a
profissão de professor sempre me abalo com seu valor extrínseco que anda cada
dia sendo mais pauperizado, por conta de que pessoas cujo valor intrínseco é
absolutamente raso e superficial. E vejam – neste raciocínio – não preciso
sequer flexibilizar algum ponto de vista para saber que é o caso na atual
conjuntura e contexto de vida, mas mesmo assim não é isto que torna a escolha
equívoca, muito antes pelo contrário. Minhas crenças parecem receber aqui um
valor cognitivamente contrafatual e mesmo assim continuarem verdadeiras.
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