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domingo, 19 de junho de 2016

CORPO E ALMA EM FREUD: NÃO SUBESTIME A ANÁLISE DELE

Te confesso que Freud é um intelectual que eu jamais ousaria subestimar. E ainda me surpreendo muito com ele.

Creio que deves pensar bem mais sobre o que ele diz ali relativamente ao rompimento entre passado e futuro com a morte. Uma sugestão que ele dá sobre isto pode nos embaraçar, mas também pode nos libertar de certos embaraços.

Ele não é um Deus, nem suas idéias são sagradas, mas é preciso ler o que ele pensa com excessiva atenção e prudência.

Sugiro que pense em que substância ou qual é o lugar depositário da sua memória? Esta me parece ser uma pergunta guia para a questão posta por ele sobre a relação mente e corpo, ou corpo e alma ou espírito e matéria, nos termos que você quiser colocar ou preferir colocar por etimologia e história do conceito, com argumentos e análises conceituais ou por simples opção semântica.

Parece-me que Freud considerava o nosso corpo físico como depositário de nossas memórias, mas só me parece. Isso significaria que haveria alguma forma de registrar em nosso corpo nossas memórias sentimentais e emocionais e que nem todas elas seriam registrada em forma de uma linguagem decodificável.

Eu mesmo quero pensar mais sobre isto.

Considero, pensando melhor agora, muito mais ousada a perspectiva de Freud que envolve admitir que o corpo e a carne são depositárias da memória.

É muito fácil, confortável e consolador seguir a abordagem tradicional que simplesmente desvincula o corpo da alma.

A ousadia de Jung talvez tenha sido tentar recolocar a doutrina de Freud de novo submetida ao dualismo cartesiano com este belo otimismo sobre o destino das nossas almas, memórias e lembranças de nossa identidade.

Mas veja só então: e quem sofre de Alzheimer amigo? - perde a alma ou perde a conexão com a sua memória?

A ligação entre o passado e o futuro, representada pela nossa memória, pelo nosso feixe de experiências organizadas sob um fio de Ariadne comum, que não sobrevive a morte!

Esta é a questão! é por isto que andei usando aqui também a expressão desaparecimento para falar da morte física e espiritual de todos nós. Aos poucos vão se extinguindo nossas conexões, aos poucos esta grande trama de aço vai se transformando em barbantes esfarrapados. Se vivermos até aos 100 anos veremos.

Uma entrevista com Niemeyer é ilustrativa também. E tenho ao meu lado diversos exemplos de pessoas cujas memórias nítidas sobre o passado mais remoto ou sobre experiências sentimentais se desvaneceram.

A coisa que eu mais respeito em Freud é que ele não tenta colocar esperança onde não é necessário.

Muletas que não servem são jogadas fora. E tem um ponto na vida em que você pode decidir exatamente isto: se vai continuar esposando doutrinas confortáveis ou aceitar os indícios que a realidade e a reflexão sobre a vida te apontam.

Nós não precisamos de uma outra vida para que nela o valor desta vida ou os danos desta vida sejam reafirmados.

A conta acaba já no primeiro desaparecimento.

E você pagar ela ou não, é indiferente para a natureza.

Me parece assim que diversas doutrinas procuram insistentemente impor supremacia cultural e humana sobre a natureza.

Não digo com isto que você é obrigado a abandonar toda a tua perspectiva respeitável de reencarnação, roda de sansara, vida após a morte e etc, mas digo simplesmente: isto é uma doutrina! tens o direito de seguí-la, defendê-la. E é muito respeitável que o faça!

Mas porque fazes isto?

Freud perguntaria: é por causa da verdade que você precisa fazer isto?

Ou é porque você prefere e deseja que assim seja?

Bem amigo, há um abismo aqui entre o que podemos saber e que preferiríamos que fosse o caso.

Inclusive a possibilidade, muito interessante, de podermos ter uma outra vida mais feliz que esta que temos agora.


Parecemos jogadores perdedores que continuam confinado numa rodada melhor, na possibilidade que na outra mão venham ao acaso e pela sorte cartas melhores para nós.

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