A tomada de posição das meninas
no Colégio Anchieta de Porto Alegre despertou e gerou – como que numa avalanche
– uma diversidade de opiniões favoráveis e desfavoráveis, críticas, deboches,
cobranças e até mesmo censuras que mostra para mim e exibe com uma nitidez
arrazadora o quão baixa anda a nossa capacidade de compreender os jovens, quão
pequena anda na economia de nossas opiniões a tolerância a respeito de opiniões
estéticas e, além disso, para piorar as coisas ao meu ver, quão reduzido se
tornou o nosso conceito de liberdade. De certa forma para mim a reação mostrou
também quão espontânea e irrefletida, pobre e automática andam os nossos
impulsos de formulação, interpretação e compreensão dos fenômenos. Creio que é
importante se abandonar as formulações instantâneas sobre as coisas, e me
desculpem aqueles que pensam diferente de mim, que é importante sair do varejo
das opiniões e se passar para o atacado das idéias nestes temas e nestes
processos. E ultrapassar a nudez sexualizada ou a batina reprimida que a reação
ao shortinho encobre me parece ser bem recomendável a todos que deveriam pensar
mais seriamente sobre a importância dos jovens no nosso futuro comum. Aqui como
na maioria dos casos, polêmicas e debates atuais – debates midiatizados e
virtualizados – o buraco é bem mais embaixo.
Confesso que demorei praticamente
uma semana para responder ao tema por diversas razões que me pareceram
coercitivas ao meu juízo. Primeiro de tudo que nem tudo é exatamente como
parece. Que o modo como as coisas se apresentam pode encobrir um fenômeno mais
profundo e muito mais importante do que a irrisória e parca generosidade da
discussão acredita que concedeu Segundo, que eu tenho notado uma espécie de
cultura de liquidação de iniciativas de sentido do outro generalizada nas redes
sociais. Todo mundo patrulha, fiscaliza, moraliza, crítica todo mundo por
impulso. Em terceiro lugar, porque me lembrei do que chamei de uma “lógica do
queima ele” que anda marcando as respostas e avaliações de muitos por aqui. E,
ao mesmo tempo, percebi de saída que mesmo a discussão sobre tema colocou em
lados iguais pessoas que tem posições diferentes em outros temas. Por exemplo,
para meu assombro, encontrei pessoas que se dizem progressistas, libertárias,
emancipacionistas, democratas e modernas juntinho e ao lado de conservadores,
repressores, reacionários, autoritários e arcaicos.
E o mais impressionante de tudo,
poucos leram o manifesto das meninas situando ele num processo de tomada de
consciência geracional bem mais amplo que ocorre - nitidamente para mim no
Brasil hoje – com a tomada de posição e o avanço político das meninas, jovens,
de periferia ou classe média, de diferentes classes sociais. Eu teria que
listar aqui num encordoamento só este fenômenos e suas séries relacionadas para
justificar isto.
Vou começar apontando para as
duas pontas mais visíveis para mim que são gaúchas, a Deputada Estadual Manuela
D´Avila, para a Professora de Filosofia Márcia Tiburi, e também para a Luciana
Genro, a deputada federal Maria do Rosário, a presidenta Dilma e etc – e sei
que em muitos estados e cidades deste país um geração de mulheres – que não é
exatamente da mesma faixa etária – avança e toma posições marcantes,
considerando-se o papel e o espaço limitado que as mulheres ocupam nos espaços
políticos e de gestão. Aponto também
para diversas atrizes, cantoras, artistas, professoras, lideranças
estudantis que andam agitando o cenário nacional a bem quase 12 anos.
Curiosamente este fenômeno para mim aparece claramente também a partir de certo
imaginário cinematográfico que a partir do início do século XXI passou a
colocar a mulher como outra personagem nos enredos, tramas, histórias.
O problema geracional me chama
muita atenção também por outro aspecto. Muitos que criticaram as meninas, seu
manifesto e aqueles que se ocuparam e apoiaram isto dizem que elas e eles
deveriam estar se ocupando de problemas mais importantes e reais da nossa
sociedade. E alguns perfis aqui no facebook fizeram exatamente isto. Daí você
vai lá ver os perfis que realizaram estas críticas e não vê eles engajados em
soluções, apresentando propostas ou se comprometendo em ações que possam
efetivamente mudar uma lista de problemas e coisas na cidade de Porto Alegre,
no estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, na América latina e no Mundo. Não, o
que você vê no perfil de um certo tipo deles é, na maior parte dos casos, a
queixa, a chorumela, a busca de soluções absolutas e mágicas aos problemas ou
uma espécie de idílio passadista e saudosista de uma certa moralidade que ficou
para trás, num antigamente remoto que – em muitos destes casos eles sequer
conhecem ou tem entendimento crítico ou profundo - como se no passado as coisas
fossem melhores, que a ditadura militar foi boa ou precisa voltar. Um outro
tipo de crítica cobra dos jovens também
ações mais conseqüentes, críticas mais pertinentes e causas melhores, como se
os jovens tivessem a obrigação de lutar apenas por questões essenciais ou
decisivas para a vida dos adultos. Ora nos dois casos encontramos boas e
grandes contradições de fundo.
Se olharmos para a história do
Brasil destes últimos 60 anos temos basicamente alguns poucos movimentos
coletivos fortes. A defesa da criação da Petrobras nos anos 50, as mobilizações
contra a ditadura nos 60 e 70, o ano de 1968 é um marco em todo mundo disto, a grande
mobilização de redemocratização que foi das diretas já nos 80 até a eleição de
1989 (para o pessoal mais libertário isto inclui movimentos culturais,
sindicais, populares muito fortes e intensos, alternativos, ecológicos que hoje
tem seus efeitos ainda – CUT, MST, UNE, UBES
e diversas entidades se criaram e ou voltaram a ter papel protagonista
na sociedade brasileira neste período), o fora Collor nos anos 90 e somente em
2001 um movimento como o Fórum Social Mundial chega ao Brasil por conta de um
espírito de mudança mais ampla e englobando no nosso pais e no planeta que teve
inicio em manifestações juvenis em Seattle em 1999, e, por fim, mais
recentemente as manifestações do movimento passe livre que levaram a uma
gigantesca manifestação no pais por mudanças e soluções para diversos temas
urbanos e sociais brasileiros que incluíam transporte público, saúde, educação,
corrupção, segurança em 2013. Pois bem, estamos ainda neste quadro de 2013,
combinado com movimentos golpistas, conservadores, repressivos e autoritários
que pululam aqui e a ali. Uma derrota eleitoral do campo conservador em 2014
somada aos escândalos de corrupção e também ao processo jurídico e
partidarizado de revela e encobre no entorno disto. Um congresso nacional de
perfil ampla e majoritariamente conservador, autoritário e regressivo. E é com
e neste quadro que o manifesto das meninas do Colégio Anchieta de Porto Alegre
dialoga. Não estão mesmo por fora disto ou viajando na batatinha.
E não se
trata mesmo de uma questão simplória de direito de ostentação ou exibição de
suas nádegas ou coxas. Aqui, como nos caso dos R$ 0,20 centavos do movimento
passe livre contra o aumento de passagens não se trata só e nem é SÓ POR CAUSA
DE 20 CENTAVOS – veja que é na mesma
Porto Alegre onde este e outros movimentos praticamente nasceram.
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