A crise que a USP, UNIVERSIDADE
DE SÃO PAULO, vive é pelo visto muito grave, mas alguns tentam indicar que é um
problema isolado e que deve ser atribuído exclusivamente à má gestão de um
reitor ou a alguma imperícia gerencial da instituição.
Ao tentar diminuir ou isolar esta
crise da instituição, cumprem o único objetivo que é deixar sem avaliar a relação
da instituição com o estado que é seu provedor e que indica seu reitor, deixar
sem avaliar a relação entre a crise e uma falta de planejamento e também deixar
de avaliar a relação entre esta crise e determinada política e concepção política
que a presidiu e administrou nos últimos anos. Alguns, também para aumentar o
calibre de soluções autocráticas – que são justamente as que levaram a USP ao
pé em que chegou – pugnam contra a eleição de reitores pela comunidade
acadêmica responsabilizando esta comunidade e a corporação de professores sobre
isto.
Não vejo assim, até mesmo porque
a indicação de reitor da comunidade escolar aponta uma lista tríplice ao governador
indicar e nos últimos três casos a indicação não recaiu sobre o primeiro da
lista ou o mais votado da comunidade. Eu
olho mesmo para uma falência de know how em gestão de coisa pública e da
instituição. E a crise se deve a erros na contratação de professores, no
planejamento do custeio da máquina da instituição e, também, para além da folha
de pagamento ou das negociações salariais deveria se olhar para o fluxo e o
volume dos repasses dos cofres estaduais ao longo dos últimos 30 anos. Não dá
para uma instituição com 80 anos se elevar aos patamares científicos,
acadêmicos e culturais que a USP chegou e cair por má gestão ou falta de
expertise em gestão. Eu acredito que a crise da USP é uma espécie de ponta do Iceberg isso ou que
a crise da USP é o fio da meada que nos permite pensar, repensar, avaliar e
refletir sobre como anda mesmo São Paulo.
Uma faceta que deixa visível e
exposta uma crise de inteligência, de gestão e de planejamento do estado
paulista.
E é justamente o contrário do que
ocorre no Brasil, onde o estado brasileiro tem planejamento, desenvolvimento e
estratégias setoriais e sistêmicas de gestão.
Sou um admirador à distância da
USP, pois sou gaúcho e também estimo por demais a minha Universidade, a UFRGS,
que tem tido boas gestões desde os anos 90, gestões que sobreviveram ao tempo
de vacas magras da gestão de FHC e Paulo Renato de Souza e que com Lula e Dilma
avançaram muito colocando a UFRGS
praticamente no topo do ranking nacional e latino-americano em muitos cursos e
globalmente.
Mas admiro a USP, porque conheci
nos anos 80 e 90 dos grandes êxitos e da importância desta instituição desde os
tempos em que engatinhava na compreensão da cultura brasileira, da filosofia e
das ciências humanas e não consigo mesmo compreender como é que um colapso de
planejamento e provisionamento destes é possível numa das pontas mais aguda da
elite intelectual, técnica e cultural brasileira e não consigo dissociar isso
de uma crise de estado e de gestão, crise de conhecimento e de capacidade
operacional, uma crise de expertise também em gestão pública e isso é uma crise
institucional que se deve a uma política de gestão e uma forma de gestão. É
absolutamente impossível e inadmissível aceitar as teorias mistificadoras e que
fazem mistério glorioso das causas desta crise.
Isso não pode mesmo ser só
reflexo de uma gestão porque é uma escola inteira de administração que está
falindo junto. E envolve um aspecto interno e externo a instituição. Por
exemplo, eu fiquei curioso em saber quem foram os reitores escolhidos por lista
tríplice desde 1988 que não foram os mais votados pela comunidade?
Tendo a não considerar que a
crise se deva à votação da comunidade, mas sim a perda de expertise ao longo do
tempo - o que é uma crise técnica e política -
e em virtude das escolhas dos governadores, as quais destoando da
indicação majoritária da comunidade podem ter menos legitimidade e perder
aquele apoio orgânico (uso Max Weber aqui) que pode ser um diferencial no
planejamento, engajamento e envolvimento de todos ou da maioria no objetivos
institucionais e acadêmicos. E sobre o tema do provisionamento de recursos
aqui, também fico na dúvida sobre os valores dos repasses e etc. Porque isso
que acontece lá é inimaginável em uma instituição com tantos recursos humanos
qualificados atuando nela.
Tem um debate bem bom para ser
feito ai. Eu - talvez por ingenuidade ou excesso de credulidade - acredito que
a democracia fortalece uma instituição cuja racionalidade é sempre constituída
por debate e não por afinidades pessoais ou inter pares. E a participação dos
servidores, estudantes e professores nas decisões e nos debates me parece
ajudar nisto.
Tenho somente o exemplo da
instituição por onde passei, na UFRGS eu creio que a democracia tem feito muito
bem. Hoje minha visão é externa, pois estou a quase 20 anos longe da comunidade
acadêmica, mas de lá para cá tivemos eleitos Hélgio Trindade, Wrana Panizzi e
Carlos Alexandre Neto e eu creio que todos eles seguiram diretrizes e um
planejamento contínuo que sempre foi debatido na comunidade acadêmica. Fui membro
do Consun, representante de alunos no Departamento e Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas e presidente de Casa do Estudante, e tenho muito orgulho porque mesmo nas
diferenças, nos debates e nas negociações se crescia coletivamente isto se deve
à forte participação dos segmentos.
Vi muita coisa ser recuperada,
restaurada e progredir de lá para cá - com certo distanciamento - mas não tenho
dúvida de que a democracia fez bem àquela instituição. Ela sobreviveu
bravamente ao período de vacas magras do FHC e quando as coisas começaram a
melhorar com Lula, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul estava preparada
para crescer. Hoje, um ex aluno e
ex-professor daquela nossa geração é o Ministro da Educação e muitos que de lá
saíram e por lá passaram, contribuem. Não
quero ser um advogado de gauchismo, porque nãos e deve desprezar as
contribuições de outros e ficar só com os seus, mas creio muito que a
experiência democrática na universidade nossa tem sido exitosa. O nome do
projeto era muito sugestivo lá no começo: UNIVERSIDADE VIVA!
Agora me surpreende muito que as
soluções clássicas que consistem em sacrificar ao rebanho e não ao mau pastor –
como cobrar mensalidades, demitir professores e baixar salários, sejam sempre
apresentadas como um artifício vergonhoso de desresponsabilização e de entrega
ao velho modelo neoliberal que já deveria ser passadista.
Um estado como São Paulo já
chegou a este ponto em virtude do desacerto deste tipo de política e vão
repetir o modelo na solução deste grave problema?
Não se trata de um tabu ao meu
ver o impedimento a esta política tradicional, se trata de considerar inaceitável a solução que trata de não
resolver o problema e que fica menoscabando responsabilidades políticas.
Estão, na verdade, fazendo com a
USP a mesma coisa que fizeram com muitas empresas públicas, colocam em
insolvência para privatizarem, fazem má gestão para jogar a culpa no povo ou
nos cidadãos. Tudo se passa como se este vírus neoliberal tivesse tido seu
efeito retardado para a segunda década do século XXI.
Como tamanha incompetência e
incapacidade de gestão se preserva no poder? Isso é que não é trivial porque
repete o modelo, o velho modelo que entregou nas mãos dos competentes grandes
empresas e depois as privatiza pro incompetência.
E vou terminar minha lamuria
e ladainha dizendo que nem a separação do PSDB do PMDB, cuja fração gaúcha esteve bem apaixonada pelo neoliberalismo com FHC junto, resolve este enigma que
se repetiu em todo o Brasil de norte a sul, de leste a oeste. Aqui no RS com o
apoio da GRANDE MíDIA foi feito isso com muitas coisas também.
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