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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

SOBRE A FALA CONTROVERSA DA DILMA e a SOCIOLOGIA E FILOSOFIA NO CURRÍCULO

Já escrevi sobre esta entrevista antes, mas resolvi dar mais uma detalhada na interpretação a partir do conteúdo da fala da Dilma e de minhas impressões sobre os temas envolvidos. Não creio estar resolvendo a questão, mas julgo importante compartilhar minhas opiniões sobre este tema. 

A todos os meus colegas professores e professoras que de alguma forma participam do dia a dia das escolas e atuam no debate educacional, seja em Conselhos de Educação, Conselhos Escolares,  no Pacto pela educação, em programas educativos, seja no Sindicato, em Partidos e nos espaços de educação, de trabalho e de poder....

A Declaração Resumida:

"Por que criar um ensino técnico? Porque o jovem do ensino médio, ele não pode ficar com 12 matérias, incluindo nas 12 matérias, filosofia e sociologia. Não tenho nada contra filosofia e sociologia, mas um currículo com 12 matérias não atrai um jovem. Então, nós temos que primeiro ter uma reforma nos currículos e isso não é algo trivial." Dilma Rousseff

A Declaração no seu contexto integral:

"Minha querida, você não vai fazer três perguntas para mim, deixa eu acabar de responder, pelo amor de Deus, porque o debate é comigo, não é? Então, vamos embora. Olha lá, os dois anos, os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio, de fato, não estão bons. Nós não conseguimos entrar na meta. Nos últimos anos do ensino fundamental, nos aproximamos. No ensino médio, não nos aproximamos. Nós temos esse diagnóstico do ensino médio. Tanto é assim que criamos o Pronatec. O Pronatec tem duas partes, uma parte é ensino técnico. Por que criar um ensino técnico? Porque o jovem do ensino médio, ele não pode ficar com 12 matérias, incluindo nas 12 matérias, filosofia e sociologia. Não tenho nada contra filosofia e sociologia, mas um currículo com 12 matérias não atrai um jovem. Então, nós temos que primeiro ter uma reforma nos currículos e isso não é algo trivial. O governo não faz isso por decreto, porque tem todos entes federados envolvidos."

Bom Dia...li agora pela manhã todo o debate e as opiniões aqui postadas e em outros murais e fui ler as duas passagens acima, a resumida e a mais ampla para fazer a análise dos temas envolvidos e creio que fica muito claro, assim, todo o atravessamento, o contrabando de outras questões, a aleatoriedade e também a percepção muito controversa da fala da Dilma. Aliás, isso ocorreu aqui e em muitas páginas e murais de boa parte dos que postaram sobre isto.

Num primeiro momento, confesso, reagi meio atordoado à fala dela, porque é uma fala que aparece deslocada e fora de lugar ali na entrevista – o que só repetiu o que já havia ocorrido na Sabatina de O Globo também – e a fala cuja interpretação é sujeita sim a muita controversa, pois mistura muitos temas. Como alguém citou integralmente a fala acima me fica bem claro pelo contexto das questões que estamos a lidar com uma fala pressionada pela urgência e que passa a galope, no trote por vários temas. Vemos então uma candidata sofrendo barragem numa entrevista, com três questões acumuladas e mais uma para responder. Isso que mostra a baixíssima qualidade dos entrevistadores e o tom horrível como Dilma é tratada na Rede Globo.

Aparecem então diversos temas que eu gostaria de comentar com mais detalhe e mais vagar a partir da minha perspectiva própria como educador e que reflete sobre os desafios da educação e avalia cotidianamente seu trabalho e sua área de atuação.

O primeiro tema é dos anos finais do ensino médio - devo apontar aqui que o problema mais grave do ensino médio está no primeiro ano, onde a evasão é gigantesca, porque a escola concorre neste período com a força de atração do mercado e do mundo do trabalho e um adolescente que quer renda e autonomia econômica; o tema aberto ali do "entrar na meta" que me parece ficar bem deslocado porque trata da meta dos indicadores do IDEB, o que merece mais análise qualitativa do que estatística na minha opinião de educador razoavelmente bem informado vide o quadro crítico do ensino médio ser de evasão e também de uma passagem muito ruim do ensino fundamental para o médio, onde há redes municipais e estaduais a desarticulação e a falta de conexão curricular é gritante, sendo que o adolescente pula de uma rede para a outra justamente no período mais difícil de construção de sua autonomia, e se desenraiza e se perde nesta passagem; o tema do diagnóstico sempre resumido na análise que me parece superficial do ensino médio porque o debate sobre isto, de um lado, não tem envolvido os educadores da forma mais adequada e, de outro lado, nem tem se servido de pesquisas mais profundas e avançadas sobre evasão, repetência, permanência e sucesso no ensino médio, sendo em geral marcado por interpretações brutas das estatísticas e por precipitações e simplificações na análise que são  imperdoáveis para nós que temos na nossa formação as lições do Florestam Fernandes, mas mesmo assim estamos melhor hoje do que na época de FHC, onde a análise era exclusivamente tecnicista, economicista e produtivista - e seria bom que alguns que postaram certas coisas aqui se lembrassem ou tomassem conhecimento da evolução do Chiarelli para o Paulo Renato e do Cristovão para o Tarso e o Haddad, porque parecem esquecer completamente isto; o tema do Pronatec que é um Supletivo Técnico que na minha opinião é emergencial tendo em vista a necessidade de formar o mais rápido possível os jovens para o mundo do trabalho e fazer frente sim a crise econômica com mão de obra mais qualificada e mais preparada para a dinâmica do mercado, e trata-se ai para muitos jovens de criar condições de sobrevivência e em muitos casos conquistar renda superior à dos seus pais que se formaram num ciclo depressivo econômico e educacional do Brasil, nos anos 80 e 90; o tema do ensino técnico que vem à reboque disso e de uma necessidade de educar os jovens com professores cuja aplicação do conhecimento ao mundo prático é corrente, reduzindo um hiato subjetivo em muitos educadores sobre teoria e prática, base formal e aplicação, não havendo um distanciamento entre a formação, o mundo do trabalho, da ciência, da tecnologia e também o mundo da vida; o tema do excesso de matérias no ensino médio que envolve um outro debate que tratei acima no contexto do Pacto, mas que não deve ser visto como exclusão ou eliminação das disciplinas, mas sim com articulação destas disciplinas nas áreas de conhecimento o que para quem está fora da escola não significa nada, mas que requer mais consideração sobre os currículos, conteúdos, objetivos e transversalidade e interdisciplinariedade, não somente na escola, mas também na universidade, cuja síntese é bem difícil para quem tem deficit de formação em humanas ou para quem não conseguiu sair da caixinha ou da casinha ainda, mas o que, entretanto, não justifica uma síntese simplória de fica isso ou sai aquilo, nem uma síntese exclusivamente tecnicista  e muito menos uma síntese ingênua ou acrítica; noto que o problema conceitual de análise das disciplinas do ensino médio se deve também a um equívoco sobre as finalidades das disciplinas que, de um lado, sofrem com expectativas excessivas e, de outro lado, sofrem com expectativa alguma e aqui tomo a liberdade de criticar ou apontar duas áreas  cujas disciplinas percorrem todo o fundamental e, no entanto, os resultados finais são muito ruins na aprendizagem a língua estrangeira, o português e a matemática, sendo que estas duas últimas possuem, em geral, cargas horárias superiores à todas as demais disciplinas; ainda agrego o fato da Matemática ser tomada como uma área somente e não ter sido articulada com as demais ciências, Física, Química, Biologia, cuja base formadora e fundadora na modernidade - simplificando com autorização e licença dos especialistas em história e filosofia da ciência - em que a ciência moderna consistiu justamente na matematização dos fenômenos e que portanto a matemática deve ser ensinada pari passu com as demais disciplinas, dando respostas formais ou respondendo aos desafios destas ciências; na língua portuguesa o gramaticalismo ainda é dominante, a literatura e a escritura são muito desprezadas - no meu caso me vejo na situação de um professor de filosofia que faz mais redações do que muitos outros educadores e pugno o tempo todo por ampliar a realização de redações em todas as disciplinas e construir formulações narrativas nas disciplinas formais; e o tema da reforma dos currículos que envolve não somente todos os entes federados, mas como disse Dilma no seu discurso de posse: “...só existirá ensino de qualidade se o professor e a professora forem tratados como as verdadeiras autoridades da educação..." e espero que ninguém a tenha convencido do contrário nos últimos 3 anos e 9 meses, pois é preciso reconhecer que esta declaração tem nos eu bojo o maior alento aos educadores do Brasil.   

Este é o melhor caminho para superar, portanto, a atual condição da educação fragmentada, desorganizada e desarticuladas entre as disciplinas, os níveis de ensino, as redes de ensino, a formação e o exercício da profissão, e  também sem a participação ativa e responsável dos país na educação dos filhos.

A apresentação deste problema mostra que a solução para educação, não é simples, não é só técnica, mas sim a construção de um processo dialogado e racional com todos os envolvidos.

Para terminar meu arrazoado, creio que a fala da Dilma na entrevista pode ser sim considerada na pior hipótese um tiro no pé, mas para mim é um típico escorregão numa casca de banana deixada pela assessoria dela no tema e é também reflexo de uma abordagem ao problema que é tecnicista na forma, mas sem conteúdo político e prático.

Há um erro de origem na forma como a posição dela é apresentada. O problema não são as disciplinas e o seu excesso, mas é a desorganização das disciplinas e o verdadeiro caos em que se encontra a formação acadêmica de quase todas as disciplinas. Com todo respeito me parece haver um excesso de fique à vontade ou laisser faire no nível superior e um currículo artificial e não integrado em todos os níveis. Não há discussão inter-pares sobre isso e o que temos são ondas de especialistas e técnicos dando parecer para lá para cá, com pouco e escasso debate público. O desafio de dar conta do diverso não deveria dar ouvidos ao recurso de suprimi-lo como uma solução fácil ao nó górdio, porque você não consegue resolver corta fora e diminui.

Este debate é importantíssimo e não pode ser resumido a duas disciplinas fazerem ou não parte do conjunto ou do quadro de matérias. Creio que é preciso pautar isso com muito mais seriedade o que o programa de entrevistas e outros fóruns não permitem e nem ajudam na discussão que fica prisioneira do simplismo e do senso comum.

E o fato das palavras fora de contexto de Dilma terem tido o efeito de deixar despertadas todas as seitas e teses da educação mostram bem isso.

Desta forma, com todo respeito à equipe da educação e do programa de governo, mas estão rateando no tema e o colega Francisco Xarão lembrou bem que a discussão nacional via conferencia nacional da educação já tratou e bem deste tema com um outro viés. Cito ele falando da Dilma: “Ela não vai tocar adiante qualquer mudança que contrarie as decisões das conferências de educação. Soube inclusive (me corrijam se estiver errado) que as conferências que ocorreriam em 2013 foram suspensas aguardando a aprovação do PNE. Primeira pauta no inicio de 2015 é retomar a organização das conferências para em 2016 iniciar a implantar as mudanças decididas pela população. Sim...nas conferências de 2010 foi feito este debate e o pau cantou. O que se acordou entre as várias correntes (porque tem proposta pra mudar pra tudo que é gosto) é que ao MEC cabe apenas publicar diretrizes nacionais e promover projetos políticos pedagógicos que os implementem com inovação e eficácia social.”

A entrevista ou debate do atual ministro Paim Fernandes da educação na Globo News mostra o quanto a nova síntese necessária é difícil, mas também dá um indício de como superá-la.

Quando vemos que  falta clareza em certas posições devemos sempre perguntar porque isso ocorre e eu tendo a não desprezar estas confusões, principalmente quando elas retratam a dificuldade de todos para tratar do tema.

Temos sim que debater muito mais...fecho com citação integral da posse de Dilma para ulteriores considerações:

“...só existirá ensino de qualidade se o professor e a professora forem tratados como as verdadeiras autoridades da educação, com formação continuada, remuneração adequada e sólido compromisso dos professores e da sociedade com a educação das crianças e dos jovens.

Somente com avanço na qualidade de ensino poderemos formar jovens preparados, de fato, para nos conduzir à sociedade da tecnologia e do conhecimento.”


Trecho do discurso de Posse de Dilma Roussef na Câmara do Deputados em 01 de janeiro de 2011.

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