Meu caro Renato eu creio que este
debate a partir dos exemplos postos na entrevista da Dilma sobre Filosofia e
Sociologia no ensino médio está atravessado. Esta discussão começa no Pacto
pelo Ensino Médio na integração das áreas e também desde os PCNs no planejamento
do ensino por objetivos. Creio que Dilma não por não saber, mas por não dominar
o tema em detalhe não ajudou ao tratar disto an passant e de forma incompleta
assim como foi ao ar nas duas entrevistas - sabatina e matinal - dela. Porém é
preciso reconhecer que é o governo dela que está levantando este debate todo em
todo o ensino médio brasileiro através do Pacto.O excesso de disciplinas na
minha opinião envolve muito mais um problema de organização cognitiva e
temporal dos alunos - que precisam ultrapassar o ensino de passagem e pouco
integrado e de integração, interface, articulação e relação entre os métodos e
os objetivos das diversas áreas (4) de conhecimento, bem como, também uma
decisão que devemos tomar em duas frentes uma prática e outra teórica. Na
frente prática o tema do ensino integral e da dedicação exclusiva dos jovens
brasileiros entre 14 e 21 anos aos estudos, sejam eles técnicos ou
politécnicos. E na dimensão teórica o desafio que se impõe de integrar áreas e
disciplinas cujos registros são discursivos ou formais. É preciso traduzir
orações em fórmulas e fórmulas em orações. Exemplificando, os jovens precisam
aprender a calcular e a traduzir em termos descritivos seus cálculos e também
precisam aprender a escrever e traduzir em termos formais seus discursos,
narrativas e descrições. Quando a gente fala em trabalhar conteúdos mais
práticos e aplicados isso também está em jogo e ao contrário do que o senso
comum pensa , aquele que sempre tenta simplificar e resumir o conhecimento teórico
à meia dúzia de notas, é preciso muita teoria e uma boa base teórica para
traduzir adequadamente os conhecimentos. E isso é o que eu creio que anda
faltando em algumas formações e carreiras - licenciaturas de humanas e de
exatas se ressentem disto. Estamos fazendo a experiência na nossa área de
humanas e descobrimos que conseguimos ir articulando, compartilhando e
problematizando muito bem os conteúdos e objetivos a partir de um fio condutor
histórico nos três anos do ensino médio. Começamos isto no ano passado e já se
percebem avanços claros entre muitos alunos em uma compreensão mais integrada e
não superficial dos diferentes ramos do conhecimento - Filosofia, Sociologia,
Geografia e História. O próximo passo é propor certa forma de integração por um
fio condutor histórico às demais disciplinas de modo a se estudar também as
ciências, as letras e as artes, em suas linguagens mais formais ou menos também
a partir de um ciclo de desenvolvimento do conhecimento do mais simples para o
mais complexo. Eu ainda sonho iniciar o ensino de ciências via pré-socráticos
até as ciências modernas dos primeiros aos segundos anos de forma articulada
com os demais professores. Não para dizer que houve um crescimento linear e
ingênuo, sem rupturas, mas justamente para mostrar, debater e avançar nesta
história dos erros e dos acertos da história das ciências. Minha esposa é
matemática e fazem apenas dois anos que encontramos o primeiro livro de
história da matemática escrito em língua portuguesa e você deve saber - como muitos
dos demais colegas meus de todas as áreas - o que significa isso. Vou ainda
dizendo que a questão não é eliminar disciplinas, mas ganhar mais tempo,
organizar melhor e articular melhor os conhecimentos para realizar uma
aprendizagem não fragmentada, nem superficial do conhecimento, com tempos para
lazer, cuidado e também arte ma escola do futuro. E eu creio que vamos
construir isto. Mas, esta fantasia de alguns filósofos e pedagogos de um
monópolio do pensamento ou qualquer forma de visão tecnicista anda com certeza
na contramão disto e da superação do atual estágio da educação brasileira.
Estes dias fiquei conversando sobre o que gerou esta fragmentação toda. Eu
creio que foi este período que a educação brasileira namorou com o
construtivismo, sem bases teóricas suficientes para brincar na organização dos
conteúdos. E, então, uma classe inteira de educadores que já não vinha com uma
formação excelente teve o pouco conhecimento organizado, desorganizado
completamente. O que faz com que muitas áreas dependam de uma espécie de
cátedras oficiais para se manterem organizadas e defesas. E este episódio ainda
foi combinado por um profundo namoro de muitos intelectuais com os
pós-modernismos, o que é apenas a versão riponga e retardada da visão power
flower na educação. E tal acontecimento ainda teve o agravante de ocorrer
justamente no período neoliberal em que era preconizado o estado mínimo e a
ideologia neoliberal, cuja versão no individualismo é a indiferença e o pouco
apreço pela ação coletiva. Como tudo isso bateu na educação, merece maior
aprofundamento. Mas eu creio sinceramente que estamos caminhando numa direção
oposta com o Pacto e os programas do governo federal, sendo necessário ampliar
a escuta e os feed backs para qualificar o debate e avançar mais na recuperação
da educação pública brasileira. Disse tanta coisa aqui que provavelmente devo
me resguardar um pouco e pedir a generosidade dos demais ao derrame. Nenhuma
outra área tem mais provocações a trazer ao panorama atual, na minha opinião,
do que as humanas, porque todo o nó se encontra justamente no eixo histórico e
numa necessidade de auto-compreensão dos educadores no cenário atual, com bem
mais transversalidade entre universidades e escolas e de forma bem mais séria
do que apenas cumprir cartelas como alguns fazem hoje em relação aos diversos
programas federais. O que os PIBIDIANOS da filosofia tem a dizer sobre isto
tudo? Só para ficar num exemplo interno às nossas disciplinas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário