Já escrevi sobre esta entrevista
antes, mas resolvi dar mais uma detalhada na interpretação a partir do conteúdo da
fala da Dilma e de minhas impressões sobre os temas envolvidos. Não creio estar resolvendo a questão, mas julgo importante compartilhar minhas opiniões sobre este tema.
A todos os meus colegas
professores e professoras que de alguma forma participam do dia a dia das
escolas e atuam no debate educacional, seja em Conselhos de Educação, Conselhos
Escolares, no Pacto pela educação, em
programas educativos, seja no Sindicato, em Partidos e nos espaços de educação,
de trabalho e de poder....
A Declaração Resumida:
"Por que criar um ensino
técnico? Porque o jovem do ensino médio, ele não pode ficar com 12 matérias,
incluindo nas 12 matérias, filosofia e sociologia. Não tenho nada contra
filosofia e sociologia, mas um currículo com 12 matérias não atrai um jovem.
Então, nós temos que primeiro ter uma reforma nos currículos e isso não é algo
trivial." Dilma Rousseff
A Declaração no seu contexto
integral:
"Minha querida, você não vai
fazer três perguntas para mim, deixa eu acabar de responder, pelo amor de Deus,
porque o debate é comigo, não é? Então, vamos embora. Olha lá, os dois anos, os
anos finais do ensino fundamental e o ensino médio, de fato, não estão bons.
Nós não conseguimos entrar na meta. Nos últimos anos do ensino fundamental, nos
aproximamos. No ensino médio, não nos aproximamos. Nós temos esse diagnóstico
do ensino médio. Tanto é assim que criamos o Pronatec. O Pronatec tem duas
partes, uma parte é ensino técnico. Por que criar um ensino técnico? Porque o
jovem do ensino médio, ele não pode ficar com 12 matérias, incluindo nas 12
matérias, filosofia e sociologia. Não tenho nada contra filosofia e sociologia,
mas um currículo com 12 matérias não atrai um jovem. Então, nós temos que
primeiro ter uma reforma nos currículos e isso não é algo trivial. O governo
não faz isso por decreto, porque tem todos entes federados envolvidos."
Bom Dia...li agora pela manhã
todo o debate e as opiniões aqui postadas e em outros murais e fui ler as duas
passagens acima, a resumida e a mais ampla para fazer a análise dos temas
envolvidos e creio que fica muito claro, assim, todo o atravessamento, o
contrabando de outras questões, a aleatoriedade e também a percepção muito
controversa da fala da Dilma. Aliás, isso ocorreu aqui e em muitas páginas e
murais de boa parte dos que postaram sobre isto.
Num primeiro momento, confesso,
reagi meio atordoado à fala dela, porque é uma fala que aparece deslocada e fora
de lugar ali na entrevista – o que só repetiu o que já havia ocorrido na Sabatina
de O Globo também – e a fala cuja interpretação é sujeita sim a muita
controversa, pois mistura muitos temas. Como alguém citou integralmente a fala
acima me fica bem claro pelo contexto das questões que estamos a lidar com uma
fala pressionada pela urgência e que passa a galope, no trote por vários temas.
Vemos então uma candidata sofrendo barragem numa entrevista, com três questões
acumuladas e mais uma para responder. Isso que mostra a baixíssima qualidade
dos entrevistadores e o tom horrível como Dilma é tratada na Rede Globo.
Aparecem então diversos temas que
eu gostaria de comentar com mais detalhe e mais vagar a partir da minha
perspectiva própria como educador e que reflete sobre os desafios da educação e
avalia cotidianamente seu trabalho e sua área de atuação.
O primeiro tema é dos anos finais
do ensino médio - devo apontar aqui que o problema mais grave do ensino médio
está no primeiro ano, onde a evasão é gigantesca, porque a escola concorre
neste período com a força de atração do mercado e do mundo do trabalho e um
adolescente que quer renda e autonomia econômica; o tema aberto ali do
"entrar na meta" que me parece ficar bem deslocado porque trata da
meta dos indicadores do IDEB, o que merece mais análise qualitativa do que
estatística na minha opinião de educador razoavelmente bem informado vide o quadro
crítico do ensino médio ser de evasão e também de uma passagem muito ruim do
ensino fundamental para o médio, onde há redes municipais e estaduais a
desarticulação e a falta de conexão curricular é gritante, sendo que o
adolescente pula de uma rede para a outra justamente no período mais difícil de
construção de sua autonomia, e se desenraiza e se perde nesta passagem; o tema
do diagnóstico sempre resumido na análise que me parece superficial do ensino
médio porque o debate sobre isto, de um lado, não tem envolvido os educadores
da forma mais adequada e, de outro lado, nem tem se servido de pesquisas mais
profundas e avançadas sobre evasão, repetência, permanência e sucesso no ensino
médio, sendo em geral marcado por interpretações brutas das estatísticas e por
precipitações e simplificações na análise que são imperdoáveis para nós que temos na nossa
formação as lições do Florestam Fernandes, mas mesmo assim estamos melhor hoje
do que na época de FHC, onde a análise era exclusivamente tecnicista, economicista
e produtivista - e seria bom que alguns que postaram certas coisas aqui se
lembrassem ou tomassem conhecimento da evolução do Chiarelli para o Paulo
Renato e do Cristovão para o Tarso e o Haddad, porque parecem esquecer
completamente isto; o tema do Pronatec que é um Supletivo Técnico que na minha
opinião é emergencial tendo em vista a necessidade de formar o mais rápido
possível os jovens para o mundo do trabalho e fazer frente sim a crise
econômica com mão de obra mais qualificada e mais preparada para a dinâmica do
mercado, e trata-se ai para muitos jovens de criar condições de sobrevivência e
em muitos casos conquistar renda superior à dos seus pais que se formaram num
ciclo depressivo econômico e educacional do Brasil, nos anos 80 e 90; o tema do
ensino técnico que vem à reboque disso e de uma necessidade de educar os jovens
com professores cuja aplicação do conhecimento ao mundo prático é corrente,
reduzindo um hiato subjetivo em muitos educadores sobre teoria e prática, base
formal e aplicação, não havendo um distanciamento entre a formação, o mundo do
trabalho, da ciência, da tecnologia e também o mundo da vida; o tema do excesso
de matérias no ensino médio que envolve um outro debate que tratei acima no
contexto do Pacto, mas que não deve ser visto como exclusão ou eliminação das
disciplinas, mas sim com articulação destas disciplinas nas áreas de
conhecimento o que para quem está fora da escola não significa nada, mas que
requer mais consideração sobre os currículos, conteúdos, objetivos e transversalidade
e interdisciplinariedade, não somente na escola, mas também na universidade,
cuja síntese é bem difícil para quem tem deficit de formação em humanas ou para
quem não conseguiu sair da caixinha ou da casinha ainda, mas o que, entretanto,
não justifica uma síntese simplória de fica isso ou sai aquilo, nem uma síntese
exclusivamente tecnicista e muito menos
uma síntese ingênua ou acrítica; noto que o problema conceitual de análise das
disciplinas do ensino médio se deve também a um equívoco sobre as finalidades
das disciplinas que, de um lado, sofrem com expectativas excessivas e, de outro
lado, sofrem com expectativa alguma e aqui tomo a liberdade de criticar ou
apontar duas áreas cujas disciplinas
percorrem todo o fundamental e, no entanto, os resultados finais são muito
ruins na aprendizagem a língua estrangeira, o português e a matemática, sendo
que estas duas últimas possuem, em geral, cargas horárias superiores à todas as
demais disciplinas; ainda agrego o fato da Matemática ser tomada como uma área
somente e não ter sido articulada com as demais ciências, Física, Química,
Biologia, cuja base formadora e fundadora na modernidade - simplificando com
autorização e licença dos especialistas em história e filosofia da ciência - em
que a ciência moderna consistiu justamente na matematização dos fenômenos e que
portanto a matemática deve ser ensinada pari passu com as demais disciplinas,
dando respostas formais ou respondendo aos desafios destas ciências; na língua
portuguesa o gramaticalismo ainda é dominante, a literatura e a escritura são
muito desprezadas - no meu caso me vejo na situação de um professor de
filosofia que faz mais redações do que muitos outros educadores e pugno o tempo
todo por ampliar a realização de redações em todas as disciplinas e construir
formulações narrativas nas disciplinas formais; e o tema da reforma dos
currículos que envolve não somente todos os entes federados, mas como disse
Dilma no seu discurso de posse: “...só existirá ensino de qualidade se o
professor e a professora forem tratados como as verdadeiras autoridades da
educação..." e espero que ninguém a tenha convencido do contrário nos últimos
3 anos e 9 meses, pois é preciso reconhecer que esta declaração tem nos eu bojo
o maior alento aos educadores do Brasil.
Este é o melhor caminho para
superar, portanto, a atual condição da educação fragmentada, desorganizada e
desarticuladas entre as disciplinas, os níveis de ensino, as redes de ensino, a
formação e o exercício da profissão, e
também sem a participação ativa e responsável dos país na educação dos
filhos.
A apresentação deste problema
mostra que a solução para educação, não é simples, não é só técnica, mas sim a
construção de um processo dialogado e racional com todos os envolvidos.
Para terminar meu arrazoado,
creio que a fala da Dilma na entrevista pode ser sim considerada na pior
hipótese um tiro no pé, mas para mim é um típico escorregão numa casca de
banana deixada pela assessoria dela no tema e é também reflexo de uma abordagem
ao problema que é tecnicista na forma, mas sem conteúdo político e prático.
Há um erro de origem na forma
como a posição dela é apresentada. O problema não são as disciplinas e o seu
excesso, mas é a desorganização das disciplinas e o verdadeiro caos em que se
encontra a formação acadêmica de quase todas as disciplinas. Com todo respeito
me parece haver um excesso de fique à vontade ou laisser faire no nível
superior e um currículo artificial e não integrado em todos os níveis. Não há
discussão inter-pares sobre isso e o que temos são ondas de especialistas e
técnicos dando parecer para lá para cá, com pouco e escasso debate público. O
desafio de dar conta do diverso não deveria dar ouvidos ao recurso de suprimi-lo
como uma solução fácil ao nó górdio, porque você não consegue resolver corta
fora e diminui.
Este debate é importantíssimo e
não pode ser resumido a duas disciplinas fazerem ou não parte do conjunto ou do
quadro de matérias. Creio que é preciso pautar isso com muito mais seriedade o
que o programa de entrevistas e outros fóruns não permitem e nem ajudam na
discussão que fica prisioneira do simplismo e do senso comum.
E o fato das palavras fora de
contexto de Dilma terem tido o efeito de deixar despertadas todas as seitas e teses
da educação mostram bem isso.
Desta forma, com todo respeito à
equipe da educação e do programa de governo, mas estão rateando no tema e o
colega Francisco Xarão lembrou bem que a discussão nacional via conferencia
nacional da educação já tratou e bem deste tema com um outro viés. Cito ele
falando da Dilma: “Ela não vai tocar adiante qualquer mudança que contrarie as
decisões das conferências de educação. Soube inclusive (me corrijam se estiver
errado) que as conferências que ocorreriam em 2013 foram suspensas aguardando a
aprovação do PNE. Primeira pauta no inicio de 2015 é retomar a organização das
conferências para em 2016 iniciar a implantar as mudanças decididas pela
população. Sim...nas conferências de 2010 foi feito este debate e o pau cantou.
O que se acordou entre as várias correntes (porque tem proposta pra mudar pra
tudo que é gosto) é que ao MEC cabe apenas publicar diretrizes nacionais e
promover projetos políticos pedagógicos que os implementem com inovação e
eficácia social.”
A entrevista ou debate do atual
ministro Paim Fernandes da educação na Globo News mostra o quanto a nova
síntese necessária é difícil, mas também dá um indício de como superá-la.
Quando vemos que falta clareza em certas posições devemos
sempre perguntar porque isso ocorre e eu tendo a não desprezar estas confusões,
principalmente quando elas retratam a dificuldade de todos para tratar do tema.
Temos sim que debater muito
mais...fecho com citação integral da posse de Dilma para ulteriores
considerações:
“...só existirá ensino de
qualidade se o professor e a professora forem tratados como as verdadeiras
autoridades da educação, com formação continuada, remuneração adequada e sólido
compromisso dos professores e da sociedade com a educação das crianças e dos
jovens.
Somente com avanço na qualidade
de ensino poderemos formar jovens preparados, de fato, para nos conduzir à
sociedade da tecnologia e do conhecimento.”
Trecho do discurso de Posse de
Dilma Roussef na Câmara do Deputados em 01 de janeiro de 2011.