Amor, Cognição e Ceticismo
Como posso saber que o outro me ama de verdade? Por qual indício posso ter certeza sobre isso? Dúvida atroz. Como posso crer nele ou nela quando me diz: Eu te amo! Sim, eu sei e eu também. Jamais saberei ou posso saber por alguns instantes? O amor é inconstante, é um sentimento de altos e baixos, irregular e instável, descontínuo e oscilante? Qual a diferença, afinal, que me indica a certeza? Qual critério de reconhecimento eu uso e possuo para me certificar. Bem, mas eu prefiro ter esperanças, mas há sempre alguém que não se satisfaz com isso e as vezes este alguém desperta em mim.
Por uma decepção ou frustração insuportável. Surge uma incerteza e aquela fé quase inabalável resta em ruínas, e as vezes nem isso. As vezes observo isto como observo por alguns instantes aqueles filmes de guerra de minha infância, os aviões rugindo, as sirenes tocando e bombardeiros em formação despejando bombas que vão caindo. Sei no que isso vai dar. Você também tem a franca sensação de que algo lá embaixo vai explodir, vai acabar. O ruído como um prenúncio do fim. Como é que eu sei? No fundo não sei. Tenho apenas uma opinião, uma vaga intuição. É, então, muito difícil saber se o outro ou a outra me ama mesmo. Por melhores que sejam os momentos, os sinais, as impressões e sensações. Vezenquando ocorre que há um logro, algo dá errado, me engano, me iludo.
Nenhum de nós aceitaria os critérios de outrem para se certificar do amor do outro. Em alguns casos fazemos a crítica dura antes mesmo da expressão mais pura do amor. Olho para o outro que me afirma amar e ser amado. Ora vejo que ela é muito piedosa, sonhadora ou romântica. Este império da incerteza produz aquelas mulheres fatais, aquelas que se armam para não serem logradas. Lograr para não ser logrado. E assim alguns passam de caçadores a caças. Armadilhas muito sutis, teias cerzidas com cuidado, redes muito finas, por vezes grossas – para peixes graúdos, as vezes grosseiras, envolvem suas vítimas. Mas quem é a vítima? Senão você mesmo que ao refletir conclui também que não tem certeza. A gente aprende a conviver bem com isso, essa situação, esse embaraço disfarçado em laço.
Assim, mesmo desse jeito, desistimos dessa interrogação perturbadora e passamos logo – logo, a perguntar não mais pelo outro, mas sim à nós mesmos: Mas eu amo esta pessoa? Qual critério uso para ter certeza sobre este tão nobre sentimento que parece habitar em mim. Como posso saber? E daí temos quase o mesmo problema de novo. Qualquer um de nós deve aceitar com facilidade que é mas fácil saber de si do que do outro neste e em outros assuntos. Afinal, há uma facilidade de acesso. Isso porque só nos possuímos um acesso franqueado e direto à nossa própria interioridade. Temos um passe livre à nós mesmos. E isto é indiscutível. Porém o meu pressuposto aí tem um quê de generosidade. Aquele lugar onde habitam os nossos sentimentos, gostos, sonhos, desejos e fantasias, de um lado, onde moram nossas idéias, ideais, fatos, objetivos e projetos, de outro lado. Mas este lugar não é um território tão loteado e esquadrinhado assim. Olho para dentro de mim e não vejo essa ordem tão estável. Não vejo pares de opostos racionais e emocionais. Está tudo lá, mas está tudo lá bem misturado. O que na expressão me é fácil, selecionar a palavra e o colorido emocional, o rigor e a precisão na expressão, lá dentro, confesso, vejo uma bagunça. Não dá para dizer que cada coisa tem o seu quadrado, que a prateleirinha é organizada.
Tanto faz, é meu ora! Ninguém precisa saber disto! Afinal, posso escolher as palavras e omitir alguns sentimentos ou turbilhões da alma. Assim, eu sei o que sinto por você melhor que qualquer outro. Eu sei! Mas posso estar errado?
Quem já viu um olhar apaixonado, já testemunhou um frenesi instantâneo sabe que nem sempre é assim mesmo. Parece, parece, mas não é por isso que é amor. Mas o que é o amor. Ocorre que alguns só descobrem a paixão por testemunhos de outros e custam até a acreditar ou reconhecer. Você está amando. Me diz a pessoa ao lado. Mas eu nem tinha percebido isto! Mas, então, o que fazer? Não sei se me ama, não sei se amo, e aí? Resolvo parar de pensar nisso. Silencio a dúvida que habita o meu coração e que perturba minha mente. Aceito que não posso saber e passo a aceitar isto assim mesmo. Sem saber vou adiante. Sem certezas prossigo. Acho que, na verdade, somos muito bonzinhos, bondosos até. É, assim o amor: uma dádiva. Refratária e resistente frente à minha reflexão.
Fim
PS.: a dúvida que só perturba os culpados, pecadores e frágeis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário