"- Você não está seguro do
que diz? Vai novamente mudar, deslocar-se em relação às questões que lhe são
colocadas, dizer que as objeções não apontam realmente para o lugar em que você
se pronuncia? Você se prepara para dizer, ainda uma vez, que você nunca foi
aquilo que era, você se critica? Você já arranja a saída que lhe permitirá, em
seu próximo livro, ressurgir em outro lugar e zombar como o faz agora: não,
não, eu não estou onde você me espreita, mas aqui de onde o observo rindo.
- Como?! Você pensa que eu teria
tanta dificuldade e tanto prazer em escrever, que eu me teria obstinado nisso,
cabeça baixa, se não preparasse - com as mãos um pouco febris - o labirinto
onde me aventurar, deslocar meu propósito, abrir-lhe subterrâneos, enterrá-lo
longe dele mesmo, encontrar-lhe desvios que resumem e deformam seu percurso,
onde me perder e aparecer, finalmente, diante de olhos que eu não terei mais
que encontrar? Vários, como eu, sem dúvida, escrevem para não ter mais um
rosto. Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo: é uma
moral de estado civil; ela rege nossos papéis. Que ela nos deixe livres quando
se trata de escrever."
MICHEL FOUCALT. ARQUEOLOGIA DO
SABER. Introdução, p. 20.
tradução de Luis Felipe Baeta
Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
Nenhum comentário:
Postar um comentário