"É somente a história de
nossas generosidades que torna este mundo tolerável. Não fosse por isso, pelos
efeitos de palavras generosas, olhares generosos, cartas generosas...eu me
sentiria inclinado a imaginar que nossa vida é uma peça que nos pregaram com o
pior gosto possível."
Robert Louis Stevenson
Esta citação encaixa
perfeitamente no que eu ando pensando sobre as possibilidades de manter a nossa
humanidade e as relações entre os seres humanos em bom termo e sobre como
mantemos, com mudanças e sem desastres maiores, apesar das tragédias, acidentes
e fatalidades, nossas vidas em comum. Encaixa também no desafio constante de
suportar e superar as dificuldades da vida e dos nossos ofícios sociais e
mostra uma espécie de princípio de ação e de modo de ação perante a realidade e
os nossos próximos, estranhos ou incompreendidos.
E me toca mais ainda agora e
também pelo fato de que deveria ou é muito desejável que exista alguma coisa
que tornasse tudo que vemos, ouvimos, sofremos, fazemos e vivemos, mais
suportável e com mais sentido. Pois também observo na generosidade a atitude
com tal poder como Stevenson mas vejo nela um alcance superior.
E eu sei que ali onde há
resistência e reação de qualidade, com valores e concepção e muita prática, aos
absurdos perpretados e sofridos pelos seres humanos e contra os seres humanos
neste mundo, deve haver alguém ou mais de uma pessoa que aborda a realidade com
certa esperança e com extrema dedicação. Sei que se tornar - não por anestesia
ou fantasia - a realidade mais suportável, colocar as dificuldades em sua medida
mais exata e superar é algo bom para todos. Sei também que - não pela pressão
das necessidades que é até suportável - mas pela cadeia intensa e muito
composta de crises que uma vida adulta acaba por enfrentar por responsabilidade
e se socorrendo da maior lucidez e solidariedade possível aparece certa
generosidade que nos ajuda.
Todos devem ter tido a
experiência um dia de receber tal coisa sob a forma de compreensão, apoio,
socorro e tranquilidade de outra pessoa em certos momentos difíceis ou de
sufoco. A gente olha para a pessoa e para si mesmo e tem uma espécie de golfada
de ar e oxigênio que nos faz retomar ou redirecionar nossa atitude em relação
àquela dificuldade.
A generosidade que Stevenson
parece apontar ai é algo identificável sim, que parte de endereço certo e nós
sabemos todos ou deveríamos saber e perceber o seu valor e sua medida de
importância em nossas vidas.
Ainda há, sabemos aqueles que não
entendem isto, não reconhecem isto e não aceitam, isto. Tenho muita pena das
pessoas que são cegas para este aspecto, que não percebem seus efeitos e que
não tomam disto a lição de que ser generoso é uma disposição necessária à nossa
saúde mental e vida social. Mesmo com aqueles que erram, que reincidem, repetem
o erro e também que desencaminham ou desrespeitam sempre cabe uma atitude de
virar a página e ser generosos, porque isso sempre há de melhorar os ânimos
acalmar os espíritos mais perturbados pelo carrossel de emoções e tocar nas
almas dormentes que vivem sob a intensa direção de um egoísmo indiferente ou
cego para a nossa dependência social e dos outros.
E, além disso, há para mim uma
outra generosidade, esta pequena generosidade cotidiana que acontece aqui e ali
ao longo dos dias, a generosidade de anônimos, a generosidade que não diz seu nome
nem assina no final, a generosidade que muitas vezes parece oculta em um juízo
ou decisão, aquela generosidade que permeia um juízo ou decisão coletiva que
leva a um conceito generoso e esperançoso.
Nós - falo aqui a partir da minha
categoria profissional - que lecionamos e que lidamos com crianças, jovens e
adultos, que temos colegas que vivem situações de crise e mesmo nós que vivemos
situações de crise - nosso exemplo e situação salarial atual é algo muito
desesperador para nós - aprendemos na escola a compreender, analisar e superar
as situações, aprendemos a registrar as situações e a virar as páginas dos
registros, dando sempre oportunidade para a recomposição e a retomada de uma
relação em patamares ou sob condições melhores. Vivemos a necessidade
permanente de ser generosos e compreensivos, resistimos todos ao impulso fácil
de descarte ou abandono dos outros seres humanos. Encaramos situações em que
temos vontade de correr na direção oposta e nunca mais lidar com aquilo, mas
aprendemos a enfrentar e eu penso mesmo que só a generosidade para com os
outros seres humanos, calcada numa certa esperança de dias melhores e, também,
no meu caso isso é muito marcante e decisivo, porque eu sei que se existem
problemas podem haver problemas piores e sempre tento diminuir o "tamanho
do monstro" como uma atitude psicológica inicial para adequar minhas
emoções e minha resposta à necessidade real e objetiva, não respondendo mais
tão rapidamente guiado por opiniões ou sentimentos excessivos ou exagerados.
Sim, eu imagino que a
generosidade deva aparecer e ser posta como princípio de correção e de
equilíbrio, de senso de medida e adequação em muitos juízos nossos - evitando
os já conhecidos e discutidos por mim em várias situações absurdos decorrentes
de uma tentativa de julgar o mundo,a s pessoas e as coisas a partir de
princípios, metas e exigências absolutas e inegociáveis - e até mesmo em
pleitos eleitorais, quando as pessoas em sua maioria guiam seus juízos por algo
deste tipo.
E esta generosidade me parece ser
fundamental para a aplicação de algo como um princípio de correção e justiça,
adequação e cuidado, com os outros e com valores, com vidas e humores, como
projetos e programas e é o que me parece dar alento, me dar um certo fôlego
repentino à nossa gigantesca esperança de um mundo melhor. E é tal generosidade
que há de reparar muitos erros cometidos e que não precisam ser apontados todos
os dias como forma de ampliar a tortura e a culpa daqueles que estão como nós
tentando entender, acertar e viver, apesar de seu parco impulso generoso,
compreensivo e determinado.
Avançando e concluindo a metáfora
aqui: nós parecemos seres em um oceano que antes de sermos completamente
afogados e nos perdermos nas profundezas do mar, recebemos um sopro de ar e de
vida que nos faz continuar a nadar e procurar uma direção para nossas vidas. E
com generosidade, mais paciência, sabedoria e inteligência será mais fácil
suportar a travessia, chegar em terra e retomar uma vida menos prejudicada e
menos abalada por percalços ou turbilhões de nossa existência. Assim, a
generosidade é também um gesto de amor ao próximo e para si mesmo, porque há de
ser mais feliz aquele que se mantem haja o que houver como capitão de sua alma
e no governo de sua vida.
Bom Domingo, para aqueles que
ainda tem generosidade e esperanças!
Obs.: a citação de Stevenson
encontra-se em JAMISON, Kay Redfield. Mentes Inquietas, p. 174. op. cit. outros
dias por aqui.
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