Com minha leitura rápida e
brejeira, que talvez seja ingênua no tema, fiquei pensando na relação entre os
dois hemisférios como uma relação de duplicidade, espelhada ou não espelhada,
com dependência ou independência e me lembrei da relação complementar entre
nossas duas mãos ou duas pernas e também da nossa capacidade operacional com
uma mão só ou uma perna só (pulando!). Me coloquei pensando também na
consciência ocultada e no genial problema dela poder reaparecer ou como
incidiria sobre a consciência ativa. Espero ansiosamente as respostas do David
Chalmers. Muito interessante...
“David, tenho uma pergunta sobre
a consciência na qual o que está em jogo parece mais do que filosófico. Espero
que você não se incomode por ela ser um pouco maior que algumas das outras
perguntas. É sobre meu filho. Ele está passando bem depois de uma
hemisferectomia (do hemisfério direito), que foi necessária para parar com uma
epilepsia catastrófica. Como você provavelmente sabe, essa operação é indicada
quando convulsões intratáveis estão restritas a um hemisfério, para permitir
que o hemisfério ‘bom’ se desenvolva normalmente. Hemisferectomias agora são
normalmente realizadas sem que de fato se remova a maior parte do hemisfério
afetado; em vez disso ele é ‘meramente’ desconectado do hemisfério bom e do
tronco cerebral. Uma vez desconectado (com parte do lobo temporal removida no
processo, para permitir que o cirurgião faça a desconexão) o hemisfério afetado
continua a apresentar atividade em uma EEG (eletroencefalografia), incluindo
convulsões.
Crianças podem ficar muito bem
depois da operação; conhecemos (em um retiro anual e uma conferência para
famílias afetadas) cerca de 80 outras crianças, incluindo algumas que se
graduadaram em faculdades. Claramente meu filho e seus colegas têm consciência
apesar de seus cérebros consistirem em um hemisfério em vez de dois. Eles não
parecem ter nem um pouco a menos de consciência que aqueles de nós que têm dois
hemisférios, e a plasticidade desempenha um grande papel nas suas recuperações
ainda que existam alguns efeitos cognitivos permanentes, como você esperaria.
Minha pergunta é sobre o
hemisfério desconectado, ainda eletricamente ativo, mas isolado do resto do corpo
e da maioria, se não de todo, estímulo sensorial. Dado que sabemos que um
hemisfério é suficiente para sustentar a consciência (pela evidência dos
pacientes com consciência pós-hemisferectomia), devemos concluir que talvez o
hemisfério isolado, mesmo com partes faltantes ou danificadas pela cirurgia
invasiva, retém o potencial de alguma consciência independente? Afinal, ele
continua ativo, como determinado pelas leituras de EEG; continua sendo
alimentado por vasos sanguíneos, etc. Agora, no caso do meu filho, ele não
seria afetado por essa outra consciência, se ela existir, dado que ela estaria
restrita ao hemisfério isolado que apenas acontece de ele carregar consigo em
seu crânio. E por isso que os médicos me dizem que minha pergunta é filosófica,
que não tem a ver com o paciente deles/meu filho. Eu concordo — não estou
preocupado com meu filho. Mas, poderia haver ‘alguém’ que pensava ser meu
filho, que agora é distinto do meu filho, e que retém ciência de sua própria
existência, talvez até mesmo com acesso aos estímulos do campo visual esquerdo
que está ligado através do hemisfério direito? Para essa pessoa, se tal pessoa
existe, a questão certamente não é filosófica. Nós (os pais; os médicos;
qualquer um) temos responsabilidade para com essa pessoa? Se há qualquer
consciência presente, imagino que seja uma existência aterradora, incapaz de se
comunicar ou receber estímulos do corpo (realmente não sei sobre o nervo
óptico, se ele é desconectado na cirurgia ou não — eles desconectam o tecido
neural para que as convulsões não se propaguem, mas eles deixam os vasos
sanguíneos intactos). Não está exatamente encubado, mas quanto mais eu penso
sobre ele mais me parece haver algo sobre ele parecido com estar em uma cuba.
Na maior parte do tempo não me
preocupo com esse outro hemisfério e com o que pode estar silenciosamente
transpirando dentro dele. Ele foi bastante danificado na cirurgia, e a maioria
das EEG mostra somente atividade de convulsão nele. Mas, de tempos em tempos me
pergunto se podemos realmente ter certeza de que não há restos de consciência
ali, e se há, se deveríamos nos preocupar com isso.
Se você tiver algum insight sobre
essa questão ou algum tempo para dar uma sugestão acerca de como pensar sobre
ela, eu apreciaria ouvir de você.”
Gregory Gaboardi me postou isto -
verti muito rapidamente com o tradutor aqui e ficou assim - Resposta do
Chalmers foi bem modesta, ele já não tem mesmo pensado em uma questão como essa
e ela envolveria conhecimentos neurobiológicos que fogem ao alcance dele: "essa
é uma pergunta séria que eu não tinha pensado antes. Eu não sei a resposta e
não quero especular sem possuir boas razões. Acho que a resposta depende do
fatos neurobiológicos sobre que tipo de funções permanecem no hemisfério
desligado, e eu não conheço estes fatos. Eu ficaria muito surpreso se houvesse
sofisticado as funções cognitivas. Que provavelmente iria aparecer ou se
expressar através de várias medições no cérebro. Como aspectos afetivos no seu
funcionamento (por exemplo, a tua preocupação sobre estar em um estado de
terror), diria que isso iria também aparecer por diversas outras medições no
cérebro. Se a principal atividade cerebral que aparece é uma convulsão, acho
que podemos estar razoavelmente confiantes de que não há algo sofisticado ou
cognitivo em efetiva atividade. É possível que haja alguns resquícios de
consciência, ou mesmo de experiência visual? Eu ficaria surpreso, mas não posso
descartar com certeza. Ao mesmo tempo, não posso excluir, com certeza, que os
subsistemas do meu próprio cérebro tem o zumbido de fundo da consciência. Mas
eu não acho que os subsistemas são muito parecidos com o que pensamos como
pessoas ou como agentes morais. Do mesmo modo meu bem desinformado palpite é
que para o hemisfério desligado é extremamente improvável que ele possa cumprir
os critérios razoáveis para ser uma pessoa ou um agente moral. Mas somente os
médicos estão em melhor posição para contar algo sobre estes fatos
neurobiológicos. Ainda bem que o teu filho está bem, e desejo-lhe as maiores
felicidades para o futuro.".
Nenhum comentário:
Postar um comentário