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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

ON THE ROAD – INTO THE WILD

Ontem eu vi o filme On the Road e gostei. Curiosamente, vi este filme de Walter Salles de 2012, dois dias depois de ter visto, também, na mesma trip e quase na mesma vibe natalina, Into the wild de Sean Penn de 2007 e ter gostado muito. Digamos que no natal eu fico mais venturoso e memorial. Também porque me lembro de todos os malucos que eu conheci nesta vida e, ao mesmo tempo, vou fechando certas contas que devo a mim mesmo, terminando o ano e limpando gavetas e concluindo certas tarefas e idéias que tenho ruminado o ano inteiro. E o cinema tem sido para mim um grande bastidor de conferencias e verificações, interpretações, explicações e compreensões; muitas descobertas, invenções e novas percepções de outros pontos de vista me vem através do cinema, de filmes e de vídeos que assisto de forma quase planejada 



Eram duas promessas e presentes que me fiz este ano: ver os dois filmes em cadeia e sopesar cada idéia que aparecesse e se furtasse a partir deles. Porque tem as idéias que ficam e tem as ideias que nos escapam e muitas vezes as que escapam são bem mais interessantes. E escrever sobre isto é já um hábito para a mim esquadrinhando as fujonas e tão sutis idéias que parecem que nunca tive.

Quem freqüenta meu blog e perfil sabe que tenho verdadeira devoção por On the Road. E quem me conhece bem mais do que pelo meu perfil sabe que já andei de mochila por este mundo. Isso não quer dizer, porém, que olho para o livro como algo sagrado. Como um depósito sagrado de uma única experiência. Suponho mesmo que a vida de qualquer um de nós dá um belo livro e talvez um filme também. Sobreviver neste “grande vale de lágrimas” que é o mundo, superar e continuar de pé, após certas experiências e vivências – algumas das quais todos nós passaremos, requer um bom esforço psíquico de qualquer ser humano. Tendo e ando cada dia mais compreensivo e propenso em olhar para o próximo com mais benevolência em relação a um conjunto de experiências que hoje já tive. Quando delas nada sabia, pouco compreendia. Nunca deixei de ter consideração por quem sofria ou vivenciava certas coisas e acontecimentos, mas não compreendia e sempre tateei certas dores e experiências. Durante um tempo percebi que as pessoas olham para a depressão como uma fraqueza do outro porque querem negar a sua possibilidade. Tudo se passa como se a incompreensão imunizasse as pessoas perante este tipo de mal. Hoje vejo que a falta de compreensão só aumenta o sofrimento e cria uma situação de isolamento de quem sofre. Ainda me parece importante cultivar e promover que as pessoas aprendam a nunca ser indiferente ou insensível ao próximo.  

A melhor descoberta do ano para  mim em relação à On the Road – do que já falei antes – foi o manuscrito original, no qual, aliás, o filme me parece ser bem mais inspirado. Já, de outro lado, a história de Alexander Supertramp passou a existir para mim a partir da trilha sonora de Eddie Vedder, vocalista do Pearl Jam, que compôs algumas canções muito evocativas para o filme – ao que eu recomendo a audição.

Os dois filmes lidam com temáticas que já vivi ou testemunhei de certa forma. Tanto o jovem sem nenhuma necessidade de afirmação ou atuação moral de Neal Cassidy e seu par que testemunha tudo e participa aqui e ali de suas aventuras, mas que pode dar o fora quando julgar necessário; quanto o jovem naturalista e moralista com vocação para uma reencenação de Walden, ou a vida do bosque de Henry Thoreau, já foram personagens e leituras na minha vida.

Devo dizer, aqui para esfriar ânimos, que nem sempre um autor está a altura da sua obra e vejo muito isso em Kerouac. Não me parece mesmo que ele tenha conseguido vencer seu próprio dragão da dor. Quero dizer com isso que a força narrativa de On the Road não desaparece após o término da obra e que todo o resto passa a ser tragicamente um reflexo disto, mas ele não consegue descer a montanha que escalou. E muitos escritores e escritoras sofrem disto. E na vida acontece coisa parecida.

Alguns olham para vida real e pensam que ela deveria possuir um grande palco em que em atos altamente desenvolvidos e carregados de sentido tudo deveria se desenrolar tal qual uma peça teatral com uma trama bem definida e uma jornada linear das personagens. Mas a vida não é assim e talvez esta seja uma das maiores percepções de Kerouac ao final do livro: todo esforço de dar sentido a liberdade conquistada se dissolve na liberdade perdida do personagem Dean Moriarty. A vida real é salina, salgada e corrói o homem. O paraíso que todos pensam encontrar um dia é salino, salgado e árido.

Ou seja, sem dar todos os nomes aos bois, nem contar mais uma parte ou capítulos da minha vida aqui, a realidade apresentada nos dois filmes parece romântica, mas no fundo, ao fim e ao cabo. é trágica. Já estive biograficamente motivado para aventuras semelhantes, vivenciando perspectivas e jornadas semelhantes aos dois personagens, mas percebi muitas das dimensões trágicas de uma necessidade de liberdade que sucumbe a um aprisionamento da própria liberdade. Poderia dizer que ambas apresentam – por mais tolo que isso pareça - para algum jovem auto centrado e planejado sem frustrações pelas famílias e suas estruturas atuais um conhecimento de si que se segue da ousadia de cair no mundo sem proteções, precauções ou arranjos.    

E são, assim, dois filmes que tratam de temas que me interessam muito e que creio que interessam a qualquer um. Ainda estamos vivendo e executando a tarefa de compreender a vida, pois a trama da jornada de uma pessoa em busca de si mesma ou a procura do seu lugar no mundo ou de sua dificuldade para traçar um retorno para casa é algo permanente. Não somos seres humanos terminados e estamos sujeitos tanto ao imponderável quanto ao mundo. O tema da busca de uma liberdade e do risco da perdição envolvida nisto é ainda permanente. E o tema da coragem em viver o que se julga ser a nossa vida e o que se decide que vai ser a nossa vida. Isso também é tratado nestes filmes, portanto, de uma certa forma de coragem para enfrentar a estrada da perdição e arriscar-se nesta vida.

São belos leitmotivs que movem as personagens já de certa forma clássicos para algumas gerações. Não havia visto eles antes e outros filmes do período de sua produção, por completa absorção em certos trabalhos entre 2005 e 2012, que me deixaram fora de certas contemplações, prazeres e curtições. São filmes que, entre outras coisas, em meu estado normal de ocupação, teriam tido bem mais atenção.

On the Road, é preciso dizer, é um dos livros mais importantes que já li, porque também me deu corda e força na minha juventude. Como diversas outras coisas nesta vida, algumas acontecem e tem algum sentido para a gente porque deixamos ou fazemos acontecer e lhes damos um sentido.

São dois filmes que eu consideraria do gênero “pé na estrada”, mas que curiosamente narram, com base em textos literários e datados, o que ocorre ao longo de uma jornada, que me parece não depender tanto do exterior assim, ou seja, me parece que a jornada é no fundo interior e que o exterior é um cenário, que provoca esta jornada. Assim, nesta aventura de liberdade, as descobertas e revelações que se seguem às trajetórias interior e exteriores de duas pessoas em busca de si mesmas. Em filosofia se pode chamar isto de reflexão ou auto-conhecimento e algumas religiões chamam isso também de outros nomes, mas o principal é que temos um sujeito refletindo sobre o sentido e o significado da sua existência e dos demais. Ele faz nisto uma aparente busca de algo, de uma experiência, de uma sensação que parece estar perdida e que faça sentido para suas vidas. No caso de Keruac e Macandless a perda do sentido da vida está associada a perda de algo que eles um dia tiveram ou julgaram que tiveram.

A distância e o tempo entre os dois acontecimentos narrados, os paralelos possíveis entre os dois me parecem muito interessantes e eu opto aqui por falar dos dois filmes juntos porque considero muitas conexões entre eles. Conexões que vão para além da Kristin Stewart estar presente e muito bem nestes dois filmes como a personagem feminina mais próxima da aventura dos protagonistas.

Kerouac narra acontecimentos que se deram entre 1947 e 1951, de suas viagens após conhecer Neal Cassidy, das peripécias, quedas, fugas e prazeres a partir disto indo até a sua despedida que me parece um abandono culposo - meio sem sentido  - de um Neal Cassidy praticamente moribundo e agônico nas ruas de New York. Isto corresponde ao último capítulo de On the Road e é muito bom comparar as duas versões a do Manuscrito Original com a do Texto Editado com o filme. Não vou me alongar nisto e deixo a pista aqui para cada um ver como quiser esta experiência que marca a morte simbólica e a falta de sentido final do protagonista ou do centro da trama.

Kracauer – ao contar a história de Maccandeless ou Alexander Spertramp, trata da vida de um menino que percebe que algo está errado neste mundo. Percebe isso também a partir de leituras de Tolstoy, Thoreau a partir de uma formação em Antropologia  também - o que me parece pouco explorado ai. Maccandless percebe que algo está muito errado na forma como as pessoas tentam ser felizes nesta vida. E isso – por assim dizer - guia sua jornada para uma outra vida, que no roteiro do filme vai da infância até a vida adulta de forma paradoxal, se é que um jovem de 23 anos pode ser considerado um adulto. O que no filme recebe alguns flashbacks da infância dele, me parece uma motivação moral em relação ao pai e também ao mundo, sendo no filme uma construção em sete atos da jornada dele da sua libertação na formatura da faculdade – nascimento – até o seu fim no Alasca. No filme, me parece haver uma presença excessiva da necessidade de perdoar os pais como uma necessidade mais guiada pela colaboração dos mesmos do que propriamente pelas experiências das personagens reais. Alexander Supertramp, me parece não quer somente se afastar da mãe e do pai, culpados de um pecado original. Não quer somente se afastar do mundo, me parece que ele procura a si mesmo. A viagem ao Alasca é uma construção toda feita como Experiência Limite a partir da qual um verdadeiro eu iria aparecer. O menino quer, no fundo, vencer a si mesmo o tempo todo e todas as aventuras dele são preparações e acompanhadas de muitos escrúpulos em relação aos outros e em relação a si mesmo, por mais arriscadas que pareçam. Ainda que não tenha lido este livro ou outros sobre esta personagem fantástica e intrigante, me parece que ele não ergue alguma forma de cumplicidade com seus amigos. Ele lhes dá conhecimento de seus planos, mas não há uma perspectiva sequer de que ele seguiria de forma insensata para uma aventura cujo final seria trágico. Isso me parece importante aqui anotar. Ele não se auto destrói deliberadamente, ele morre porque comete um erro no seu plano de vôo – digamos assim. Ou seja, ele não se mata para penitenciar ou culpar mais seus pais. E toda a abordagem moralista da experiência nos deixa um que de absurdo nisto. Considerando aqui uma formação  mínima em antropologia não me parece que o alcance do jovem seja apenas uma perspectiva meramente conservadora das relações matrimoniais ou que ele careça de uma compreensão do tipo de vida dos seus pais. Me parece que ele simplesmente quer ser independente disto. Macandless quer dar outro sentido a sua vida se despregando dessa matriz familiar.    

Alexander Supertramp e Sal Paradise são duas personagens criadas por seus próprios autores para falar de si mesmos e dar outro nome às coisas mesmas, para usar aqui a analogia final de Into the Wild. Na história de Maccandless, Alexander Supetramp é seu codinome com o objetivo de ser não somente um super-mendigo com os pés de couro e viajar pela América. Macandless, definitivamente, não é um poser nem considera ser necessária a sua aprovação pelos demais seres humanos. Ele desenvolve grandes afetos por pessoas que também estão despregadas de um passado, ainda que tenham ambas elas uma experiência de perda como é o caso bem marcante do casal Jan e Rainey e do velho Ron Franz.  Nestes dois casos a perda de filhos.

Ambos, em suas próprias Odisséias, lembram muito a grande aventura de uma outra personagem bem clássica. Ulisses e sua Odisséia em sua árdua e difícil luta para voltar para casa. Trata-se de uma luta ou jornada por chegar no seu objetivo final. Para Kerouac, trata-se de terminar um livro que seja fiel aos seus sentimentos e que traduza sua grande aventura com Neal. Para Maccandless a busca da sua própria natureza livre de tudo que lhe prenda materialmente e espiritualmente ao passado. A diferença entre ambos é que a jornada de Kerouac chegou até nós contada pelo próprio, enquanto a jornada de Macandless chega até nós por uma reconstrução sobre vestígios por parte de Krakauer e que é levado ao roteiro do filme feito com contribuições dos amigos de Christopher e seus familiares.     

Ainda que com base em narrativas ficcionais - com seus campos próprios de distorção da realidade, as duas aventuras ficcionais versam sobre duas realidades cujo tempo que as separa por si mesmo deveria nos levar a certa reflexão.

Me chamou a atenção por exemplo que o pai desprovido de  moralidade, egoísta e auto-centrado em sua próprias satisfação pessoal de Macandless, poderia ser uma espécie de  Neal Cassidy bem sucedido do ponto de vista material.

Mas eu queria dizer uma única coisa que me aparece como uma psicologia da personagem como mais importante aqui. Em ambos os filmes, vemos uma personagem principal que enfrenta mesmo uma única trama: a perda do pai e a repressão que se impõe sobre si a partir disto.

Jack Kerouac havia perdido o pai e seu amigo Neal Cassidy também havia perdido um pai. Lidamos aqui com pais desaparecidos, com figuras masculinas que foram dissolvidas pelo tempo, afastadas de seus filhos e que se esfumaçaram no ar das histórias.

Além da perda do pai e da ausência de qualquer limite moral ou de responsabilidade paterna presente em Neal, que sequer havia adquirido qualquer senso de respeito à convenção social do casamento. Já Christopher Maccandless, tinha um pai do qual queria se afastar ao máximo, de cujo pecado moral “ter abandonado uma família” para ter dois bastardos – dos quais um deles era ele e o outro sua amada irmã Carine -  com outra mulher e que o atordoava muito. Um pai cuja relação com a mãe o atordoava muito. Um pai cuja relação com o filho – pelo menos no que o filme exibe – era de uma distância imensa.

Então vemos ai com mais clareza, me parece agora, duas imagens muito fortes. Dois arquétipos de um pai desaparecido e também a falência da convenção do casamento em ambos os casos.           
           
No primeiro, a jornada leva por experiências de desregramento sem culpa à confecção de uma obra cujo tom autobiográfico e suas experiências reais se reapresentam e se repetem. On the Road é ele mesmo a narrativa auto-referente de Jack Kerouac. Uma narrativa de si mesmo e do que lhe deu na cabeça e na vida para lhe fazer contar a sua grande aventura com Neal Cassidy até o fim e que lhe levou a fazer um livro vir a existir como obra.

Into the wild é uma obra feita sobre fragmentos de anotações, indícios e sinais deixados por um jovem de 23 anos que, após uma jornada de dois anos, após a conclusão de sua universidade, sem lenço e sem documento segue pelo interior dos EUA, tentando se afastar ao máximo da sua família de origem, que se confina no Alasca e acaba falecendo por inanição. No segundo, a jornada leva á descoberta de si e ao desaparecimento de si.

Queria terminar este comentário dizendo algo que me perturbou em certa altura disto tudo. Uma espécie de percepção sobre estas grandes personagens e os elogios grandiloqüentes que elas podem receber e tem recebido. Quem leu até aqui deve ter observado que não falei nada de sexo, drogas e jazz em On the Road, e nem de grandes peripécias filosóficas em Into the wild, que me parecem ser os apelos popularizantes das duas obras. E tenho uma razão para isto que é contrária a qualquer forma de glamourização ou heroísmo em personagens trágicos com o vejo ambos aqui.

A grandiloqüência e os elogios da crítica vendem muitos livros, lotam cinemas, nos fazem ver filmes e ler livros ou pelo menos adquiri-los, nos fazem comprar ingressos para shows, fumar cigarros, beber certas coisas e experimentar certas coisas – e não há nada absolutamente de errado, na nossa liberdade de fazer isto tudo; mas nada disso nos faz compreender melhor os livros ou os filmes. Porém, ainda assim, considero que estes dois livros (ou os mais livros sobre estas personagens), e estes dois filmes soa muito bons. Julgo que, enfim, nos ajudam a entender algo daquilo que nos dói nesta vida e algo perante o qual erguemos grandes frustrações, mas o que realmente importa é que a gente entenda isto como uma forma de vida e de dar sentido a vida, dentro de determinada circunstância muito particular de ambos. E que se use isso também para nos auto-compreender...

Três pontinhos podem significar muita coisa, sim...aqui significam apenas um fim...do que pode continuar depois...    


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