O meu primeiro contato marcante com uma abordagem consideravelmente mais moderna, deste tema geral que podemos chamar de estudos do futuro, futurismo, prospecções de cenários futuros, e que em outros tempos era matéria exclusiva de profetas, visionários, ou de historiadores muito pretensiosos, de místicos, malucos ou de idealistas, se deu em 1986, quando por certa curiosidade me deparei em uma Feira do Livro, com o livro Jano (Janus) de Arthur Koestler e o adquiri alguns dias depois com profunda curiosidade, na prateleira da Livraria do Rotermund (naquela época você comprava livros lançados somente em coleções encartadas em revistas nas três Bancas de Revistas da Rua Grande, uma delas dos pais do Cândido – da atual Tabacaria Central, outra da Avó dos Plentz e a terceira do Vivaldino Oliveira, que depois virou distribuidor de revistas, ou então livros mesmo em somente duas livrarias de fato na Beira Sinos ou na Livraria do Rotermund ambas inesquecíveis para mim e outros leitores e leitoras aqui de São Leopoldo).
O título Jano: Uma Sinopse, numa edição da Melhoramentos, em uma capa verde, com as letras em azul, me chamou atenção na hora porque aludia à uma certa entidade mitológica romana já conhecida minha e cuja cabeça tinha duas faces, uma voltada para o passado e outra voltada para o futuro. Janus é ao mesmo tempo a entidade que foi homenageada pelos romanos ao batizarem os primeiros trinta dias do ano de Janeiro, mês de Janus.
A obra tem uma coleção de assuntos e recapitulações e reapresentações de coisas escritas em outras obras dele, e cujo principal escopo eram as suas idéias metafísicas de Holon e de uma espécie de doutrina chamada de Holismo de como seria o futuro a partir disto e em consideração com os grandes avanços da ciência. Para quem não sabe o holismo é uma espécie de doutrina ou concepção geral antagônica ao reducionismo. Quer dizer, enquanto os reducionistas acreditam que é possível reduzir a realidade ou o que quer que seja a uma espécie de elementos ou substratos ou tábua elementar básica; os holistas, em suas diversas variantes, consideram um complexo irredutível e não analisável definitivamente, sempre havendo não somente um resto não analisado, mas algo mais a ser descoberto sobre a realidade após todo o avanço da ciência.
Ao mesmo tempo, o autor já era conhecido meu, por vários outros motivos, mas o principal era que eu tinha forte na minha memória de 1986 três registros dele. O primeiro, que minha tia Clara – com forte influencia intelectual sobre mim - falava dele com certo entusiasmo muito imperioso, o segundo, que eu havia topado já com um livro dele cujo título e conteúdo tinham me assombrado O Fantasma da Máquina e, o terceiro registro, era que ele havia tirado sua própria vida três anos antes, tendo em vista as limitações que sua doença lhe impunha, e que, ao mesmo tempo, por um gesto de amor quase inacreditável, sua esposa Cynthia também se suicidava junto no mesmo ato ao seu lado. (Na história da humanidade podemos encontrar poucos casos disto de suicídio de um casal, mas todos eles são casos notáveis e os mais extremos conhecidos de amor, lembro aqui de mais um, por outros motivos, no século XX de Stefan Zweig e suas esposa Lotte. E isto sempre deverá nos remeter ao fim do nobre casal Romeu e Julieta de Shakespeare. O caso em que o amor e a vida estão entrelaçados indissoluvelmente.)
Eu li aquele livro abismado com a miscelânea de assuntos que ele trazia e também me impressionavam as idéias que em mim mesmo eram produzidas a partir daquilo. Arthur Koestler, através de sua biografia e história pessoal, como base de suas idéias e experiências, era uma espécie de ponto de interseção de várias tradições naquela época, passavam por ele tanto o processo de dissolução do império austro-húngaro, participação na guerra civil espanhola, o exílio judeu em Paris, o ingresso na Legião Francesa, o comunismo anti-estalinista, a crítica ao totalitarismo, as experiências místicas, envolvimento com parapsicologia, investigações em neurociências, o uso do LSD, e, enfim, uma recusa radical do materialismo e do dualismo cartesiano e uma grande e vasta plêiade de interesses tão abrangente que, por exemplo, nesta obra temos uma grande abordagem das implicações da psicanálise, das descobertas físicas – física sub-atômica, e químicas, passando por uma idéia de que o homem do futuro deve ser mais criativo, deve fazer uso maior da sua mente criativa. O próprio autor diz em sua nota (p.13) que este livro passa a tratar de ciências da vida, ultrapassando a suas ocupações anteriores que eram o romance e a política. Em resumo, Arthur Koestler, é uma personagem altamente atraente para aqueles anos de 80, e ele ainda tinha as questões relacionadas ao fato de que toda esta teoria procurava construir uma alternativa que impedisse o fim do mundo via uma guerra nuclear.
Poderia dizer também mais sobre como acabei compreendendo Janus, neste caso, que uma destas faces simbolizava um olhar voltado para si mesmo e o olhar voltado para os outros. Não haviam poucos motivos então para estes interesses que eram também combinados com a minhas leituras de Carl Gustav Jung sobre Sincronicidade. Arthur Koestler então é uma destas personagens com as quais convivi e que me despertou combinado com o meu insaciável desejo de um conhecimento da história e certa percepção do meu tempo, com digamos um certo desejo de construir o futuro, visualizar o futuro e tornar ainda possível um futuro para toda a humanidade que, em suas versões mais primitivas, para mim, misturava ainda descobertas e investigações espirituais e descobertas e ações políticas.
Assim, descobri estes estudos do futuro a qual minha curiosidade acedeu quando comecei a passar dos limites do razoável em minhas curiosidades sobre astrologia, misticismo, entidades sobrenaturais, simbolismo, magia, gnosticismo, espiritualismo, budismo, cristianismo, paganismo, teosofia, xamanismo, e avançando em minhas preocupações não mais sobre o meu próprio destino, mas sim sobre os destinos de toda a humanidade. Ou seja, quando passei a entender que minha felicidade pessoal dependia da felicidade dos demais e que, portanto, tanto minha concepção própria de espiritualidade quanto minha adesão política a determinado projeto envolviam não somente o meu destino, mas o dos demais seres humanos.
P.S. Esta é uma memória pessoal. Não vale como análise da obra Janus, mas sim como um indicativo do papel dela para mim lá em 1986 e ao longo do tempo que a tenho transportado comigo. De fato o livro contem diversos assuntos e relatórios de Koestler sobre muitos debates científicos e suas especulações que para mim foram muito libertárias, ainda que não concordasse com todas. A impressão mais incrível é que ele mantinha vários fronts de combate e debate simultaneamente. A outra coincidência é que isso tudo corresponde a literatura alternativa e desesperada que fazia frente aos anos 70 pós-hippie e pré o surto neoliberal dos anos 80, ao que o texto de McGinn aludia abaixo na Inglaterra. Um abraço.
Fantástico. Obrigado. Estou na mesma busca...
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