- novo título meu para um
comentário a uma passagem de Italo Calvino -
"No inferno no qual vivemos
todos os dias (...) existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil
para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o
ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e
aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do
inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço."
CALVINO, Italo. As cidades
invisíveis. São Paulo: Globo, 2003, p. 158.
(op. citatis in: FILOSOFIA:
ENSINO MÉDIO. p. 9.)
a citação é, na tradução de Diogo
Mainardi, antecedida disto: "O inferno dos vivos não é algo que será; se
existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que
formamos estando juntos." (p. 71 da edição da Biblioteca Folha) talvez
isso explique a situação e o estatuto deste inferno melhor que minhas palavras.
E olha que eu não li este livro
inteiro ainda. Já o tomei nas mãos umas 4 vezes...em feira do livro e na casa
de um amigo...li uns trechos só...mas a citação tem uma serventia nobre aqui
que é tratar do reconhecimento recíproco entre certos tipos de almas neste
mundo. O que para mim é muito importante haja vista a necessidade de termos
boas companhias nesta passagem pro aqui e de compartilharmos coisas em comum,
entre atividades, projetos e lazeres e diversões.
Isso se deve ao fato que em meio
a todos os caráteres de pessoas que conhecemos deste mundo para não falar do
inferno, há aqueles com os quais temos mais afinidades, reciprocidades,
compreensão e também convívio e vivências
satisfatórias.
Se quiseres evitá-lo ou julgares
que estamos dando existência ao inferno com o pensamento ou a menção a tal
coisa, tudo bem. Não considere isto, apenas. Mas tem sim, gente e gente neste
mundo. Tem gente que nos dá muito prazer no convívio e existem pessoas que nos
trazem desprazer e sofrimento. A velha
expressão de Sartre cabe aqui: o inferno são os outros.
Sobre o livro de Ítalo Calvino,
Cidades Invisíveis há muito a dizer ainda.
Ao procurar aqui para ver se já
tem em pdf, o encontrei e dei uma lida ligeira.
Conheci ele, é importante dizer e
dar a pista, com a leitura de Porque ler os clássicos, ainda na biblioteca da
UFRGS – BSCSH à época - depois entrei em outro tipo de transe com "Seis
propostas para o próximo milênio", porque eu sempre tive certa admiração
por textos elegantes e que nos fazem ler com valores e princípios, que nos
ensinam modos e formas de pensar.
Ítalo Calvino é, neste matéria e
sentido, um escritor fantástico no seu duplo sentido. Confesso que descobri ele
pela primeira vez por uma resenha no caderno Leia da folha de São Paulo, nos
anos 80. E só bem depois é que tive acesso aos seus livros. Então já havia uma
forte impressão dele vinda da crítica literária brasileira que o recebia e
traduzia então.
Não fiz um comentário longo ainda
porque é uma forma de expor um pedaço do meu trabalho para mim mais importante
que carrega este tema: reconhecimento recíproco e transitividade da
compreensão. Esta citação valeria como uma espécie de epigrafe espirituosa de
certa parte dele. De um trabalho iniciado em 1995 e que talvez se conclua em
2015.
Ítalo Calvino é um dos grandes
mestres da literatura fantástica. Ele e o Borges possuem uma certa força comum e tem esta coisa de
carregar a gente de forma irresistível com os seus textos carregados de
imaginação, fantasia e criação. Quando se começa a ler algo deles, você é
envolvido, sua imaginação é envolvida, você não consegue largar.
Com eles e alguns outros poetas e
escritores, me acontece algo muito bom. Muitas vezes me sinto mais próximo da
ficção do que da filosofia. E não porque a poesia ou a ficção me sejam um refresco.
E confesso que gosto muito desta parte da minha história em que a minha
imaginação corre livre, feliz e insensata pelas páginas da ficção e da criação
literária.
O exemplo de Borges neste sentido
é marcante. Quando leio ele fico extremamente imaginativo e chego a pensar em
variações e outras possibilidades em seus textos. Não por audácia, mas pela
fecundidade e erudição dele. Ezra Pound também me causa isso.
Borges é, numa metáfora animada e
móvil, um velho motorista de caminhão que ainda dá carona e que sempre tem uma
história incrível para contar...e não tem a menor importância saber se ela é
verdadeira ou não...a verossimilhança e o efeito distorção da realidade é ótimo
para o nosso pensamento....é como uma estação de férias..
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