- entre um cálice de vinho – uma enchente – uma tempestade e
o pensamento -
Repete-se de forma histórica este problema da dominação no
pensamento.
Não acontece isto porque o pensamento periférico,
subalterno, oprimido ou de classe é inferior ou incapaz de dar conta dos
problemas que o pensamento eurocêntrico dá, ou colonial, imperialista, liberal
ou neoliberal. Às vezes eu penso muito mais nas potências muito admiráveis e
sedutoras do pensamento do outro do que em seus atributos lógicos, resolutivos
e explicativos. Quero dizer com isso, que certas soluções, certo estilo, certa
explicação parecem trazer mais luz, mas vistas de forma mais autônoma ou
emancipada, trazem simplesmente um que é o mesmo diferente sobre o mesmo
básico. Variações sobre uma quase mesma harmonia e forma.
Há um belo mito que anda por ai – talvez desde a expressão
mais distinta do logos grego frente aos mitos – de que há um pensamento com um
caráter de batismo ou de nascença que nos deveria aparecer como um
super-pensamento. Deveríamos nos curvar a ele e acatá-lo como a solução explicativa
ideal, mais lógica das coisas. Entretanto, precisamos escapar e nos livrar
disto para poder pensar mais e pensar de forma diferente.
Pareceria ainda mais – aos olhos dos especialistas e
soberanos da razão – que o que eu digo aqui é uma insensatez, mas vejo
sinceramente muitos riscos de aprisionamento, os riscos de sermos e nos
mantermos aprisionados a uma forma de pensamento. Quer dizer, como se saíssemos
de uma caverna para outra meu caro mestre. Ou, em outra hipótese da metáfora
platônica, como se construíssemos uma outra caverna, com imagens mais eficazes
e mais claras que as anteriores, mas ainda não é a verdade libertadora e
poderia temer aqui que para arrancar alguém deste conforto teremos que fazer
mais força do que para arrancá-lo da velha caverninha querida.
Falo aqui dos riscos que corremos de sermos aprisionados
pelas seduções e encantamentos do proclamado super-pensamento, aquele que deu
conta do todo e de tudo que há.
Mas que problema haveria num super-pensamento? Porque te
referes a nossa razão transcendental e universal desta forma?
O mito de um pensamento que é super-pensamento é devido a
uma bela configuração e expectativa que parece ter sido satisfeita por algum
tempo e que deu muita inspiração e entusiasmo cultural até perder seu sentido e voltar depois a cativar e
admirar seus selvagens encontrados no caminho e bem informados e esclarecidos
enfim.
Tudo se passa como se fosse possível a ele – o pensamento –
deliberar e escolher seu tempo e sua forma de aparecimento. Não me admira o
espanto que nos causa ainda um milagre grego cuja origem é explicável, mas cujo
mistério se preserva. Sabemos o tempo e o lugar, mas não temos como dizer que o
que aconteceu ali deverioa ou só poderia ter acontecido ali. Da mesma forma que
o que parou de acontecer ta,bem não tem uma explicação. Podemos nos assombrar
de verdade com o fato de que um dia aquela máquina de pensar parou, se desligou
abruptamente e voltou a pensar muito tempo depois em outros lugares e de outra
forma. Não mais como eles. Nunca mais como eles.
A origem está no futuro – bem nos disse Heidegger – e penso
que isto significa que toda a sua potência se deriva da sua permanência como logos
no presente sem visualizarmos uma substituição ou sua superação. E sua força não
está na linguagem, não está na sua forma ou representação, mas na natureza, na
physis que ela é capaz de transportar em si e de exibir de si. É da força da
natureza que parece nos derivar a força do nosso pensamento. Mas não é tão
simples assim.
Mas a ilusão de que existe um super-pensamento que delibera
corretamente porque é capaz de visualizar todas as opções continua nos encantando
e ela aparece muito convincente nos gregos. Você pode ter grandes impressões dos
pré-socráticos e ficar embevecido com Homero ou outros poetas, mas quando lê um
pouco mais de Platão e de Aristóteles, no mais das vezes passa a desconfiar meio
intrigado e surpreendido de porque você não havia pensado nisto antes (?) e
também de como você pensava da mesma forma que eles (?); sem saber que eram
eles que tinham tecido aquelas combinações de palavras, conceitos e argumentos.
É uma verdadeira descoberta.
Mas veja que levando em consideração todas as opções possíveis
ao pensamento, como é que ele julgou um dia que acertava assim? Parece haver
uma explicação. Mas nos intriga ainda o fato que o pensamento de um e de outro
tenham antagonismo sistêmico e certas fixações temáticas surpreendentes. Nos
chama atenção entre eles o diálogo entre uma visão de poder e uma visão de ética,
todas baseadas no limite nas possibilidades do nosso conhecimento. Ma eles não são
um super-pensamento mais. Podemos ler eles assim, mas também podemos hoje ir nos
despreendendo deles. Não há mais porque ficar subordinado a eles. Como foi possível
isso?
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