“Muito barulho por nada” no hemisfério sul também não rola do mesmo modo.
Mas rola uma coisa meio parecida com o que rolava em Roma em certo período da
história.
Porque aqui – e mais ao sul - é
comum se fazer barulho demais por qualquer motivo e também porque a gente se
acostuma com isso desde menino. Aqui, nossas nobres influências italianas,
castelhanas e portuguesas, ou seja, de certa forma, todas influência latinas de
um temperamento colérico, muitas vezes irascível fazem isso. Nossos humores são
aqui é excessivamente aquecidos e apaixonados o que faz nossa imaginação, pelo
sim e pelo não dar conta do resto. E é meio que por isto que a gente vê as
pessoas sem muita dificuldade encontrarem motivação para praguejar, reclamar e
resmungar. Basta dar uma voltinha na feira, no mercado, na rodoviária, no
armazém, nas lojas e você vai ver muita gente em situação que expõe tal drama
ai que você percebe que do barbeiro ao relojoeiro, da manicure à secretária,
todo mundo tem um bom motivo para fazer barulho. È como se a fúria divina se
mudasse de coração e se transferisse num impulso para o homem e a mulher comum.
Deve ser recomendável também – ou
talvez só plausível – fazer certa comparação, então, com aqueles romanos dos
séculos I, II e III que assistiram um grande império se dissipar de tal modo
que nem imperadores, nem reis, nem generais, nem deuses e nem santos
conseguissem segurar a sua queda. Imagino que foi ao ver isto assim transcorrer
que eles resolveram resmungar, fazer barulho por muita coisa ou por qualquer
coisa e que – ao que tudo indica – ganharam alguma notoriedade fazendo isso. De
tal modo que até os dias de hoje quando você anda em algum vilarejo da Itália,
da França, da Espanha e mesmo de Portugal você escuta este som inconfundível do
humor latino, do mau humor latino a reclamar, praguejar e resmungar por muita
coisa ou qualquer coisinha. Não temos muitas pistas concretas, sinais
comprovados, testemunhos escritos, mas parece claro que já naquelas épocas e
ainda hoje os barulhos eram feitos em qualquer lugar ou...não sei bem.
Bem, mas voltando ao assunto
inicial se pode imaginar facilmente o que tem acontecido nestes lugares quando
as pessoas se põem a reclamar de tudo e a fazer barulho por tudo e também a
ralhar com as coisas das pessoas. Eu tive hoje mesmo uma intuição ou uma certa
percepção sobre as mazelas disso no trânsito e andando na calçada onde a gente
percebe que há uma falta de gentileza e cuidado com o outro em diversas
situações. Num dia como estes você sai de casa para trabalhar e pode procurar
seguir no seu caminho e pode não conseguir seguir seu caminho, porque pode
chover demais, e assim as coisas se complicam, as pessoas se complicam e as
idéias passam a seguir para um mundo nebuloso do desentendimento generalizado e
da falta completa de paciência. Assim, as pessoas ao fazer isto, para
realizarem seus fins e suas prioridades, acabam atropelando umas às outras e
entrando numa zona de desconforto e muito barulho. Buzinas tocam, as janelas se
abrem e todo mundo resolve ensaiar suas formas nobres de praguejamento. Mas vez
ou outra é o ambiente fica tão quente que você deve ficar mais atento e evitar
participar disso. Acontece comigo muito isso. Saio para fazer algo e encontro
pelo caminho alguém assim. Saio para encontrar alguém e encontro uma idéia absurda
e irrefletida de humanidade. E saio vagando para procurar uma idéia e encontro
algo que eu precisava, mas que não queria receber deste modo.
Deve ser algo relativo a isso tudo
que fez Shakespeare pensar num título – ou em títulos como estes para suas peças
e comédias – ele deve ter se dado conta de que no fundo o homem comum não sabia
de nada, não sabia se estava dormindo ou acordado, não sabia se tinha razão ou
não. Não sabia o homem comum se era amado ou não e não sabia se era sábio ou
tolo. Assim como não sabia também se era justo ou ímpio, porque sempre que
procurava um conhecimento de si mesmo encontrava alguém semelhante de quem não
gostava tanto, assim achava que sabia de algo, mas que não gostava do que sabia.
Isso, talvez, explique porque ele fez somente 154 Sonetos em que o amor é
cantado pela sua marca mais dolorosa a do fim e do afastamento. Deve ser o afastamento
deste muito barulho, mas também um afastamento de si mesmo. Bem, devia estar muito
aborrecido, o nobre bardo inglês quando se deu conta do seu fim próximo...após seu
último banquete e sua uma última libação, despediu-se deste mundo sem muito
barulho, por nada.
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