Li com atenção os textos sobre a
(ir)relevância da filosofia brasileira: O que é um pesquisador do CNPq? e
também A filosofia do medo, de Adonai Sant’anna, e considero que ele apresenta um debate
importante não tanto por seus acertos, mas sim por seus limites e também por
seus prejuízos, pois eles abrem a oportunidade de se começar a desvendar o
estado da arte e delinear alguns desafios.
Como forma de me vacinar contra
argumentos de certa natureza, informo que sou formado em filosofia desde 1993,
na UFRGS, com bacharelado, licenciatura e especialização em filosofia e leciono
filosofia em escola pública estadual desde 1998, com uma pequena passagem na
Escola Técnica da UFRGS em 1995-1996.
Declaro desde já que acompanho o que
considero um avanço da filosofia no Brasil nos últimos 30 anos e andei por
curiosidade e interesse estudando o desenvolvimento e disseminação da mesma nos
últimos 60 anos e não vejo uma situação sem saída em relação à relevância.
Também não vejo um cenário de irrelevância e nem mediria isto pela recepção externa,
por uma simples razão: qualquer parâmetro de relevância externa há que depender
da relevância interna e esta última está sendo apenas construída hoje.
Penso que, para isto, está bem na
hora de muitos que tiveram formação superior em filosofia, em especial, aqueles
que avançaram para a obtenção de seus mestrados e doutorados, serem todos
convidados sem muita solenidade a descerem à planície. Este impulso pode ajudar
eles e seus pares a se dedicarem mais a reforçar, debater e aprofundar não mais
seus currículos e perspectivas que já estão saturados, mas sim às bases atuais
de uma formação filosófica no Brasil que é hoje o ensino médio. E isto ao meu
ver pode gerar e consolidar uma mais ampla comunidade de leitores, estudantes e
interessados na filosofia e na produção nacional.
Podemos marcar em ciclos de dez
anos a evolução da filosofia no Brasil e com certeza este é o momento ideal
para o fortalecimento e enraizamento da disciplina no ensino médio, tanto do
ponto de vista da sua legalidade e obrigatoriedade recém reconquistada, quanto
dos meios e tecnologias disponíveis para isto.
Os dados levantados e as
comparações feitas pelo autor, Adonai Sant’anna em seus textos publicados no
blog, merecem atenção e um debate mais amplo, mas tem ao meu ver um limite
muito interessante para o que eu chamaria de a possibilidade de avanço da
filosofia no Brasil. Ele dá conta de uma camada importante mas superficial do
estado da arte e não trata em nenhum momento da qualidade do que é produzido no
Brasil, dependendo seu critério somente de avaliação externa, via publicação ou
cotação em periódicos internacionais.
Quanto ao tema da escassez de
publicações de artigos brasileiros em periódicos ingleses, penso que temos que
olhar melhor para as razões disto. E eu não tendo a imaginar que a esfera de
afirmação de uma filosofia nacional vá se dar em língua inglesa, pois que as
tradições que mais se aproximam de algo como uma matriz filosófica nacionais
ainda são as escolas francesas e alemãs. O ímpeto para o intercâmbio aos países
de língua inglesa é respeitável e muito interessante, pois representa um dos
impulsos de uma causa muito nobre de se tentar afirmar-se uma filosofia
profissional inspirada na tradição analítica ou logicista. Mas este ímpeto não
tem mais de 30 anos. E não penso que é só medo a questão não. É uma solução
conceitual e sociológica muito fraca dizer que é medo. Conceitual é fraca,
porque na generalidade não tem condição alguma de fazer balanço sobre quantos
artigos foram enviados, rejeitados, devolvidos ou publicados simpliciter. E não
vejo como alvo de avaliação exclusiva a geração heterogênea 1-A do CNPq. E
suponho, inclusive, que as gerações subseqüentes tenderão a publicar e ler muito
mais no próximo ciclo de dez anos.
Não vejo relevância alguma para
esta discussão de se bater na tese da criação de uma linguagem filosófica em
português, pelo menos da forma como é apresentada no texto. O que conheço e
reconheço é um esforço de criação de uma comunidade filosófica de diálogo,
desde a criação da ANPOF, passando-se pela criação de diferentes grupos de
pesquisa que reúnem professores de diversas instituições em debates, simpósios
e seminários, com muito intercâmbio internacional e grande produção acadêmica.
A discussão sobre o processo de
reconhecimento, valorização assunção e construção de prestígio inter-pares ou
entre amigos me parece uma barbaridade. Não dá para avaliar a produção, a
natureza do trabalho, ou a relevância do trabalho como bom ou ruim, de forma
rigorosa por este viés. E chama muita atenção o fato de que esta crítica vem
acompanhada da acusação de que nós não lemos a nós mesmos. Bem, então
precisamos ler mais a nós mesmos para colocar em questão a endogamia e a
reprodução. Então para se ver melhor o que há é preciso olhar para o que há. E
eu deslocaria o foco para a leitura da produção filosófica brasileira num
panorama histórico de no mínimo 50 anos, para poder avaliar se o que houve foi
mera reprodução.
Assim, o pessimismo quanto à
possibilidade desta situação atual ser superada me parece bem exagerado. Vejo
mudança mais rápida logo adiante. Não creio nesse vaticínio pessimista, de que
nada vai mudar nos próximos anos, porquanto a filosofia que está no ensino
médio hoje, já é fruto do ciclo formativo dos anos 80 e os meios de comunicação
e as tecnologias atuais (internet e etc) acabam intensificando o acesso aquilo
que um dia foi privilégio de muito poucos. É impossível que esta grande
disseminação de estudo da filosofia não gere uma safra nova de alunos para os
cursos superiores de filosofia que já tenham sido alfabetizados e iniciados na
filosofia. Preciso salientar que a minha geração não teve lições de filosofia
No ensino médio e que alguns contemporâneos meus já tinham tido lições de
filosofia por opção de suas escolas
particulares e que com os anos 2005 isto se generalizou. Assim, há que
haver toda uma nova geração de acadêmicos que vão ingressar nas instituições
superiores interessados em filosofia e não vejo como olhar para eles vendo
somente deficiências a serem sanadas.
A evolução das publicações
brasileiras, a criação de periódicos
nacionais nos últimos trinta anos é um importante reflexo desta expansão e
deste avanço e alargamento de uma comunidade de diálogo filosófico no Brasil e isto
também é produto da implantação de cursos de pós-graduação o que também trouxe
um banco de teses e dissertações de ampla abrangência e cuja qualidade só
poderá ser mensurada se for lida, apreciada e discutida. Hoje a maioria das
dissertações e teses estão disponíveis por acesso digital o que deve ser mais
promovido e intensificado, senão tornado obrigatório, para ampliar o debate se
chegar a um Qualis sobre esta produção.
Penso que é necessário fazer-se,
coletivamente, uma avaliação mais ampla e mais condizente com a longa caminhada
que se deu até chegarmos aqui. Esta caminhada envolve tanto a formação quanto a
produção. A formação de professores, a formação de pós-graduandos e a produção
de materiais introdutórios, as traduções, os comentários à textos clássicos,
quanto as pesquisas de ponta nacionais.
Lembro sempre que nós os atuais
leitores e debatedores, somos apenas talvez a décima geração de filósofos e
filósofas brasileiras, ou professores de filosofia.
Penso também que para se estimar
o impacto e a importância não da filosofia brasileira, mas sim da filosofia no
Brasil precisamos ter em mãos uma visão panorâmica não superficial sobre a
produção filosófica brasileira. E esta ainda há que ser construída.
Porque, quanto ao ponto de
relevância, não haverá filosofia brasileira, sem filosofia no Brasil e esta não
depende apenas de uma produção universitária, mas sim de um movimento cultural que
perpasse as escolas e comunidades culturais, e também mais amplo ainda, pois que
é necessária também certa incidência da filosofia nas esferas políticas e
científicas.
Minha primeira opinião foi que o
Debate proposto sobre a (ir)relevância da Filosofia Brasileira merece mais
atenção, é importante para construir avaliações e para refletir e projetar mais
luzes e perspectivas sobre um passado, um presente e um futuro.
Disse claramente que não penso que
a questão em jogo é sobre a filosofia nacional, mas sim sobre a natureza do
fazer filosófico no mundo de hoje a partir do nosso lugar no espaço e da nossa
história.
Não vou resumir meu argumento
aqui, mas vou apenas repetir e apontar que também considero demasiado e um
despropósito aquilo que vejo como uma análise descolada da realidade da
história e da evolução da filosofia brasileira tanto institucional quanto não
tão institucional assim.
Não considero que este trabalho
que precisa ser feito, poderá prescindir do que foi feito no passado, por um
conjunto de professores e pesquisadores que, nos seus tempos, fizeram aquilo
que estava ao seu alcance e alguns muito mais, inclusive. Penso, inclusive, que
alguns merecem ser lidos e relidos por nós. Passados 20 anos da minha formação ainda me
surpreendo e tenho surpresas quando leio os clássicos, mas também quando leio
comentadores e também quando vejo certas ousadias. Não vou citá-los aqui nem fazer
defesa pessoal daqueles que foram citados, mas considero uma barbaridade
fazer-se tabula rasa disto a partir de um critério externo.
Por uma forte impressão,
reconhecimento e tributo devido, dedico este artigo ao meu ex-professor e
orientador de Iniciação Científica, Valério Rohden, o qual ao meu ver representou
durante um bom tempo este grande ideal de uma comunidade de debate alargada e
crítica para a filosofia no Brasil.
Tento, sinceramente, ter melhor
compreensão sobre a nossa tradição e dar a ela o que lhe é devido.
Agora, cabe a nós fazer a nossa
parte....debater, definir e delinear um futuro comum, com mais respeito, mas também
com criticidade...
um grande abraço amigo.......
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