É parte do nosso senso comum ou
da nossa compreensão mais básica a idéia de que uma virtude é um atributo que
pode ser comparado com uma perfeição. Mas esta idéia ou opinião é enganadora,
pois na verdade, bem vistas as coisas, me parece que a virtude é uma forma de
ação que tende para a perfeição, que pode ser um sinal modesto de perfeição que
ao longo da vida de qualquer um de nós vai se aperfeiçoando até chegar a um
acabamento ou bater no limite existencial, afetivo ou intelectual.
Por isto, vemos seres virtuosos
que de certa forma parecem incompletos ou que nos deixam desconfiados porque
parece faltar alguma coisa, pois, por exemplo, ali na mesma pessoa onde vemos
generosidade para muitas coisas, também vemos impaciência e intolerância para
muitas outras. Mas também poderemos ver isso evoluir ou se desenvolver ao longo
desta vida. A discussão sobre virtudes,
portanto, e sobre a formação de um ser virtuoso, sobre a formação de um homem
ou mulher virtuoso, não pode ser comparada a feitura de um bom prato de
culinária, cuja perícia do Maitre se repete, nem a temperatura de fusão química
cuja combinação entre elementos se repete e não traz nada de novo, muito menos à
construção de uma casa, que será acabada e o máximo que poderá sofrer é alguma
manutenção ou eventualmente ser melhorada e mais adequada a uma nova função ou
uma nova dinâmica social, isto é assim porque as virtudes vão, naqueles que as
prezam e intencionam, ao meu ver, se desenvolvendo ao longo da vida no confronto
permanente com fatos, situações, desafios e dificuldades. Já dizia Aristóteles
é bem fácil ser virtuoso se a virtude não for testada por outra virtude.
Quando escrevi sobre a volta de
Ulisses – aquela brincadeira incompreensível para pessoas que eu estimo muito e
simplória para quem de fato não entende nada sobre mitologia, heróis,
literatura e ética, estava pensando em debater exatamente esta questão no
quadro de nossa compreensão de algo como um paradigma de herói, o que é ser
herói e no que consiste o heroísmo que daria imortalidade – glória – ao seu
agente e aqueles que narram sua história ou aventura. Como podemos compreender
a relação entre virtude e aperfeiçoamento das pessoas?
A virtude completa é para poucos...muito
poucos e estes são raros, mas mesmo aqueles que possuem grandes virtudes
reconhecidas podem também esconder vícios e a questão não e de caráter e muito
menos de moralidade pura, como alguns gostariam, ao contrário, é uma questão de
intencionalidade e consciência e, ao meu ver, ambas são tão seletivas quanto
nós frente a um conjunto de opções. E os exemplos são abundantes, porque a
perfeição não é confundida com o melhor, não se trata de dois conceitos, mas
sim de duas palavras que referem a mesma qualidade. Eu não sei resistir ao que
me parece a melhor coisa que eu posso fazer agora Seria isso uma perfeição? Depende da
circunstância e da tua reflexão, mas o que temos não é uma resposta acabada e
final, porque são perfeições e imperfeições que parecem andar juntas para nos
marcar e nos lembrar de algo mais.
Pedaços de virtude, assim, todos
nós temos...Vivemos a humanidade inteira em nós. E vivemos também uma espécie
de projeto que tenta nos tornar absolutos e congruentes. Mas isso é uma quimera
também, porque sempre que tentamos chegar neste absoluto, caímos em certa forma
de perversão e a imperfeição, o erro ou vício reaparecem em nossas vidas. Esse
desejo do absoluto se aproxima da nossa busca pela perfeição nas coisas que
fazemos, dizemos e vivemos. Mas eu fico muito feliz quando encontro algum
pedacinho ou sinal dela. É quase uma assinatura do divino e do admirável nas
pessoas e nas gentes.
E é isto que nos fascina na arte,
em algumas pessoas que conhecemos, algumas biografias notáveis sempre aparecem
sacrificando alguma virtude ou com alguma imperfeição que acompanha aquele
grande resultado que aparece em suas obras em que mesmo assim, que venham
acompanhadas de grandes desventuras e outras imperfeições, nos admiramos e
passamos a compreender estas coisas nelas como algo menor em suas vidas, como
uma taxa paga no desequilíbrio de suas gangorras emocionais ou balanças do
juízo. Este tema das imperfeições toleráveis com a virtude parece vir também –
e quase sempre vem – de alguma também notável negação de imperfeição: a
intolerância e o que tenho chamando de absolutismo. Excessivas medidas são
aplicadas por pessoas com esta orientação e o que descobrimos é que elas não
resolvem nada.
Aprendemos a criar – me parece
este o caminho – então, in fine, e a fazer uma espécie de economia no
entendimento das perfeições e imperfeições das pessoas e das coisas e passamos
a conviver de forma saudável com elas. E em alguns casos aprendemos a ficar
dispostos a não ver defeitos para preservar nossas relações, amizades e amores.
Aprendemos a relevar o já conhecido e apreciar mais as qualidades das pessoas.
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