"Daniel era um homem de má vontade. No limiar da entrada de um edifício, um porteiro gordo e pálido, de ombros caídos, aquecia-se ao sol. Daniel viu-o de longe; pensou: «Eis o Bem.» O porteiro estava sentado numa cadeira, com as mãos sobre o ventre como um Buda, via as pessoas passarem e de quando em quando aprovava uma qualquer pessoa com um meneio de cabeça. «Ser aquele tipo», pensou Daniel, com inveja. Devia ter um coração reverencioso. Além disso, sensível às grandes forças naturais, ao frio, ao calor, à luz, à humidade. Daniel parou, fascinado pelas longas pestanas estúpidas, pela malícia sentenciosa das bochechas cheias. Embrutecer-se até chegar àquele ponto, até ter na cabeça apenas uma massa branca com um perfumezinho de sabão de barba. «Isto dorme todas as noites», pensou. Já não sabia se tinha vontade de o matar ou de deslizar confortavelmente dentro daquela alma bem regrada. O homem levantou a cabeça, e Daniel esticou o passo. «Com a vida que levo, resta-me a esperança de me tornar indulgente o mais depressa possível.»"
(Sartre - A Idade da Razão)
Nenhum comentário:
Postar um comentário