Rüdiger Safranski, este grande biógrafo de Heidegger, ET. Hoffmann, Schopenhauer e Nietzsche, que também é filósofo em outra obra pegou este tema da música e da filosofia de forma bem límpida, entre outras coisas que grifei, em relação ao nosso tempo e às nossas sociabilidades atuais. Veja:
“…a música pode ser vista como uma força que triunfa sobre a confusão
babilônica das línguas. A ideia ligada a isso – de que a música estaria mais próxima do ser do que qualquer
outro produto da nossa consciência – é muito antiga. Ela está na base dos
ensinamentos órficos e pitagóricos. Guiou Kepler quando ele calculou a órbita
dos planetas. A música era considerada a linguagem do cosmo… e em Schopenhauer
ela aparece como expressão imediata do
desejo do mundo.
Quem se senta no metrô ou faz
cooper num parque usando fones de ouvido vive em dois mundos. Ele viaja ou
corre apolineamente, enquanto ouve dionisiacamente. A música sociabilizou a transcendência e a tornou um esporte de
massas. As discotecas e salas de concerto são as catedrais atuais. Uma parte
significativa da humanidade entre 13 e 30 anos vive hoje nos espaços
dionisíacos do rock e da música pop que são fora da linguagem e anteriores à lógica. As correntes musicais não
conhecem fronteiras… A música forma novas comunidades e transporta para um
outro estado. Ela abre as portas para uma
nova existência. O espaço audível consegue isolar o indivíduo e fazer com
que o mundo exterior desapareça, e mesmo assim a música, num outro nível, faz
com que aqueles que escutam se agrupem.
Eles podem ser mônadas sem janelas, mas não mais estão sozinhos quando ouvem a
mesma coisa. A música, numa camada da consciência que antigamente era chamada de ‘mística’, torna possível uma consciência
social profunda.
Percebe-se em Nietzsche toda a
indignação de uma pessoa que deseja ver a arte, especialmente a música, no
coração do mundo; de alguém que encontra seu verdadeiro ser ‘sob o encanto da
arte’ e que por isso luta contra a postura segundo a qual a arte é uma coisa
secundária…Essa indignação em relação aos burgueses violadores do templo da
arte – Nietzsche os chama de ‘filisteus’ – é também um tema constante dos
autores românticos. (…) O sentimento dionisíaco é visto por Nietzsche como um
poder vital mítico… uma espécie de união ébria com a substância do mundo… Na
concepção de autores como Schlegel e Nietzsche, energias dionisíacas atuam na
arte; elas não estão direcionadas para um além brilhante, e sim para o
claro-escuro do processo vital, grandioso e dinâmico…”
In: RÜDIGER SAFRANSKI. Romantismo:
Uma Questão Alemã. Trad. Rita Rios. São Paulo: Ed. Estação Liberdade, 2010. pp.260-161
e 257-258.
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