A proposta de discutir um ou dois
artigos resumidos do amigo e ex-colega Dr. Cesar Schirmer dos Santos (
Autoconhecimento e Virtudes Intelectuais & O papel do Ceticismo na
Literatura Filosófica Brasileira sobre o Autoconhecimento) em academia.edu, me
colocou o desafio de verter aqui coisas que ando ruminando a algum tempo já e
articular experiências e concepção em um texto só sobre os temas que ele propõe
e aborda resumidamente lá e tomando algo emprestado também dos comentários em
especial ao seu texto de Virtudes Intelectuais. Vou começar pelo texto das virtudes
intelectuais porque eu creio que ele tem conseqüências sérias para a nossa atividade intelectual e o tema do
ceticismo e do autoconhecimento entre nós, ou, pelo menos, para mim certamente.
Devo, porém, confessar de saída aqui duas coisas.
A primeira, é que os temas me são
conhecidos por via indireta e talvez mais relacionados com minha própria
experiência limitada e minhas vivências de formação e educativas, pelo menos
até onde consigo fazer uma panorâmica do todo desta experiência e avaliar meus
passos e escolhas, posições e elaborações intelectuais, ou seja, pela forma
como consegui elaborar em minha memória a minha experiência intelectual, do que
por especialização ou investigação dirigida do tema na vida de outros. E eu
creio sinceramente que este é o tipo de tema em que devemos consultar primeiro
nossos próprios botões. Durante um tempo me considerei incapaz de produzir algo
de muita valia filosoficamente, passados, então, já alguns anos penso que continuo igual e o
que de fato melhorou foi apenas a minha honestidade e sinceridade em relação a
isso. E isso que me leva a usar sempre um tom confessional e bem pessoal em
todos os meus textos. Chamo isso de narrativa ligada ao sujeito e por conta
disto faço sempre uma justificação e narro minha perspectiva em relação a um
tema a partir da minha própria história de estudo em relação à ele. Creio que
não é algo academicamente satisfatório, é muito subjetivo, mas é exatamente o
que considero o melhor que eu posso fazer.
A segunda é que não tinha mesmo o
hábito de participar deste tipo de debate em academia.edu e que, portanto,
talvez erre em diversos aspectos, por meu estilo, por atrasos em prazos, por
abordar o tema sem uma devida formação ou investigação prévia ou com uma
narrativa menos ligada ao objeto do que a mim mesmo e, também, por esta limitação talvez acabe por dar
opinião ou manifestar o que penso sobre os textos dele e de outros aqui acabe
sendo superficial e mesmo equivocado, mas vou mesmo aceitar o risco, contando
um pouco com a sorte e tentando dar um juízo sincero e muito honesto ao que
penso.
O Cesar apresenta a distinção
correlata aquela que eu uso assim, em seu comentário a um comentário de
Carolina: “eu prefiro ver como uma mudança de foco: em vez de focar nas
características da crença, focar nas características do crente.” Ou seja,
estamos mais uma vez de volta ao tema da revolução do sujeito, não são mais
suas crenças que são verdadeiras ou justificadas, mas o crente que é capaz ou
não de justificar suas crenças e reconhecer a verdade e no caso em pauta Cesar
observa duas formas de fazer isto: ou por sorte ou por esforço pessoal e
trabalho. Aqui a distinção entre saber por acaso e saber ou conquistar o
conhecimento de forma mais consistente e profunda é relevante. Mas a narrativa
ligada ao sujeito faz justamente isto reforçar a justificação e narrar a
dificuldade pessoal para o juízo.
Aliás, é por isto que escolho o
título acima que inverte o título do texto proposto pelo Cesar. Porque eu
creio, ainda que sem um justificação teórica completa, que as virtudes
intelectuais levam ao auto-conhecimento e dentre elas a primeira que é a mera
mas não irrelevante curiosidade e/ou como Aristóteles chamava prazer em
conhecer. É como a maioria das epistemologias modernas reconhecem a partir do
conhecimento dos singulares, ou dos particulares que chegamos aos conhecimentos
dos universais e dos conceitos. E muitas vezes compreendemos um conceito sem
saber explicá-lo completamente ou sequer possuir uma ampla esfera de aplicação
do conceito, isto é, sem compreender por instantâneo toda sua serventia, isto
é, ainda, sem interpretá-lo em seu mais amplo âmbito de aplicação.
A parte mais interessante para
mim é que eu falaria, então, de um lugar absolutamente deslocado da discussão
acadêmica sobre isto e calharia por misturar velhas impressões e novas
descobertas e minhas leituras recentes, mas nenhuma delas inclui na minha dieta
filosófica, portanto em minha biografia intelectual pré-acadêmica, acadêmica e
pós acadêmica os textos citados. E uma destas descobertas está relacionada a
minha prática escolar em que preciso trabalhar com uma noção clara de progresso
cognitivo entre as etapas compreensiva ( memorativa superficial), explicativa
(cognitiva inicial) e interpretativa (cognitiva abstrata) na aprendizagem dos
alunos. E trabalhar com uma noção clara de progresso cognitivo envolve planejar
aulas que combinem atividades que toquem pendularmente no concreto e no
abstrato, no compreensivo e prático e no abstrato e interpretativo. Piaget nos
dá esta noção de desenvolvimento cognitivo que uso aqui. E na experiência, estas etapas me mostram que
alguns alunos possuem virtudes intelectuais diferenciadas, isto é, alguns
passam muito rapidamente ao interpretativo e outros ficam bloqueados no
compreensivo com muito tênues impressões, dependendo o tema trabalhado em sala
de aula, seus gostos prévios e conhecimentos e experiências prévias.
Eu creio que os dois pontos
apresentados como centrais: autoconhecimento e virtudes intelectuais são muito
desafiadores, tanto para um leigo em relação aos debates especializados e mesmo
para um especialista na linha de pesquisa. Vou
problematizando as virtudes intelectuais e as questões que me suscitam.
O que podemos chamar ou nominar
de uma virtude intelectual? Quantas virtudes intelectuais poderíamos arrolar
aqui como principais, sem procurar esgotar a lista, mantendo aberta para
inclusões e também aprimoramentos? É possível hierarquizá-las – encontrar uma
virtude cardinal – ou subordiná-las a um único princípio? Como elas são
geradas? As virtudes intelectuais são passíveis de serem produzidas,
construídas ou descobertas? Uma virtude cardinal é passível de possuir graus
diferentes de manifestação ou apresentação? Elas são aperfeiçoáveis? Podemos
complementá-las ou corrigi-las, desenvolvê-las mais para certas finalidades
escolhidas? Como decidimos quando está em jogo uma virtude contra outra? Por
fim, dentro do rol de problemas que me aparecem agora: qual a relação entre o
tema das virtudes intelectuais e o tema das competências e habilidades e como
nós avaliamos as diversas situações problemas de auto-engano, déficit cognitivo
e limitações intelectuais ou de desenvolvimento de aprendizagem em relação a
isso?
Como estamos conceituando
qualidades intelectuais com um designador típico de qualidades morais – virtude
– então também surge a relação entre virtudes intelectuais e virtudes morais e,
também, espaço para, dadas as circunstâncias
especiais ou excepcionais, surgirem os dilemas de decisão ente virtudes
intelectuais e virtudes morais. A Mariane me parece que problematiza no seu
comentário este tema e o Cesar apresenta esta distinção assim: “'intelectual' é
a virtude no que diz respeito ao pensamento, em vez da ação. Intelectual é a
virtude na formação e preservação de crenças, moral é a virtude na ação.” E com
esta definição a virtude intelectual fica associada ao nosso juízo e ao nosso
pensamento e a virtude moral às nossas ações. Ficaria numa espécie de limbo
aqui as intenções e predisposições para ambas ações virtuosas e juízos
virtuosos, a serem confirmadas em ação e em juízo.
Uma das expressões que me deixou
bastante reflexivo no resumo foi de que “sorte não gera mérito” e eu creio que
é preciso relativizá-la – usando aqui um certo princípio de indeterminação,
insegurança causal e também de que nem tudo possui regularidade ou
ponderabilidade - por conta de que muitas das possibilidades de mérito e de
obtenção de mérito estão de fato dependentes de sorte, de situações fortuitas
de condições herdadas e também involuntárias. E na categorização das posições
diferenciadas pelo Cesar eu creio que se apresentam justamente nas duas
posições, no internalismo, no discurso ligado ao sujeito e suas razões e no
externalismo, no discurso ligado as escolhas do sujeito de razões que lhe são
externas. Se não, vejamos, as crenças sortudas não deixam de ser legitimas,
posto que o fator sorte pode ser apenas um dos fatores intervenientes
adicionais á aquisição do conhecimento ou ao êxito no empreendimento, mas pode
por exemplos contra-fatuais – bastando apresentar a coleção de insucessos
típicos na história dos empreendimentos científicos - ser considerado
essencial. Teria uma coleção de exemplos aqui de acasos, coincidências,
escolhas de rumos, escolhas de endereços, condições supervenientes e outros que
afetaram decisivamente a história das ciências e o pleno exercício das ditas
virtudes intelectuais. Isto é, não só de persistência, de muito trabalho,
transpiração e sucessos se montam as montanhas mais altas do conhecimento.
Assim, é possível separar sorte de conhecimento, mas não vejo razão para
excluir a sorte da interpretação do êxito na obtenção do conhecimento e não
basta ter sorte é preciso fazer bom uso dela, no que eu creio que entra
justamente o papel agora das virtudes intelectuais e do autoconhecimento no
sucesso do empreendimento cognitivo, científico e intelectual.
Mas nós também temos exemplos
ruins sobre combinações estranhas de virtudes intelectuais e poder, virtudes
intelectuais que são aplicadas e exercidas exclusivamente para o sucesso
pessoal do agente sem nenhum compromisso moral e também a presença de certas
virtudes intelectuais que são usadas exclusivamente em situações de cobrança ou
exigência externa. É um tema moral que se apresenta aqui e estamos também no
famoso limiar aquele entre auto-engano e loucura, ou entre moralidade e
cognitive clousure.
Os exemplos de vícios
intelectuais dados pelo Eduardo Vizentini em seu comentário, também envolvem
raciocínios falaciosos, como vemos a seguir: “colocaria mais exemplos do tipo
de problema que está aqui envolvido: não apenas o cenário do Cassan
(conspirações), mas também apego cego a ideologia, aceitação acrítica da
propaganda, e por aí vai.” Tenho me deparado com coisas deste tipo e mesmo comn
todos nossos esforços em discernir opinião de conhecimento, no meu caso, ainda
discernir opinião de informação e de conhecimento, reconhecendo graus de conhecimento
diferenciados (para além de Platão), vemos meras negativas de cognição e
ignorância voluntária, tentativas de refutação de argumentos pela simples
aposição de uma negativa, sem opor argumento ou dar razões e também enfrentamos
situações em que mesmo que você refute certos argumentos como falaciosos ou destituídos
de correspondências aos fatos, com o uso de argumentos melhores (mais
informados ou sem raciocínios falaciosos) as pessoas persistem na sustentação
dos argumentos refutados. E os exemplos são abundantes nos dias de hoje, nos
tempos de internet e redes sociais.
Nosso colega comum Renato Duarte
Fonseca – estes dias – citou dois casos de vícios ou desvios ou desventuras das
virtudes intelectuais que se combinam com certa miopia histórica em relação a
fatos bem conhecidos e bem investigados já e que me valem aqui. De um lado, o entusiasmo
de alguns com os movimentos de julho de 2013, que os consideravam
revolucionários e no caso, alguns com claras virtudes intelectuais e destacados
intelectuais, e cita para ajudar o próprio Marx que de bate pronto se ufanava
com o levante de Paris de 1848 considerando-o revolucionário e de significância
global. De outro lado, o caso de um conhecido intelectual que se presta a
justificar e a engrandecer as virtudes dos militares golpistas de 1964 e dos
torturadores contra a Comissão da Verdade. São exemplos de que possuir algumas
virtudes intelectuais não garantem a posse de todo o conhecimento e discernimento
para julgar todos os fenômenos que se apresentam neste mundo.
Deixo de fora aqui apreciações
sobre as formas lógicas e um tratamento sobre crenças que me parece também importante
( no caso aqui ao paradoxo de Gettier e nossos limites de justificação), mas, concluindo,
entendo que a nossa relação entre auto-conhecimento e ceticismo aqui no Brasil
tem nos servido e muito para nos imunizarmos perante certos dogmatismos e
manter erguida a bandeira da dúvida ou da rejeição ao excesso de crença, mesmo
na ótima boa fé, mesmo extrema boa vontade e profissão de fé, para salvaguardar
nossa sanidade, nossa sabedoria comum e também para preservar entre nós um
espaço de diálogo tranqüilo e respeitoso que tenha tolerância e compreensão
para o erro acidental e para os descaminhos da vida (sorte ou azar, escolha ou
deliberação de cada um de nós e seus méritos).
E sei bem que num ou outro caso
parecem conter em semente uma aplicação bem clara do que é chamado auto-engano.
Poderíamos chamar estes casos de opacidade intelectual ou de certo confinamento
ou aprisionamento intelectual como um dia eu mesmo chamei nos meus tempos mais wittgensteinianos.
Porém penso que temos que ser bem mais generosos uns com os outros. Ninguém
possui a sabedoria completa...assim como eu creio que nem todos que compreendem
uma regra compreendem em absoluto todas as suas aplicações possíveis,
precisando se exercitarem e serem estimulados a isso, bem como, entendo, que saber
fazer certas inferências, não dá domínio sobre todas as inferências, e creio
assim que nem possuiremos um dia tal coisa como uma sabedoria completa, pelo
menos não individualmente.
E isso tudo me lembrou uma boa controvérsia
em que me meti e que me fez concluir que temos que confiar mais nos juízos dos
que se dedicam seriamente a certos assuntos e matérias e que isso também é uma
virtude...o que me serve aqui para fechar meu post/comemtário, aguardando com
muita humildade a tua apreciação e discernimento.
ENFIN: Escrevo sobre isto mais
por sua ligação às minhas vivências do que por alguma fascinação com seu
objeto, suas formas ou sua problematicidade externa à mim
Obs.: não coloquei aqui a
bibliografia por considerar um mero comentário.
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