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domingo, 19 de abril de 2015

FEYERABEND EM DEFESA DE SE OUVIREM OS CIDADÃOS: E SUA CRÍTICA AOS RACIONALISMOS, INTELECTUALISMOS, TECNICISMOS, CIENTIFICISMOS E BUROCRACIAS EM GERAL

“O segundo evento que me instigou a afastar-me do racionalismo e ter suspeitas de todas as pretensões intelectuais foi bem diferente. Para explicá-lo, permitam-me começar com algumas observações gerais. O modo em que problemas sociais, problemas de distribuição de energia, ecologia, educação, cuidado com os idosos e assim por diante são “resolvidos” em sociedades do Primeiro Mundo  pode ser descrito em geral da seguinte maneira. Surge um problema. Nada é feito a respeito dele. As pessoas ficam preocupadas. Os políticos disseminam esta preocupação. Chamam-se especialistas. Eles desenvolvem teorias e planos baseados nelas. Grupos de poder, dispondo de seus próprios especialistas, efetuam várias modificações até que uma versão aguada é aceita e efetivada. O papel dos especialistas nesse processo cresceu gradualmente. Temos agora uma situação em que teorias sociais e psicológicas do pensamento e ação humanas tomaram o lugar desse próprio pensamento e ação. Em vez de perguntar às pessoas que estão envolvidas em certa situação problemática, os promotores de desenvolvimento, educadores, tecnólogos e sociólogos obtêm sua informação sobre “o que essas pessoas realmente querem e precisam” de estudos teóricos executados por seus estimados colegas naquilo que eles pensam serem os campos relevantes. Não  se consultam seres humanos, mas modelos abstratos, não é a população-alvo que decide, mas os produtores de modelos. Intelectuais pelo mundo afora assumem como dado que os seus modelos serão mais inteligentes, farão melhores sugestões, terão melhor  apreensão da realidade dos seres humanos do que esses próprios humanos. O que tem essa situação haver comigo?”



FEYERABEND, PAUL. K. Contra o Método. Tradução de Cesar Augusto Mortari. São Paulo: Unesp, 2007, pp.351-352.

E em seguida ele passa a narrar sua carreira até que em 1964 passa a lecionar também para imigrantes mexicanos, índios e negros que passam a ser incluídos na educação americana e se questiona se deve convertê-los ou não, e de repente se dá conta que “Quem era eu para dizer a essas pessoas o que e como pensar.” Na orelha da obra uma passagem explicita a simplicidade da recomendação democrática de Feyerabend: “a voz dos leigos deve ser ouvida.” Deixo as demais considerações e consequências para cada um pensar por si mesmo. 

Só fecho dizendo que este modelo de crítica e de caso de imposição de soluções me lembra muito certos projetos malfadados por soberba, arrogância e excesso de tecnicismo e ensimesmamento, daqueles que deveriam ter construídos eles com muita generosidade, compreensão, permeabilidade, mediação, escuta e humildade junto ao público alvo e que é enfim o maior interessado efetivo pelo sucesso e pelos resultados. 

Sem mais.

Obs. Agradeço muito minhas lições sobre ele da Professora Ana Carolina Krebs Pereira Regner, na UFRGS entre 1989 e 1993. Posto que me abriram a possibilidade de compreender a razoabilidade da sua crítica aos excessos dos racionalismos. 




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