“O segundo evento que me instigou
a afastar-me do racionalismo e ter suspeitas de todas as pretensões
intelectuais foi bem diferente. Para explicá-lo, permitam-me começar com
algumas observações gerais. O modo em que problemas sociais, problemas de
distribuição de energia, ecologia, educação, cuidado com os idosos e assim por
diante são “resolvidos” em sociedades do Primeiro Mundo pode ser descrito em geral da seguinte maneira.
Surge um problema. Nada é feito a respeito dele. As pessoas ficam preocupadas.
Os políticos disseminam esta preocupação. Chamam-se especialistas. Eles
desenvolvem teorias e planos baseados nelas. Grupos de poder, dispondo de seus
próprios especialistas, efetuam várias modificações até que uma versão aguada é
aceita e efetivada. O papel dos especialistas nesse processo cresceu
gradualmente. Temos agora uma situação em que teorias sociais e psicológicas do
pensamento e ação humanas tomaram o lugar desse próprio pensamento e ação. Em
vez de perguntar às pessoas que estão envolvidas em certa situação
problemática, os promotores de desenvolvimento, educadores, tecnólogos e
sociólogos obtêm sua informação sobre “o que essas pessoas realmente querem e
precisam” de estudos teóricos executados por seus estimados colegas naquilo que
eles pensam serem os campos relevantes. Não se consultam seres humanos, mas modelos
abstratos, não é a população-alvo que decide, mas os produtores de modelos.
Intelectuais pelo mundo afora assumem como dado que os seus modelos serão mais
inteligentes, farão melhores sugestões, terão melhor apreensão da realidade dos seres humanos do
que esses próprios humanos. O que tem essa situação haver comigo?”
FEYERABEND, PAUL. K. Contra o
Método. Tradução de Cesar Augusto Mortari. São Paulo: Unesp, 2007, pp.351-352.
E em seguida ele passa a narrar
sua carreira até que em 1964 passa a lecionar também para imigrantes mexicanos,
índios e negros que passam a ser incluídos na educação americana e se questiona
se deve convertê-los ou não, e de repente se dá conta que “Quem era eu para
dizer a essas pessoas o que e como pensar.” Na orelha da obra uma passagem explicita
a simplicidade da recomendação democrática de Feyerabend: “a voz dos leigos
deve ser ouvida.” Deixo as demais considerações e consequências para cada um
pensar por si mesmo.
Só fecho dizendo que este modelo de crítica e de caso de
imposição de soluções me lembra muito certos projetos malfadados por soberba, arrogância
e excesso de tecnicismo e ensimesmamento, daqueles que deveriam ter construídos
eles com muita generosidade, compreensão, permeabilidade, mediação, escuta e humildade
junto ao público alvo e que é enfim o maior interessado efetivo pelo sucesso e
pelos resultados.
Sem mais.
Obs. Agradeço muito minhas lições sobre ele da Professora Ana Carolina Krebs Pereira Regner, na UFRGS entre 1989 e 1993. Posto que me abriram a possibilidade de compreender a razoabilidade da sua crítica aos excessos dos racionalismos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário