Não se trata, como poderia parecer, de uma crise de meia idade, mas sim da
minha completa insatisfação em ver a abundância e a fartura de juízos sobre
isso e aquilo cuja única base é sempre parcial, subjetiva e precipitada. E
estes juízos orientam ações, relações, omissões e comissões. Tipo: ando enjoado
de tanta meia verdade ou verdade e meia. Então dá uma vontade de escrever
cadernos secretos, críticas reservadas, cadernos do cárcere para que um dia
talvez sejam bem queimados no gigantesco incinerador da história que é o tempo.
Porém devo confessar que entre as surpresas e decepções, também tem as boas e
as ótimas surpresas. Como tem gente boa escrevendo bem e pensando melhor que a média e o tal senso
comum que vem dos preguiçosos e acomodados em suas sabedorias e experiências.
Talvez eu comece somente a agir e deixe de lado a necessidade de dar razões,
avisos, alertas e pare de ficar aguardando alguma coisa dali de onde num vai
sair nada mesmo. Talvez assim, me sinta mais reconfortado e pleno e acabe de
vez com essa aparente crise existencial de engajamento e desengajamento,
intervenção e não intervenção e aguarde apenas o andar natural das coisas, o
fluxo contínuo e previsível de alguns fenômenos que na história dos homens
parecem extraordinários e impressionantes, mas que da perspectiva de uma
existência plena e econômica, discreta e subjetiva, não tem nenhuma relevância,
importância ou singularidade a oferecer. Não é bom, nem é ruim, é normal ou
natural que eu tente me entrincheirar em uma perspectiva mais distanciada, isso
poderia acontecer por força da idade que, avançando, me impedisse de perceber
as coisas e responder a elas, mas também pode acontecer por um exílio precoce
causado pelo alijamento ou falta de qualquer correspondência com o mundo
exterior e seus representantes oficiais nos assuntos humanos. Sim, a
incomunicabilidade nos tempos de hoje, poderia ser a causa, diz-se tanto, mas
tão pouco de fato é dito. Então, já que é assim, porque tanta prolixidade? Que causa
ou efeito ela teria em meio ao espetáculo natural? E que diferença faz? Não
sei...meu sentimento estóico se avoluma em meu coração e me apequena a mente,
me deixa com aquela serenidade em que menos é mais, e mais é apenas um menos
amplificado e alardeado. E dá aquela
vontade de tirar o time e fazer só coisas prazerosas e modestas, simples e
comezinhas, já que aqueles que deveriam fazer grandes coisas, só com estas
pequenas ocupações pessoais realmente se ocupam. Vendo então um mundo do faz de
conta se avolumando à minha frente, fico pensando em coisas mais
transcendentais do tipo: não se escolhe pai e mãe, nem o lugar onde nascemos,
nem o tempo em que nascemos, mas ainda assim podemos tentar escolher - naquele
pequeno quadrado que resta a cada um de nós cuidar - como vivemos, com aquelas
pequenas e conhecidas limitações que conhecemos e que envolvem a disposição dos
outros sobre como devemos viver e também o interesse de outros em nos fazer
servir ao sistema, a uma causa ou mesmo cumprir algum papel na máquina deste
grande moedor de carne que é o mundo, ocupar com sua contribuição vermelha ou
quase carmin uma vírgula ou ponto de algum livro de uma história que talvez
seja escrita e talvez seja apenas vivida e esquecida. Neste, e agora vou usar
emprestada a grandiloquência e a precisão de alguns outros, grande vale de
lágrimas que é o mundo assistimos tanto o choro dos insensatos, quanto o riso
cínico das Hienas, assistimos ao Leão buscar sua presa e ao Urubu que aguarda a
parte que lhe cabe no banquete selvagem entre caninos e felinos da savana, mas
também assistimos tanto a graça, quanto o riso e o choro também daqueles que
são apenas ingênuos, inocentes, crédulos, agressivos, pacíficos, comedidos,
tímidos, medrosos e covardes, vacilantes e inseguros, mas que ao dar opinião
sequer se dão conta da frequência ou sintonia de humor em que se encontram e
que afinam suas vozes em diapasões instáveis, de tal modo que jamais encontram
um Lá ou um Sol, uma além e um lugar para brilhar ou iluminar. São só trevas,
obscuridades e os horizontes que nos ofertam não nos agradam. Não posso
orientar minha vida, minha opinião sobre o mundo, minha existência por
profetas, videntes, cartomantes ou
penitentes cuja fé é tão instável, ou o conhecimento é tão seguro quanto a capa
de um jornal, matéria de uma revista, ou o editorial deslocado e distorcido de uma vontade suscetível ao
livre jogo do mercado e suas marés de vontades e disposições transitórias. Sim,
eu sei que não somos importantes, eu sei que pouco posso fazer, mas enquanto eu
puder resistir, liderar a mínima resistência em meu ser, aqui eu ficarei sem me
deixar levar por tuas vontades e juízos insanos. Não sou caça, não sou caçador,
não porto armas nem canhões e não quero nenhuma forma de poder absoluto ou
relativo que dependa de se ludibriar, enganar, prometer ou recontar as mesmas
histórias de sempre, não acredito em milagres pessoais nem em pessoas
milagrosas, não vejo nenhuma
possibilidade de melhorar o mundo com votos ou crenças na
infalibilidade, mas nem por isso aceito
teus erros ou tuas intenções e pelos meios e entremeios que visualizo
sei bem para onde vais e de onde bem vens. Mas tudo que digo aqui é só uma
ficção, um espelho quebrado, que não significa nada, não representa nada e não
conclui coisa alguma. Por assim dizer, dizer e não dizer, fazer e não fazer e
escolher como pensar....não é o Grau Zero, mas também não é um nem menos um, é
enfim pouca coisa que resta dos escombros do achatamento em que me parece que
vivemos hoje...e me parece mesmo que é melhor não falar e é melhor não dizer,
ainda que eu ouse esboçar em palavras sorteadas um porque e um como...Não
sei...
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