Acho que vou trocar meu
espelhinho retrovisor da história hoje. E derrubar algumas fronteiras do
pensamento que para mim não fazem mais nenhum sentido. O que disse o Fernando
Savater sobre “MAIS PROFESSORES E MENOS FILÓSOFOS, merece ser contraditado aqui.
Fernando, de quem confesso não conhecer nenhuma obra, me parece, nesta
entrevista, estar priorizando a dimensão da transmissão do conhecimento, com
seus livros de iniciação a leitura. Tudo bem, isto que tenho chamado de
tradução do conhecimento – seja ele formal ou discursivo, é muito importante
mesmo para estimular e facilitar a leitura aos jovens e ele diz que é isso que ele
andou fazendo. Cito o resumo da matéria aqui referente ao mais professores, porque
no restante ele trata de nacionalismo e da esquerda. Na nota ”Savater explica a
razão pela qual lança tantos títulos dedicados a esclarecer a jovens leitores o
que é a política, a filosofia e a literatura: "No mundo de hoje,
precisamos de menos filósofos e de mais professores".”
Ora, não vejo assim desta forma.
Mas devo dizer também que não publiquei nenhum livro original e que a única coisa
que faço é justamente transmitir, estimular e facilitar o acesso dos jovens aos
clássicos da filosofia ocidental através das aulas e das minhas postagens de
modo que eles adquiram mais conhecimento sobre isto e que tal processo lhes
auxilie na formação de um pensamento, no hábito de argumentar e também de
questionar e interpelar o que ocorre no presente de forma crítica. Então, eu sou
simplesmente um professor e não me considero um filósofo. Mas nem por isso eu
acho que a roda da filosofia deve parar de girar ou que se deva dar um tempo e
parar de ter ou buscar ter novas idéias, produzir novas teorias ou perguntas e
soluções a problemas filosóficos ou do que quer que seja, como ciência, tecnologia,
técnica, arte, religião, cultura ou política. Se for desta perspectiva eu diria
que temos poucos filósofos e muitos professores.
Vejo que os filósofos ou
filosofas - porque nos últimos 200 anos algumas mulheres tem ousado e
conquistado este terreno - são somente professores, porque mesmo aqueles que
não lecionam para uma turma de alunos e que ficam inventando alguma novidade no
domínio do pensamento puro ou teórico, estão fazendo uma parte do trabalho
importante da filosofia, professam alguma coisa para o mundo, respondem ou
perguntam para o mundo.
São aqueles professores, ao meu ver, que carregam velhos
problemas de forma apaixonada mas muito reflexiva da tradição ou autoridade que
os antecedeu, que fazem e farão a nova filosofia. E eles são vistos em geral como
desimportantes, mas vão indo e produzindo suas idéias também. Eles que ficam
revisando linha a linha, que procuram sínteses superiores (movimento UP) ou análises
mais profundas (movimento down) de questões que fazem filosofia e que fazem esta
roda girar e muitas vezes seus incrementos, soluções ou novas idéias e teorias nem
são reconhecidas em vida. Eu sempre lembro do Gottlob Frege e imagino que como
ele podem haver ainda muitos a serem descobertos cuja peneira da história, da
história do pensamento ou da história da filosofia não foi capaz de pegar em
muitas lavras pois não dava conta da originalidade do seu pensamento comprimida
em um pequeno diamante. E posso lembrar o próprio caso de Schopenhauer que talvez – para mim pelo menos – seja o
maior discípulo de Kant e o verdadeiro fundador do pensamento existencial – que
é como eu chamo certa vertente oposta ou paralela ao logicismo justamente
fundado por Frege – Schopenhauer que foi descoberto e reconhecido também
tardiamente, porque possuía como uma espécie de gigante de carisma e eloqüência
lecionando ao seu lado e que o colocava à sombra, como foi Hegel.
Portanto, com mais ou menos
influência e reconhecimento, os professores filósofos promovem interrogações
sobre o presente e descobrem ou inventam alguns novos problemas, respondem ou
tentam responder aos velhos e aos novos problemas e só aparecem na história ou
figuram na linha do tempo do pensamento porque tiveram a fortuna ou glória de
serem reconhecidos por outros intelectuais. E eu creio que neste sentido seria
bom termos mais filósofos sim, porque isso vai significar que os professores
estão refletindo e movimentando-se sobre a tradição e as autoridades do passado
e produzindo alguma diferença, trazendo algo novo. Na minha modesta e ainda
muito insuficiente leitura panorâmica da filosofia, que depende hoje efetivamente
e muito de interpretações de outros, eu creio que deveríamos querer mais filósofos
sim. E imagino, inclusive, que neste exato momento devem haver muitos
trabalhando e lendo, escrevendo e se distraindo com o mundo e que num domingo
pela manhã como hoje possam estar sendo concebidas novas idéias, novas teorias,
novas concepções, novas críticas e novos métodos que farão a roda girar. E que
isso sendo mais original ou menos não importa muito. Eu aceito bem filósofos de
síntese e filósofos de revolução, filósofos reformistas ou filósofos de ruptura
e mesmo os generalistas ou escritores de manual, os que são mais poetas do que
tratadistas, ou mais literários do que sistemáticos estão ao seu modo
trabalhando.
Afora a isso e, além disso, sem
torná-los deuses ou ídolos, porque o pensamento não é privilégio dos filósofos
e das filósofas, não vejo como colocar eles fora de um grupo de pessoas que
exercem de forma especializada e de um modo específico apenas atividades
intelectuais de investigação, reflexão, problematização e relatam isso através
de proposições, discursos, teses, teorias e obras. Portanto, eu quero mais filósofos
também, porque sei que isso só será possível como resultado de melhores
professores. Assim, na divisão social do trabalho estas funções não são mais
tão separadas assim. Então, que apareçam ou que cresçam e apareçam mais filósofos.
Aqui, só para variar, aquela
lição indígena aos europeus ainda vale: uma coisa é uma coisa e outra coisa é
outra coisa e a única coisa que há em comum entre elas, é nós mesmos. Jáquené,
tiveque...
Só me perdoem a obscuridade,
prolixidade, os excessos retóricos e a falta de clareza sistemática e, ainda,
para piorar a possibilidade de estar sendo muito enganador também...
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