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domingo, 4 de maio de 2014

SOBRE O EQUILÍBRIO E A MEDIDA CERTA - NOTA INACABADA

Estou lendo Irwin D Yalom, Mentiras no divâ, com muito prazer e esta leitura tem me conduzido a pensar e a descobrir muitas coisas de mim e dos demais seres humanos. Parece para mim uma obra de formatura ou que preside para mim um rito de passagem da minha psicologia elementar que tem sido digerida e processada desde minhas primeiras leituras até o que penso ou sou capaz de pensar hoje. E me dou por conta de tanta coisa, em suas idas e vindas, diálogos, reflexões, problemas e métodos e me ocorrem, também, sonhos reveladores e muitas associações livres. Algumas velhas ideias voltam à tona e ganham soluções melhores  e muito fortuítas.

Creio que realmente ficamos nos equilibrando dentro de nós mesmos - e isso me parece uma descoberta freudiana que o exemplo de Gabriel ao final endossa e a narrativa de Yalom exibe  - e que nossos próprios solilóquios da consciência, às vezes e muitas vezes mesmo, ganham grandes contribuições externas. Seja pela escuta, seja pelo que nossa fala em boa medida e precisamente provocativa desperta no outro. E tanto nos casos intencionais como acidentais devemos observar mais e olhar mais de perto este detalhe. Perceber com mais atenção a linha de fronteira disto. Tanto daquilo que deixamos escapar quanto daquilo que nos escapa acidentalmente.

Somos em verdade tão permeáveis e influenciáveis e uma mostra disto é que tanto a nossa rígida e rigorosa assimilação dos clássicos, como exemplo aqui, de um cânone – como diria Bloom, ou até de clichês e jargões, quanto nossa comezinha percepção ou recepção de um texto banal – o qual também se alimenta de linguagem, de um discurso, seja de opinião, informação ou conhecimento, em suas diversas graduações, mas que isso mostra que podemos ampliar ainda mais e sempre mais a nossa compreensão. Isto que pode ser sempre um pouco mais é o que mais me fascina e me desafia. E que isso pode acontecer pela produção na linguagem do outro, na poesia do outro ou no pensamento do outro que se vira um dia nosso, ainda que de forma diferente e mesmo com uma interpretação diferente em um tempo diferente.

Percebo muito isso hoje na música. A cada canção que aprendo, ou cada melodia nova, milhares de outras se abrem quase que instantaneamente, por suas relações internas, relações de afinidade por escala, por tom, por ritmo ou por timbre de voz ou tipo de voz e me tem sido incrível descobrir estas relações internas, estas aparentes derivações e parentescos. 

Que grata descoberta que envolve tanto filosofia e reflexão como certa psicologia da existência - une physique du rôle - onde a abertura permite, consente e percebe o momento certo de dizer certas coisas. A flexibilidade, a folga no êmbolo, permite a variação que nos parece necessária e que nos afina com o momento e nós mesmos. E os encontros e desencontros, as fugas e os improvisos fazem algo assim. Abrem um novo para nós naquilo que parecia o velho, naquilo que parecia do passado eque lá poderia ficar. Na música onde mesmo um clássico ganha uma releitura que me parece mais própria e mais sentimental ou atual. Mas eu sei bem já que cada um está num momento muito próprio e muito seu. E na literatura também mesmo em um único autor. E Gabriel, mostra aqui esta forma de equilíbrio ao seu modo irônico e também:

"Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do Zodíaco."

(Memórias de Minhas Putas Tristes - Pg. 74)

Gabriel García Marquez


A citação também foi do Anésio estes dias....

e cada vez que leio este texto mais ideias me assaltam....

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