Estou lendo Irwin D Yalom,
Mentiras no divâ, com muito prazer e esta leitura tem me conduzido a pensar e a
descobrir muitas coisas de mim e dos demais seres humanos. Parece para mim uma
obra de formatura ou que preside para mim um rito de passagem da minha
psicologia elementar que tem sido digerida e processada desde minhas primeiras
leituras até o que penso ou sou capaz de pensar hoje. E me dou por conta de
tanta coisa, em suas idas e vindas, diálogos, reflexões, problemas e métodos e
me ocorrem, também, sonhos reveladores e muitas associações livres. Algumas
velhas ideias voltam à tona e ganham soluções melhores e muito fortuítas.
Creio que realmente ficamos nos
equilibrando dentro de nós mesmos - e isso me parece uma descoberta freudiana que
o exemplo de Gabriel ao final endossa e a narrativa de Yalom exibe - e que nossos próprios solilóquios da
consciência, às vezes e muitas vezes mesmo, ganham grandes contribuições
externas. Seja pela escuta, seja pelo que nossa fala em boa medida e
precisamente provocativa desperta no outro. E tanto nos casos intencionais como
acidentais devemos observar mais e olhar mais de perto este detalhe. Perceber
com mais atenção a linha de fronteira disto. Tanto daquilo que deixamos escapar
quanto daquilo que nos escapa acidentalmente.
Somos em verdade tão permeáveis e
influenciáveis e uma mostra disto é que tanto a nossa rígida e rigorosa assimilação
dos clássicos, como exemplo aqui, de um cânone – como diria Bloom, ou até de
clichês e jargões, quanto nossa comezinha percepção ou recepção de um texto
banal – o qual também se alimenta de linguagem, de um discurso, seja de opinião,
informação ou conhecimento, em suas diversas graduações, mas que isso mostra
que podemos ampliar ainda mais e sempre mais a nossa compreensão. Isto que pode
ser sempre um pouco mais é o que mais me fascina e me desafia. E que isso pode
acontecer pela produção na linguagem do outro, na poesia do outro ou no
pensamento do outro que se vira um dia nosso, ainda que de forma diferente e
mesmo com uma interpretação diferente em um tempo diferente.
Percebo muito isso hoje na
música. A cada canção que aprendo, ou cada melodia nova, milhares de outras se
abrem quase que instantaneamente, por suas relações internas, relações de
afinidade por escala, por tom, por ritmo ou por timbre de voz ou tipo de voz e
me tem sido incrível descobrir estas relações internas, estas aparentes
derivações e parentescos.
Que grata descoberta que envolve
tanto filosofia e reflexão como certa psicologia da existência - une physique
du rôle - onde a abertura permite, consente e percebe o momento certo de dizer
certas coisas. A flexibilidade, a folga no êmbolo, permite a variação que nos
parece necessária e que nos afina com o momento e nós mesmos. E os encontros e
desencontros, as fugas e os improvisos fazem algo assim. Abrem um novo para nós
naquilo que parecia o velho, naquilo que parecia do passado eque lá poderia
ficar. Na música onde mesmo um clássico ganha uma releitura que me parece mais
própria e mais sentimental ou atual. Mas eu sei bem já que cada um está num
momento muito próprio e muito seu. E na literatura também mesmo em um único
autor. E Gabriel, mostra aqui esta forma de equilíbrio ao seu modo irônico e
também:
"Descobri que minha obsessão
por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu
estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário,
todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha
natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação
contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez,
que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre
penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras
reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o
tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um
signo do Zodíaco."
(Memórias de Minhas Putas Tristes
- Pg. 74)
Gabriel García Marquez
A citação também foi do Anésio
estes dias....
e cada vez que leio este texto mais ideias me assaltam....
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