“...o purismo do bem e da perfeição
muitas vezes é uma prestação de serviço
barata para o mal e para um mundo
bem pior do que aquele que poderíamos ter.”
Flávio Williges
Tenho um sentido de respeito por todos que trabalham ou trabalharam sério um dia. E hoje é o dia do trabalhador e o que eu mais vejo são trabalhadores muito sérios que se deslocam todos os dias ao trabalho, que educam seus filhos como podem, que cobram seriedade e que gostariam que as coisas fossem melhores para todos. E uma das coisas mais caras para mim e cujo símbolo mais importante foi posto no meu partido é o do trabalho.
E há uma afinidade disto com minha tradição familiar e cultural, a classe à qual pertenço e a conduta que é estimada por todos os meus familiares, muitos amigos e a maior parte das pessoas que conheço: o respeito ao trabalho alheio. E isso se deve a um sentimento genuíno que me foi dado pelo meu pai. Não havia nada mais aviltante para ele do que desrespeitar o trabalho de outros, sob qualquer pretexto. Ou seja, deveria bater no coração dele um sentimento pouco difuso que dizia que já não basta a exploração e ainda por cima temos que tolerar ou engolir não a crítica ou a correção das nossas ações, mas o desrespeito.
E já tive diversas oportunidades em que assisti este tipo de atitude ser cometida por tipos que no mais das vezes, pouco podem acrescentar, ou pouco fizeram para melhorar tal obra, ação ou trabalho.
Mais tarde eu fui perceber melhor que tipo de pessoas fazem isso, as circunstâncias em que isso é feito e os objetivos, e fiquei algum tempo pensando em que tipo de educação elas receberam para fazer isto e também a relação delas com isto que chamamos de trabalho. Não vou me estender aqui sobre isto porque seria ocioso e só isso já daria um artigo sobre o tema do labor, que na cultura portuguesa tem aquela conotação já bem referida por mestre Sérgio Buarque de Hollanda.
Mas bem, minha relação com tal coisa e com estes tipos de eventos comezinhos da vida dos mortais vem de muito cedo e eu sei exatamente o que é se ocupar com trabalho mais do que 8 horas diárias e satisfazer nisto o desejo de outrem. E também sei o que é sentir o desprezo, a desfaçatez e a injustiça sobre o valor e a qualidade do nosso trabalho. E estive uma boa parte de minha vida fazendo somente aquilo que os outros queriam de mim e, na maior parte das vezes, da forma como exatamente esperavam de mim, como qualquer trabalhador que sobrevive neste mundo.
Seja num balcão de rodoviária, na oficina de meu pai, no estoque da Coolméia ou na Biblioteca setorial como bolsista. Fui vir a trabalhar naquilo que queria e desejava, somente aos 31 anos como professor, antes disto era o que era possível e o que me dava sustentação com algum prazer que aprendi a ter por espírito de adaptação em qualquer trabalho, e de lá para cá é esta minha ocupação, salvo um temporada de 8 anos em gestão pública em que me mantive lecionando, o que também era algo que eu queria muito ter a oportunidade de fazer e do que me orgulho muito.
Assim, tenho além de um respeito muito grande pelo trabalho e certa admiração também pelas pessoas que podem expressar e narrar objetivamente suas trajetórias, não por coerência formal, vaidade ou exibicionismo, mas porque é a história de uma vida que se apresenta nestas narrativas e porque para mim uma história de trabalho, dedicação, persistência e ideais é algo extremamente respeitável e exemplar para todos.
E o Marcos Rolim é um destes, é uma destas pessoas que eu respeito muito pelo seu trabalho que conheço como parlamentar, como jornalista de formação e estudante de ciências humanas em geral, mas em especial pela sua intensa e muito produtiva atuação na área de direitos humanos, por sua dedicação e sua trajetória, e isso permanece mesmo após ele ter se desligado do PT em 2009 e ter adotado outras posições políticas e abraçado outras bandeiras partidárias e adotado outras perspectivas políticas e profissionais, mas não creio ser justo o que ele faz em sua crítica em artigo na página nobre da ZH dominical.
Ele se serve daquele espírito de generalização, a partir do caso de ascendência a dirigente testemunhado por ele e de suspeita do Deputado Federal André Vargas, que – entre outros – que tanto condenamos tem agora sobre si a suspeita de vínculos não convenientes e nem legais com o doleiro da vez. E assim ele passa, em seguida, aos recursos já conhecidos por todos nós de dar solução absoluta a um problema que é relativo e de cuja dimensão, abrangência e prejuízo, não possui precisão, nem dá demonstração clara, a não ser em tese, ou em abstrato, como sói fazer aqueles que ancoram suas opiniões em visões parciais da realidade.
E devo aqui confessar que eu gostaria mesmo que os males apontados fossem exclusivos do PT, porque daí a purgação do PT, resolveria os problemas da democracia brasileira, mas isso não é verdade e nem é a solução. E não uso esta rápida constatação para justificar erros, mas sim para evitar um erro maior que é tratar simplesmente o Partido e seu projeto como culpado. Justamente aquele partido que por menores que sejam seus descaminhos e males é o que mais sofre com isto, é o que mais se confronta internamente com isto, com este vírus endógeno do sistema político brasileiro que está diretamente ligado ao financiamento de campanha e às proezas e façanhas impostas a todos que queiram se eleger ou se manter neste sistema político. E não se trata ai exclusivamente de caixa dois, nem de corrupção, porque há corruptores no cenário eleitoral, mas também existem omissões, manobras e proezas jurídicas e, além disso, condutas que ao contrário de depurar o sistema o consagram ao expertos e exclusivamente a eles. Entre estas a pactuação de interesses de certa esquerda com a direita que tem visibilidade na mídia dominante, desde que paguem seu dízimo às propostas de centro e ao golpismo em andamento o que inclui ai a tão alegada, bem conhecida e notável já crise econômica ou paralisação da economia, a bolha imobiliária, a conta que um dia virá e também o grande descalabro moral na política brasileira. Tudo se passa nessa visão míope como se não houvesse necessidade de olhar com lupa para as rendas e privilégios de uma parte da elite brasileira que está também abrigada sob o estado brasileiro. E a saúde e o judiciário são os abrigos dessa elite no estado brasileiro cujas rendas e vencimentos, condutas e entidades são um escracho a todos os demais servidores públicos e aos cidadãos.
Poderia perguntar o que é que significa e qual propósito está por traz de tentar fazer em artigo de opinião em jornal de ampla circulação, para atacar o PT inteiro, promover a sua impugnação moral e a impingir a ele em absoluto a culpa de um ou de todos os outros que é o que ele faz? É mais fácil e conveniente bater no PT do que nos demais?
Não creio – apesar de todas as imputações que possam ser corretas - que o PT é agora um partido tradicional. O PSB é um partido tradicional ou bem mais tradicional que o PT, o PV virou um partido tradicional ou mais que o PT....e etc. Deixo a Rede de Marina Silva fora disto porque ela não é um partido legalizado ainda. Mas por tudo que vemos reunindo-se em volta de Eduardo Campos e Marina Silva não há nada mais tradicional do que eles hoje no cenário político nacional, conseguir reunir Bornhausen, num socialismo de direita, o que inclui ai seus financiadores de campanha e algumas das mais velhas, experientes e sabujas raposas da política nacional que não são apenas aliados são quadros de ponta de campanha e de concepção política.
Não há nenhum candidato a Anjinhos Baby do lado de lá da aparente Muralha da China da moralidade que obtém vantagem ou anuência destes juízos rolinos.
E este ataque que ele faz ao PT – é bom que se diga aqui - inclui não somente referências ou notáveis, eleitos ou dirigentes, e não creio assim que o PT inteiro deva ter que engolir ou se envergonhar por esta pecha de corrupto. E a forma como ele faz isto transplanta para todos esta responsabilidade o que não é mesmo justo com seus ex-correligionários e também ex-apoiadores, simpatizantes e interlocutores. E não há nenhuma estatística que comprove que o PT é campeão de corrupção ou que é disparado na relação número de filiados ou número de cargos proporcionalmente o mais corrupto ou sequer o mais suspeito. O que há de fato é uma ênfase em determinados órgãos de comunicação, redes de jornais, televisão e rádio sobre o PT cujo interesse é flagrantemente eleitoreiro e não demonstra nenhum propósito sequer mínimo de moralização.
Então, entendo que Rolim passou a adotar o velho método do proselitismo ideológico que já é comprovado e de uso sistemático desta mídia, que ganhou o apelido de PIG, aqui nos sul PRBS e passou, então, a assinar seus artigos com o mesmo interesse político que qualquer outro que distorce a realidade e a objetividade para tirar benefício eleitoral disto ou dar benefícios eleitorais para qualquer outro menos para vítima dos seus golpes. Embarca meu respeitável ex-correligionário no vale-tudo pelo poder. (Que é a contrapartida política do adágio econômico topa tudo por dinheiro.)
Temos, ainda que ele não reconheça, combates duros e difíceis no PT com estes caras como o André Vargas ou o Vaccarezza, e combates duros também com os notáveis, os destacados, os adaptados aos sistema eleitoral e, também, contra as sumidades, os iluminados e contra aqueles que parecem pensar que pertencer a um partido ou ter pertencido a ele lhes dá o direito de querer curvar à todos aos seus desígnios, modos de pensar, interesses ou platitudes pessoais. E ainda há os carreiristas e expertos que só falam quando é conveniente e interessante e se calam a partir do primeiro arranjo de poder que lhes favorece, e cuja única possibilidade de ingressar num partido, se manter num partido ou contribuir, depende sempre da relação nada voluntária, idealista ou programática do custo benefício. Existem aqueles que se julgam mais importantes que a democracia interna ou que se julgam acima das bases ou da plebe que sustenta este partido com bem mais coisas do que idéias, mas com debates cotidianos, contribuições estatutárias e muita militância cotidiana. E, ainda que alguns que estão não montanha ou no castelo e há aqueles que estão lá a bom tempo e que não percebem que os militantes sempre foram a maioria do partido. O PT ainda é partido do ano inteiro. Para resumir citei dois exemplos externos ao RS, porque aqui no RS também há este combate e algumas disputas que parecem regionais, setoriais ou programáticas escondem isto...e vamos continuar tendo estes combates...e eu como outros militantes temos profunda repulsa à qualquer forma de mercenário....e para mim mesmo um mercenário moral se torna um imoral...Assim, a maravilhosa liberdade de escolha, de ir e vir no espectro político deveria fazer com que as pessoas continuassem respeitando suas próprias trajetórias. Sou daqueles que, como outros, me sentiria muito mais à vontade se cada um atacasse aquilo que realmente lhe feriu e não generalizasse sobre os demais...
Sei e tenho convicção de que se deve fazer política com diplomacia, respeito às diferenças e, inclusive, se faz sendo obrigado a se aliar com aqueles que o povo elege, sendo obrigado a engolir e digerir com toda altivez e honradez possível as demais excelências. Alguns, é preciso que se diga sim, se adaptam melhor de fato ao regime eleitoral com condutas suspeitas e em outros casos de muitos sacrifícios, mas isso não torna os que sobrevivem cretinos e os que são derrotados em anjos. O maniqueísmo presente neste juízo é muito favorável ao coitadismo e à diminuição reducionista do estatuto real da política. O balanço dos pecados da política jamais será bom, pois sempre haverá algo a ser superado e é exatamente esta a questão fundamental da política, da democracia e da necessidade de mudança e de projetos novos, que é saber o que é exatamente a causa disto e saber porque isso precisa ser superado.
Mas eu concordo, enfim, com a opinião de meu colega Flávio Williges de que o balanço das virtudes e dos resultados é, até mesmo com muita certeza, superior aos dos resultados dos demais "cretinos e hipócritas" que eleitos para os mesmos fins, realizaram exclusivamente seus interesses e boicotam de forma sistemática qualquer possibilidade de mudança do sistema. Por isto, defendo a reforma política e gostaria muito de ver os militantes morais, kantianos ou não, platônicos ou não, advogando pela mesma causa, mas o que vejo não é isso. Vejo mais pessoas empenhadas em acabar com a política e inclusive em decretar o fim de certos partidos, mas que convivem prazerosamente com o PSDB, PMDB, DEM, PP e PPS, daí seria então sério se vir dizer que o PT acabou?
Tratar das causas e dos males com precisão é bem mais do que substituir legendas. E fecho com em muito com aqueles que com muito cuidado expressam sua objeção sobre estas formas, os tempos oportunos e os propósitos de cada uma destas críticas que o PT sofre em período eleitoral e em todo o cotidiano. E não digo isso querendo escapar do ônus do poder, ou escapar do peso da institucionalidade sobre este partido, mas sim por conta do balanço enviesado que se apresenta ai. É o princípio Ricúpero às avessas o que é ruim precisa ser ultra explorado e o que é bom precisa ser negado, escondido, suspenso e recusado de qualquer forma. E me sinto triste ao ver Marcos Rolim ingressar no rol daqueles que, como Álvaro Dias se preocupam mesmo é com a conquista do poder à qualquer preço, senão pior que isso, com a derrota não somente eleitoral, mas moral de um partido. Quando o objetivo da crítica é menor do que os valores sobre as quais ela tenta se fundamentar então a crítica é de outra ordem e de outra finalidade.
Mas nada como um dia depois do outro e a parte mais importante desta experiência é para mim a constatação de que quem faz uma vez, faz duas. Me lembrando aqui solenemente do que Olívio Dutra passou no RS em 2002. Porque muitos dos que o elogiam hoje como virtuoso, contribuíram para desbastar e socapar seu governo estadual.
O vale tudo da política, não me resta nenhuma dúvida disto, só nos diminui e nos apequena, como vejo agora, por exemplo, também o Sr. Eduardo Campos reinstaurando o debate sobre o aborto pela direita...e isso significa claramente que não se trata de disputa de projeto à esquerda, não se trata ai de disputa de um projeto mais moral, mas sim de um reposicionamento à direita tanto de Dudu quanto de Marina Silva...porque o vale tudo não é uma tentativa de correção moral, é somente um exercício que busca o poder simpliciter à qualquer preço e sob qualquer ideologia....
Caberia aqui uma só nota final: A MAIOR BATALHA É A REFORMA POLÍTICA, sem ela o combate à corrupção, o bom trabalho, nossas trajetórias, os referenciais de honestidade seja em que número forem não servem de nada...pois sem ela a tendência é o vale tudo devorar com mais furor ainda tudo que resta de digno e justo em todos os partidos.
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