Não se trata só de um Golpe, mas
sim de vários Golpes, retrocessos, crises, recuos históricos e que ocorrem em
todo o mundo. Se você começar pela tal primavera árabe, passar pela recessão
européia e americana, pela crise se agravando no oriente médio, os retrocessos
na Comunidade Econômica Européia, saída do Reino Unido, o ressurgimento da
ultra direita em diversos países da Europa, crise na Grécia, Espanha e até
mesmo na Irlanda e somando-se a crises institucionais em diversos outros países
na América Latina e não dá para falar só em corrupção ou usar a corrupção como
argumento neste quadro, mais as crises provocadas pelo terrorismo, os conflitos
no entorno da Turquia, Síria, Curdistão, Chechênia e outros países vemos uma
desorganização quase integral da ordem mundial.
Comecei a pensar na grandiosa
dimensão e impacto disto na nossa vida e na nossa leitura do mundo quando
estive repensando com meus colegas de área de humanas em reunião que nosso
mundo está sendo desorganizado. E a questão aqui não é tanto provar isto, mas
sim pensar como isso ocorre e como vamos responder a isto? Pergunta esta que
foi respondida no inicio do século XX por alguns líderes políticos e que hoje
pode se colocar para os cidadãos e cidadãs comuns. Não tem como não lembrar
aqui de um Stefan Zweig que olha para o mundo se dissolvendo entre as duas
guerras mundiais.
Talvez – e esta é a pior hipótese
que me ocorre - acabaremos nós todos entrando em uma guerra para sobreviver.
Quase como uma ficção cinematográfica. Quando você assiste algumas ficções
americanas de guerra total, invasões alienígenas, guerras zumbis e todas as
outras formas criadas de apocalipse, pense como se sentem os povos invadidos e
espoliados da Ásia, da África, Oriente Médio, América do Sul e outros?
A menor sensação, mas que para
nós é também perturbadora, é a de que “novos governos” querem destruir todos os
nossos direitos e que nosso mundo está se dissolvendo, nossos empregos desaparecendo,
nossos bens perdendo valor e sendo descartáveis com nós juntos. A pior sensação
é ver nossas casas sendo demolidas, destruídas e derrubadas, bombas caindo ali
aonde vivíamos até pouco tempo atrás. É quase um apocalipse global. Nosso mundo
está sendo desorganizado em diversos sentidos.
Quando você olha para o que
ocorre em todos os continentes observa sinais de dissolução do sistema de
divisão social, distribuição de bens e direitos e um reordenamento de tudo que
pode amparar os seres humanos que não possuem capital ou que não estão na
camada superior de dominação, exploração. Aqueles que não possuem salvaguardas
da elite, investiduras e autoridades patriarcais serão dizimados.
Este sistema de exploração
promove, então, uma crise de ajustamento para reorganizarem tudo de novo. Tal
como uma divindade criadora e destruidora. Vivemos um tempo semelhante ao
anterior à primeira guerra. Tudo que existe parece estar realmente em jogo hoje.
E nós somos apenas elementos na
camada mais inferior do sistema. Ideologicamente vejo que a retomada do
fascismo na Europa, América, Ásia e aqui no Brasil, marca e repete justamente o
processo pré conflito. A nova ordem é apenas uma nova desordem mundial que
arrasa os pilares e edificações anteriores para substituir por novas
edificações e estruturas.
Veja bem, meu caro e minha cara
leitora o que você pensa sobre isto. A tua leitura disto pode significar algo
para a nossa sobrevivência. Este é apenas um resumo da abordagem que fiz num
debate da minha área de ciências humanas preparando uma tarefa. Lembro que na
ocasião os colegas concordaram e partimos para a sequência das tarefas colocadas, mas resolvi escrever
porque me dei conta da importância disto.
O exemplo da análise de Piketty sobre
o novo ciclo de acumulação do Capital lembrada por Domingos Alexandre que “num
mundo o de as 62 maiores fortunas se equivalem ao que possui a metade mais
pobre da população da Terra...o que podemos esperar...eles têm o poder e não
vão abrir mão de suas fortunas...”
Aliás, me parece necessário
pensar contra as abordagens tradicionais que dizem que a desorganização é uma
crise do capitalismo, na minha abordagem de fundo falo que a crise não é do
capital, mas sim que a desorganização é um processo de reajustamento do capital
com propósito de reforçar o seu regime de acumulação e a sua supremacia
política à qualquer preço. Nesta conta democracia, direitos humanos, ideais
liberais ou social democratas são apenas bagatelas na mesa de poker real.
A crise é vista, assim, como uma
crise de encomenda – ainda que não se possa satisfazer a paranóia completa com
um fórum de deliberação ou de conspiração do capitalismo global autoconsciente –
uma crise que toca seus canhões na
direção dos trabalhadores, seus direitos, nações periféricas e suas
instituições e algumas nações centrais também onde os rentistas de segunda
linha sucumbem para promover mais concentração.
O capitalismo, já se notou antes,
faz um cálculo de rentabilidade sobre tudo e convive muito bem com contradições,
mas ao contrário é a vida humana, a vida das pessoas que sofre. Para o sistema
derrubar milhares de casas, destruir cidades inteiras, desabrigar milhões ou
gerar milhões de imigrantes se encaixa bem no jogo de construção e reconstrução
do sistema de ganhos e perdas. Catástrofes, massacres, genocídios e toda e
qualquer forma de acontecimento natural ou humano abre espaços para as agências
de reconstrução. O que ocorreu no Iraque e provavelmente o que vai ocorrer em
muitos outros lugares é um exemplo disto.
Exatamente como um Deus demolidor
o capitalismo põe a prova seus filhos e abala todas as estruturas arduamente
conquistadas ou construídas! A maioria das análises da esquerda fica esgrimindo
uma crise no capitalismo como se sua hora estivesse chegando e é bem o
contrário disto.
A crise inviabiliza a mudança
estrutural e social, agrava pela excepcionalidade e anormalidade o sistema de
exploração e torna ele aos olhos da elite mais necessário.
Eu penso, então, ao contrário dos
que se glorificam julgando que o capitalismo irá ruir com a crise e perder seus
fundamentos, porque percebo que quanto mais piora e se agrava a crise mais
inviável fica a ruptura com o sistema. Tudo se passa como se a necessidade de
migalhas aumentasse a opressão e a dependência. Veja os países em crise. A
esquerda toma o poder democraticamente e sucumbe por insuficiência econômica.
É a crise, portanto, que sustenta
e alimenta o sistema...A necessidade de reconstruir a terra arrasada valoriza e
ressignifica o empreendedor, o investidor e o capitalista.
Mas eu não vejo assim. Olhando
para o século XX e XXI, vejo as guerras e as destruições como válvulas de
acumulação e concentração de poder do capital. E o fato delas se darem na
periferia dos grandes centros do capital mostra isto também. Daí sobrevém um
novo ciclo de abundância e estabilidade.
Porém, como agora toco também no clássico
tema dos ciclos econômicos e, além disto, no tema do jogo de expansão entre
periferia e centro e nas mudanças dos centros econômicos e políticos vou
encerrando minha digressão fatalista aqui e deixo apenas a pergunta no ar: Como
interpretar isto de modo a induzir um resultado diferente do tradicional que
envolve levar a crise até seu limite máximo e depois passar ao esforço de reconstrução
de uma PAX de novo temporária?
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