Não sei mais falar de filosofia
fora do curso da vida. Não sei mais pensar em filosofia de forma profissional e
despida da paixão, do acidente, do erro, da falha, do acerto, da sorte, da boa
vontade e da razão que só se apresenta no curso dos acontecimentos da vida. O
afastamento acabou e com ele foi junto a possibilidade de distância ou
separação de uma reflexão lógica, ética ou metafísica do curso da minha vida,
dos meus negócios mundanos e reais. Não subimos mais a montanha, não há uma
torre a partir da qual olhar o mundo, nada acontece de importante para o
pensamento fora do mundo em que vivo, fora das relações reais. E estando nas
relações reais, aquelas relações que não estão sob nosso governo, as relações
indeterminadas e que não controlamos ou planejamos, as relações das crenças,
das certezas, das dúvidas, dos enganos, do deixar-se enganar, dos riscos que
corremos ou evitamos, do que aprendemos ou do que queremos aprender de novo
e melhor. sempre queremos algo melhor. E
enquanto formos assim vamos ousar. por isso não fugimos mesmo do que fazemos de
novo, mesmo sabendo que pode dar errado, mas que fazemos de forma diferente por
acreditar em sua intuição, em seus próprios insights, em conceitos já vistos ou
revistos e - mais que isso - por querer ver de perto, por querer mais, por
querer ser surpreendido. No curso da vida muitos gostariam de ter tudo
planejado e controlado e fazer com que tudo acontecesse na mesma lógica ou
rotina de aplicação categorial de conceitos sobre objetos bem determinados e
dominados, pensam que isto é poder, pensam que isto é sabedoria, mas abandonam
a liberdade e acabam somente sendo oprimidos, dominados e explorados pela
lógica já pronta, já disponível para todos que faz com que o novo e o diverso
nunca seja possível, que tudo seja previsível e pré-determinado porque assim pé
mais seguro. E quando está tábua de previsões falha, quando teus sentimentos
brecam, quando as expectativas frustram e quando o signo não corresponde ao
símbolo, ficamos a nos ver, em nossos rostos transfigurados pelo espanto e
muitas vezes por um ódio do espanto, mergulhados em nossas velhas crenças,
curtidos e desaparecidos em nossa consciência. A filosofia no curso
"normal" da vida deveria poder nos ajudar a ser mais livres e
abandonar a perspectiva do prisioneiro engaiolado em seus feitiços de
linguagem, sentimentos e fixações. Fixações da carne no tempo, fixações como
tatuagens da alma. De um corpo que sofre a uma memória que não te abandona, mas
sim - desta forma sim - ficarás transfigurado vendo de si outra imagem e do
outro outra imagem conhecida ou reconhecida, ainda que não seja a mesma e nem
mesmo seja semelhante. E então, para tua alma volta a mesma velha pergunta:
porque mesmo fazes isto? Porque prossegues pensando assim se tudo já mudou a tua volta? E ele não sabe, pois o
curso da vida também tende a trocar o pensamento pela crença fixada na dor e na
imagem da dor, e nada que aparecer a tua frente irá ultrapassar esta imagem
enquanto perceberes que ela não é sua e nem do outro, mas de um passado que já
passou, de um passado que não volta mais, de uma filosofia que não tem mais
voz, discurso ou alma a lhe guiar e a lhe dar intencionalidade.
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