Estava assistindo em conta-gotas e
com muita parcimônia O Grande Lebowski, por conta das minhas agendas de aulas,
afazeres domésticos e compromissos familiares e externos nesta curta semana de
enterro dos ossos, quarta feira de cinzas e carnaval, não necessariamente nesta
ordem.
Me coloquei de fazer esta venturosa
revisita a este filme depois de uma dica do Cesar Schirmer (o filósofo e amigo)
que comemorou o aniversário de 16 anos do filme estes dias. E sou daqueles que
sigo certas intuições e vou lá ver qualé. Pois foi bem legal porque deu para
pensar e rir bastante e olhar de uma perspectiva diferente para certas coisas desta
vida.
Se eu me desse ao trabalho de comentá-lo
com mais vagar, ligando certas pontas soltas do filme, fazendo digressões e
conexões com outros filmes, creio que daria um bom ensaio sobre temas que me
parecem incidentais nele e outros temas que parecem essenciais e bem originais nele.
Na lista de temas do verbete da Wikipedia e dos que fiz aqui rapidinho você já pode ter
uma idéia fácil disto: 1. O SLACKER, o
homem relaxado e desleixado; 2. O Dudeísmo, ou o CARA, como religião e como
forma de ser do homem comum e prosaico; 3. O engano de identidades e a homonímia
que gera as vezes algumas belas confusões que na vida real parecem peças de ficção;
4. O confronto entre o miserável e o milionário, lembra o primo rico e o primo
pobre figura clássica da comédia de costumes brasileira e universal em que o
desprezo e a indiferença mudam os papéis e posições de ambos; 5. O seqüestro de
mentira em busca do dinheiro para saldar dívidas absurdas; 6. A grande missão de
libertar ou resgatar alguém que não vale a metade do esforço; 7. Os desvios de
rota, roteiro e a falibilidade dos planos; 8. a competição do boliche com
adversários caracterizados e as manhas e estratégias de amedrontamento, bem
como, os desarmes disso; 9. O neurótico agressivo e suas crises de raiva que
botam tudo a perder; 10. o shabbat de mentira da personagem de Goodmann; 11. O alienado
da paz; 12. a cobrança temerária e insegura de um aluguel do inquilino; 13. A apresentação
de dança do locatário e a cena sem sentido e anacrônica; 14. A competição entre
desiguais; 15. As técnicas de pintura e a personagem libertária de Julianne
Moore; 16. O riso cínico e non sense; 17. A busca do dinheiro e a ganância; 18
a voz e a percepção da diferença; 19. O saudosismo de um tempo que não existe
mais; 20. assinar a primeira versão de um manifesto desconhecido; 21. As idiossincrasias
de muitas ou todas as personagens, nenhum deles parece ser real ou compreender
o mundo, me veio a imagem de ratos andando em um labirinto quando dei uma
visada no todo do filme, com encontros e desencontros; 22. As sequências de
fantasias e sonhos de Dude; 23. A fusão de um desempregado convicto num hippie
anacrônico que só busca seu próprio ócio e prazer; 24. A metáfora do boliche e
do último pino; 25. A despedida dos que morrem, suas cinzas e os discursos e
associações sem sentido perante a morte e o desaparecimento; 26. A tremenda e
maravilhosa importância de um tapete para um homem, para uma casa e para cada
um de nós; 27. O rapto da esposa caloteira, Helena de Tróia e toda a guerra que
se segue disto; 28. A banda Autobahn, que me fez ouvir e rever Kraftwerck, com o que
andávamos de skate nos anos 80; 29. A guerra do Iraque e os bonbardeios cirúrgicos
e todo aquele papo de Saddan Hussein, o malvado – aquela estupidez tem relação direta
com o que a Al Qaeda faz depois; 30. E o tema mais interessante – cômica e filosoficamente
falando - que são os Niilistas desolados e coitados, que parecem terem contraído
uma doença da alienação no mundo e serem destinados a infelicidade; 31. O espelho
do homem do ano da Time é maravilhoso em diversos sentidos, porque mostra que
qualquer um visto sob certa perspectiva pode ser o homem do ano, e este é
apenas um dos detalhes e souvenirs digamos assim que se destacam; 32. E enfim a
casa e o produtor de pornôs e a arquitetura modernista da casa do produtor de
pornôs, bem como, a miséria dos roteiros dos filmes pornôs que mostra um debate
sem sentido sobre sexualidade, liberdade sexual e outros fetiches e xistes bem
típicos daquela época dos anos 90; 33. A procura do carro e a quebra do carro
zero por um impulso furioso; 34. A prova de sociologia do menino com as correções
à caneta vermelha; 35. O escritor de série Cult que está vivendo por aparelhos
e recebe ainda devoção do amigo de Dude;
37. O investigador e admirador de Dude naquele fuça e que constata que Dude “enganou
todo mundo”. Poderia desfiar aqui mais uns 20 itens de discussão semiótica,
simbólica e irônica. E enfim a questão
do tempo, que nos aparece com o cowboy narrador...o que sugere que estamos em
um faroeste dos tempos modernos e que nosso herói é somente mais dos
Imperdoáveis homens do nosso tempo miserável e danado. Para não falar nada de
Bukowski ao fundo e no bastidor fundamental deste filme. Eu fico imaginando as
cenas cortadas deste filme pelo universo no entorno da grande personagem de
Jeff Bridges.
Me parece, então, um filme
panorâmico e provocativo para se pensar a condição cultural do anos 90, não
somente nos Estados Unidos, Califórnia, Venice ou Los Angeles de então, ou
seja, ele transcende a questão regional americana e joga no espaço daquilo que alguns
chamava de espaço imaginário da pós modernidade. Ele me parece também mostrar – e atentar aqui
para a eclética trilha sonora para isto - a grande dissonância entre o velho e
o novo naqueles meados dos anos 90 e mais ainda sobre certas temáticas non sense
que o irmãos Ethan e Joel Coen apresentam.
Isso também me parece acompanhar e comparecer também em filmes de Jim Jarmusch,
Quentin Tarantino, Almodóvar e outros naquele mesmo período.
O dudeismo é algo tributário
também disto: na falta de uma teoria, então deixa prá lá Dude...Que é meio que
a doutrina dominante nos dias de hoje.
A cada cena me dou conta o quanto sou feliz e
como vejo graça em coisas banais e simplórias e como podemos rir das pessoas da
sala de jantar e das pessoas que se levam a sério demais, sem serem sérias...o
filme me parece permitir a construção de narrativas diferentes sobre a
personagem principal e mostra como um sujeito cuja condição singular é mínima
pode ser interpretado com graça e leveza. A maior parte das situações são
inacreditáveis e absurdas, mas o filme mostra um pouco isso também como o
inacreditável e o absurdo ronda de fato nossas vidas.
Além disso, o quanto a realidade
é falseada por clichês e estereótipos vazios de tal modo que algumas pessoas
realmente parecem habitar personagens irreais e devem se sentir impotentes a
aprisionadas à eles. Não precisa ser um velho hippie ou junkie viciado em boliche
para entender isso.
This was a valued rug, Dude.
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