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terça-feira, 18 de março de 2014

ATITUDE FILOSÓFICA, CUIDADO E ALIMENTO DA ALMA

Em minhas aulas inicio com um tema que creio que é fundamental, à saber: o que é uma atitude filosófica?  Abono esta dica à professora Marilena Chaui que bem a posta no inicio, em seu primeiro capítulo, de sua obra didática Iniciação à Filosofia.

Interrogo isso e, de certa forma, me posiciono dizendo também que nem toda atitude filosófica leva à uma filosofia, ou se realiza em uma obra filosófica, pois pode apenas envolver uma postura, uma conduta uma propriamente atitude mais interrogativa, crítica e que submeta velhas questões ou discursos a novas perguntas, mas que esta atitude também pode levar a um pensamento melhor sobre algo. Que esta atitude através de suas interrogações, traga novas formas de interrogações, e que da construção de novas alternativas de respostas venham novos pensamentos ou pensamentos diferentes, que respondam às provocações da realidade ou às influencias culturais.

E avanço, também, no questionamento sobre como é possível que se produza um pensamento diferente de sua época, de tal modo que surja a filosofia lá na origem e hoje uma nova filosofia possa ser possível? Como sabes a base disto e uma espécie de confronto ou mudança de estilo e forma em relação à tradição. Resumo o desafio do professor em tentar contribuir para que o pensamento seja mais bem elaborado – na perspectiva kantiana do ensinar a filosofar, não no ensinar filosofia -  e usei claramente a metáfora da comida nesta introdução em que construir um pensamento é como cozinhar e que não nada melhor do que um bom ou excelente pensamento para alimentar a nossa alma.

Sobre a revisão da filosofia antiga, na retomada da filosofia moderna começamos também com a definição de conhecimento de Platão como crença verdadeira justificada e somamos a isto as nuances da Aristóteles na relação com os sentidos. E este tema avançou, também, no seminário integrado, por uma questão de retomada das aulas do ano passado nos segundos anos, por uma questão de iniciação ao método e também de certa análise do discurso, para promover tanto a percepção de diferenças como contribuir para ajuizar as escolhas – no sentido de operações do nosso pensamento, tenho usado uma distinção praticamente canônica de Platão entre doxa e episteme, tenho agregado o termo endoxa de Aristóteles, para ilustrar que nem toda opinião é ruim, prisioneira ou cativa dos erros dos sentidos ou é exclusivamente inútil ao nosso conhecimento.

Para o pessoal do seminário temos usado textos sobre a diferença entre opinião e conhecimento do professor Fabio Ribeiro Mendes, inseridos no seu Livro Iniciação Científica: Para Jovens Pesquisadores, cujo texto á pagina 17, Ciência  e opinião, praticamente reproduz a posição de Platão de modo a gerar co preensão e distinção  básica entre discursos de ciência e discursos de opinião.

E, além disso, se perderes o fôlego, faça uma pausa, também tenha apresentado adicionalmente certa distinção entre três tipos de discurso: o discurso de opinião, o discurso informativo e o discurso de conhecimento e tenho dito que há dentro destes, também, distinções de grau quanto à qualidade do conteúdo apresentado, sua forma e, ainda, quanto a sua relevância para compreender a realidade, os pensamentos ou as idéias das pessoas que são apresentadas em discursos diferenciados, sobre diversos assuntos. Compreendo também que isso é importante – e introduzo exemplos de diversos tipos de fontes de opinião, informação e conhecimento, por óbvio à nossa observação é preciso se compreender que não se trata mais de um contexto em que temos exclusivamente os discursos dos sofistas e dos filósofos, do populacho na ágora e dos sábios. Que no mundo de hoje multiplicadas as mídias passados já 500 anos da invenção da prensa de Gutenberg, da impressão de livros, jornais, revistas, folhetos, panfletos, do rádio, da internet, televisão e cinema, telefone e celular há uma multiplicidade de discursos que permitem que se exercite o discernimento tanto de seu caráter como dos seus graus de aprofundamento, precisão e rigor.

E, por fim, me parece ainda importante dizer que todos estes discursos alimentam nossas almas e que talvez seja melhor pensarmos mais do que os gregos sobre nossas dietas e onde obtemos nossas instruções e na qualidade das instruções que obtemos sobre as coisas. Assim, não podemos perder de vista não por capricho as distinções clássicas, mas o cuidado com aquilo que recebemos para alimentar nossa alma, respeitadas as distinções, compreendidas as diferenças e percebendo-se que trata-se ai também de nossas escolhas para a ação e para o pensamento.    

“Para concluir  vamos recordar uma idéia que já nos havia legado Platão: Platão chama as ciências, que consistem nos logoi, nos discursos, de alimento da alma, da mesma forma que a comida e a bebida são os alimentos do corpo. “Por isso na sua aquisição, deveríamos ter o mesmo cuidado para não sermos aliciados a comprar mercadorias ruins. Há muito mais perigo na aquisição do saber do que na aquisição dos alimentos. Isto porque os alimentos e a bebida que alguém compra de um comerciante podem ser depositados numa vasilha em casa, antes de serem ingeridos e ali permanecem até que venha um especialista capaz de aconselhar sobre o que se deve comer ou beber e o que não, sobre a quantidade e o tempo de ingeri-los. Nessa aquisição o perigo não é tão grande. O saber, porém, não pode ser separado e guardado numa  vasilha especifica sendo inevitável que, tendo pago o seu preço, ele seja imediatamente digerido pela própria alma, e assim sejamos instruídos, seja para o mal, seja para o bem.”


(vide Protágoras 314ab) citado em GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complementos e índices. Cito texto a página 43 do ensaio de 1953, Sobre a verdade nas ciências do espírito. Tradução de Enio Paulo Giachini, Supervisão da Tradução de Márcia Sá  Cavalcante-Schuback. 6ª Edição. Petrópolis: Editora Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2011.                   

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