Menalton Braff, este notável
escritor que vem sendo reconhecido no início do século XXI, em seu artigo ou
Crônica de hoje (03.03.2014) da CaRTA Capital, Pedras que Rolam, (aqui) após detalhar a sua relação com um amigo e
conhecido e de quantas vezes estiveram próximos ou paralelos sem no entanto se
encontrarem, diz que as vezes pensa “nas
pessoas que cruzamos na vida, que poderiam ter sido amigos ou inimigos” e etc. Eu
vou suar isto como uma alavanca aqui para tratar e tentar compreender a nossa
liberdade e indeterminação.
Este tema dele sobre o que lhe é
fortuito e indeterminado e sua curiosidade com isso é um belo tema que recebe
outros títulos na literatura. Os encontros e desencontros, as afinidades eletivas,
aproximações, contatos e cruzamentos, as vidas paralelas e – por conta do seu
caráter fortuito, imprevisível, indeterminado e acidental, estes casos de
aproximação e afastamento de uns e de outros caem no rol das possibilidades,
daquilo que é possível acontecer, mas que não possui necessidade alguma de
acontecer. E que sendo possível acontecer nos leva a pensar em quanto destes
encontros determinam o que nós somos e como vivemos.
No filme dirigido pelos irmãos
Coen, ONDE OS FRACOS NÃO TEM VEZ (2007) aqui que assisti de novo com mais atenção na
semana passada, observamos um velho xerife às voltas com uma série de
assassinatos e um caçador profissional que caça seu alvo e impiedosamente mata
tudo que se atravessa no caminho dele, o momento mais tenso do filme – para
minha escolha e opinião - se dá quando o policial cruza por segundos com o
assassino profissional e psicopata. E isso é tenso porque na trajetória da
personagem de Tommi Lee Jones vemos um homem que reflete com todas as suas
dificuldades e limitações sobre as fatalidades da vida e sobre a sua
dificuldade para entender o mundo ou o tempo em que vive. E esta personagem
conquista nossa admiração seja pela singeleza das suas reflexões, diálogos e
exemplos, seja pela piedade que desperta em nós aquilo que parece ser um pobre
homem, mas que nos fundos me mostra um
bom homem, um homem comum que parece não merecer um final trágico. Devo confessar – abre aspas ou parênteses aqui
- que tanto fisicamente como em suas expressões Tommi Lee Jones sempre lembra e
vai lembrar meu falecido pai. E quem conheceu ou conviveu com meu pai nos
últimos 40 anos deve perceber rapidamente porque. E as suas personagens que
misturam um heróico com um irônico sempre fazem isso comigo, porque meu pai
parecia meio assim também um homem prosaico e simples, mas reflexivo e bondoso,
enérgico e corajoso e bem determinado no seu andamento sobre o mundo. Voltando
ao filme. Fica no ar a possibilidade do encontro cujo desfecho é trágico e bem
previsível para o xerife, mas que mesmo assim é indeterminado e fortuito. E
este encontro entre Ed Tom e Cigurth – a personagem assassina e quase marciana
de Javier Bardem - não acontece, o que nos mostra que mesmo a sorte pode ajudar
ainda em meio ao grande mar de sangue, lágrimas e azares do filme.
E isto nos impressiona neste
filme e na crônica de Menalton, porque nos dá uma noção, de um lado, da nossa
liberdade de escolha, bem como, da nossa responsabilidade nas escolhas, ações e
iniciativas que tomamos, mas também, de outro lado, de que o fator sorte, o
fator fortuito e indeterminado também intervém ai. Vai saber? Diria meu pai.
Então isso nos mostra que não
depende somente de nós, de nossa prudência, maestria, virtude ou sabedoria, as
condições do desfecho ou do que vai ocorrer. E nos vemos assim com duas
dimensões efetivamente decisivas e indecisas. De um lado o que está ao nosso
alcance do outro lado o imponderável, o sobrenatural de Almeida, o que é
misterioso e espantoso e que nos surpreende ao longo da vida. Nosso mundo de
possibilidades passa a ser cindido por aquilo que podemos fazer e aquilo que
não depende de nós. E as vezes aquilo que não depende de nós nos joga em um
trecho pelo qual devemos passar compreendendo.
Como dizem e reproduzem já a
exaustão por ai: somos responsáveis pelos afetos que conquistamos, somos livres
para escolher, mas depois de escolhermos não escapam as conseqüências, todas elas nos advém à medida exata do seu
tempo e da afinação dos demais instrumentos e personagens da vida. Porém, não
somos tão livres assim como julgamos.
Um fantasma ronda nossas vidas, se
aproxima e se afasta da gente, quase como um termômetro que marcasse os nossos
momentos em que passamos por um fio, escapamos por um triz de uma fatalidade,
tragédia, grande alegria ou grande sorte. Andamos sem saber em uma corda bamba
como dizia a canção O bêbado e o equilibrista, que Elis Regina cantou com tanta
beleza. (aqui) Mas isso não deveria nos levar a
pensar em termos fatalistas, nem estabelecer decretos de impossibilidades ou, a
partir de insucessos, determinar que certas coisas não podem dar certo.
Eu andei pensando neste tema dos
cruzamentos e seus efeitos também de uma outra forma ainda, mergulhando em
nossas relações indo para além dos fatos. Aliás, eu suponho que todos que
estudam filosofia ou literatura devam refletir em algum momento sobre isto. Não
creio que seja possível ler o que lemos sobre liberdade, sabedoria, amor,
amizade, compreender tramas ficcionais ou reais, casos existenciais ou
imaginários, sem pensar uma pitadinha nisto.
Todos sabem que pensar nisso e
também isso que se pensa é chamado de influência e que isso também é um dos
elementos de disputa no sentido de explicarmos os comportamentos das pessoas
para além de seus atributos ou herança genética e para além das influências
familiares ou sociais imediatas. E é possível se imaginar aqui como explicar a
trajetória de determinada personagem a partir dos livros que ela leu. Ou como
Harold Bloom tratou da angústia da influência em sua obra.
Penso nisso também por conta de
certo mistério que me provoca no entendimento da filosofia, das obras e
idéias de certos filósofos e filósofas, de como explicar certas direções, certos
estalos, usando aqui uma perspectiva que percebe e se surpreende quando observa
um autor andar em direção do desconhecido e do impensado de forma surpreendente
e ficar se perguntando: Mas como? Sim eu fico me perguntando em como é que ele
foi pensar nisto e guardo esta pergunta às vezes durante a leitura de uma obra
inteira, procurando a sua resposta. Sei que alguns autores tentam ser o mais
transparente possível, sobre suas motivações, sobre o que lhes fez pensar assim
e que registram isso em suas obras e que às vezes o mistério se dissipa, mas,
mesmo assim, permanece uma dúvida, não por falta de confiança, mas porque as
vezes as explicações para tal movimento, direção ou interrogação parecem tão
insuficientes. ( Tenho adotado uma narrativa muito pessoal e confessional
também muito por conta disto, para tentar explicitar ao máximo as influencias,
os tempos delas e as ocorrências que me levam a pensar nisto ou naquilo.)
Este tema do lançamento ou da
escolha – e escrever em tom confessional também é um lançamento aqui - em meio
a indeterminação de muitas possibilidades e seu risco é, então, como a vida...e também a vida do pensamento
tem disto quando escolhemos determinada
direção ou posição para nossa reflexão. É arriscado sim e a sabedoria está em
fazer esta escolha e em saber ou aprender a lidar com aquilo que independe
desta escolha.
Estou então, a partir do texto do
Menalton Braff, do exemplo do filme Onde os fracos não tem vez, da angustia da
influência, escrevendo sobre isto agora: sobre as nossas escolhas e os limites
delas...e ao mesmo tempo lendo a percepção de um filósofo (Renato Janine
Ribeiro) sobre o jogo do Tarot, que ele sempre pensou que dependesse da mão do
oraculista como os búzios, e que então
surpreendido com o fato de que as cartas são escolhidas pelo consulente
e que somente a interpretação é do tarólogo ou taróloga.
Excluindo a idéia de uma vidência
ou do sobrenatural resta apenas o indeterminado. Porém ai há no elemento
fortuito e indeterminado, um elemento para o qual nossa tendência é atribuir a
alguma força sobrenatural ou mística, ou a uma vontade divina, o que ocorre,
mas eu não sei não. Não sei nada sobre isto e não tenho como saber. E o exemplo
do jogo de tarot é um bom caso para percebermos isto, haja visto que ele
depende de uma escolha e de um indeterminação também. Porem a escolha é também
indeterminada na contra-face e na ocultação da face das cartas escolhidas, pois
esta escolha de cartas é feita por alguém que não sabe, enfim, qual carta esta
a escolher na aleatoriedade do que foi embaralhado e disposto à mesa. É uma escolha no escuro como muitas outras em
nossa vida, com o risco para o bem e para o mal disto. (O filósofo Michael Dummett talvez tenha algo
mais a nos dizer sobre o Tarot.)
Mudando um pouco a direção da
minha digressão me lembrei de algo mais ai. Sempre tive que lidar com esta
espécie de dogma do pensamento solitário, e falo dele agora por conta de que
creio que ele não ajuda na compreensão, tanto da influencia como da
indeterminação, porque tudo parece depender do sujeito que pensa quando sabemos
que não. Há, portanto, duas ilusões ai: a ilusão de liberdade e a ilusão de uma
originalidade. Ambas tendem a ser maximizadas para certo proveito pessoal e
para a vaidade de quem pensa ou compartilha seus pensamentos. Creio que há uma
tendência de que isso desapareça com algo que eu poderia chamar de certa
planície do pensamento que vai sendo construída aqui e ali em que a fantasia de
liberdade e de originalidade vão sendo dissolvidas pelo encontro com o outro e
pelo encontro com outros textos e outros pensadores que antes eram
inimagináveis sem as redes sociais blogs e esta ampla circulação de opiniões e
artigos. E hoje é maior e mais intensa a influencia recíproca entre certos
grupos sociais e eu creio nisso como um fenômeno que tenderá a depurar e
qualificar nossos textos, debates e abordagens.
Porque sempre tive comigo mesmo certos
registros de minhas influências e sempre percebi que isso se confrontava com um
certo dogma intelectual. Um dogma em que tudo se passa como se as idéias que
temos fossem produtos somente de nossa reflexão individual, como se nada fora
de nós tivesse provocado. Eu não tenho a menor idéia se tenho mais consciência
que outros, mas eu tenho uma memória que me dá informações sobre muitas influências
conscientes minhas e as recordações são
tão nítidas de tal modo que poderia enumerar as experiências, as vivências e as
fontes de muitas de minhas idéias e concepções.
Ontem mesmo dei de cara com duas
matérias que para mim estão vinculadas a este tema geral das RELAÇÕES SOCIAIS,
das INFLUÊNCIAS e das diversas formas de CONTATOS temporais ou espaciais entre
as pessoas...uma destas teorias é aquela sobre os seis graus que nos separam de
outras pessoas, outra que compartilhei aqui é sobre as DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS
ENTRE IRMÃOS e enfim - agora mesmo lendo textos especializados sobre a relação
entre Platão e Aristóteles (Gadamer, Ross e Jaeger), ou entre discípulo e
mestre ou mestre e aluno e suas diferenças fiquei pensando nas marcas e em como
nos relacionamos com elas.
Já disse antes que virei
professor por conta de certo privilégio dos professores que tive e que isto me
motivou a ser como eles em algum sentido e a lecionar tendo eles como modelo em
muitas coisas, ao contrário de outros que partiram de modelos negativos e que
hoje tem uma performance e concepção diversa...mas bem como seria se fosse
diferente? estamos aqui naquele oceano logo posterior a pergunta: Como isto foi
possível? e que nos leva ao caso de que outra coisa poderia ter sido possível
também.
Mas daí eu lembro de Leibniz e
esta lembrança me destaca a diferença de nível das possibilidades sub specie
aeternitate, onde a opção do criador é A MELHOR DOS MUNDOS POSSÍVEIS, frente ao
nosso nivel mundano em que isso aqui é somente isso aqui que é, nem melhor nem
pior, não há escolha ou há apenas uma pequena margem de escolha e uma grande
margem que independe de nós. Quando Albert Einstein disse que Deus não joga
dados ele pensou em uma dimensão sub specie aeternitate, porém este lançamento
divino permanece em certa medida insondável e a medida que a ciência vai
eliminando alguma indeterminação ou aleatoriedade o que ocorre não é o aumento
da nossa liberdade, mas sim o contrário que é a imposição de um limite físico e
material a ela. Porém tanto a confirmar a hipótese do Big Bang quanto o fim dos
tempos nada poderemos fazer em relação a isso que o mude. E quando Luis
Fernando Veríssimo escreveu a última crônica dele posta em Zero Hora no caderno
dominical, não coincidiu esta publicação com o nosso tema, mas somente
indiciou-se que este tema é mais uma vez presente em reflexões literárias e
filosóficas sob muitas formas, mostrando mais uma vez o limite desta bela
ilusão que temos sobre nossa originalidade e liberdade. Então sofremos influencias seis graus ao
lado, seis graus ao passado, seis graus na literatura e seis graus na
filosofia, enfim, seis graus na vida desta humanidade.
Compreender isto é superar a
vaidade (aquela vaidade que o tio de Ed Tom acusa no filme) de julgar que
podemos realizar a escolha completa ou que podemos superar esta condição com
toda a nossa racionalidade. E não digo
isso para promover alguma resignação, mas sim para despertar uma compreensão
melhor sobre este lançamento e nossa comunidade de condição.
As pedras que rolam são como os
dados que são lançados ou as cartas que escolhemos nos nossos jogos da vida. E
dependem em parte da nossa sabedoria, da nossa sorte e também da dos demais
seres humanos. Isso significa que não é porque algo é assim que somente assim deveria
ter sido ou que esta era a única possibilidade, poderia ser diferente e este é
sim um mistério que devemos respeitar, em especial, nos assuntos humanos para
compreendermos melhor os demais seres humanos que compartilham da mesma
condição de liberdade e indeterminação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário