DA LUTA ENTRE A EDUCAÇÃO E A
IGNORÂNCIA
Essa crise da Pandemia tem
agravado um conflito que já era latente e exposto entre os educadores e
cientistas e uma parte da Sociedade que tem pretendido negar a ciência e a
educação e limitar aquilo que a ciência e a educação apontam para a sociedade.
Isso já aparecia entre os
professores e professoras nas escolas, com o projeto escola sem partido e
também já aparecia no conflito estimulado por algumas seitas e concepções
religiosas com as suas diversas versões de doutrinas criacionistas e as teorias
darwinistas. Para ser honesto esse tipo de concepção não esclarecida ou
irracional também povoa, para nossa infelicidade, as mentes de alguns
educadores.
Também aparecia no espaço escolar
nos temas da educação moral e do ensino de história, sociologia, filosofia,
geografia e outras disciplinas. Os professores e professoras foram muitas vezes
afrontados de que aquilo que eles lecionavam era matéria de opinião e não de
conhecimento. Tem também os eventos de boicotes a vacinação promovidos por
algumas concepções religiosas ou mistificadoras. O terraplanismo também tem
figurado no espaço escolar.
Não custa lembrar que o homem não
pisou na lua, segundo algumas opiniões corriqueiramente apresentadas nas
escolas. O negacionista avança também em bloco contra o holocausto judeu e
europeu. Bem, tem uma tonelada de temas que os negacionistas e suas defesas da
ignorância voluntária, e que eles fazem questão de defender como questões de
liberdade de opinião ou de uma espécie de direito que não pode ser contestado
em ter opiniões, pensamentos e juízos distintos dos que são correntemente
aceitos e reconhecidos nos meios científicos e divulgados nos livros e nas
lições escolares .
E essas defesas são feitas de um
modo cada vez mais audaz. Isso, em parte, é produto de uma educação
democrática, mas por certa coincidência vem acompanhado também de desejos autoritários
e de disposições a impor censura e constrangimento aos educadores. Em alguns
casos marcantes atendem nesses ataques ao lado de acusações de ideologia ou
educação ideológica que deva ser enfrentada. É curiosa essa simplificação
grosseira e essa generalização leviana em relação às lições dos educadores.
Estou pensando muito nisso agora
também em meio a Pandemia de Coronavirus. Já tinha observado no processo
político o impacto desse negacionismo e percebido a aproximação dele com o
irracionalismo e uma modalidade de absolutismo que versa dogmaticamente de que
se uma questão não possa responder uma resposta ou solução absoluta, então ela
deve ser desconsiderada ou simplificada simplesmente para o rol das questões
cuja solução deve ser a mais radical possível.
É um raciocínio bipolar e
simplório que sempre vem carregado de uma base no tudo ou nada e que também
traz junto uma espécie de má fé subjacente de que se eu não consigo compreender
o que você diz ou afirma então nada disso pode ser verdadeiro. Como se tudo que
não é compreendido por um determinado acervo de conhecimento limitado ou
ligeiramente adquirido não pudesse ser verdadeiro mesmo.
O tema de fundo aí é o conflito
básico entre conhecimento e Ignorância e toda essa fumaceira ideológica em
volta apenas aumenta o abismo entre uma e outra. Isso gera uma indisposição ao
conhecimento do que é difícil de compreender e um reforço da posição do
ignorante em não aprender. Não aprender algo vira um direito de escolha. Me
parece que trata-se de uma questão crucial do nosso ofício. A relação entre
Educação e Ignorância.
Rapidamente, me sinto compelido
em afirmar que isso não pode ser justificativa para nós desistirmos ou nos
lamentarmos demais. É um cavaco do nosso ofício. Quando escolhemos ser
educadores fizemos uma opção muito desafiadora em fazer parte de um exército de
trabalhadores cujo principal combate se dá nesses termos bem definidos da luta
entre o conhecimento e a sabedoria e a ignorância e perversidade. É uma luta
civilizatória.
Vou resumir assim. Quando decidi
ser Professor escolhi por tentar atuar para reduzir a ignorância no mundo.
Algum aluno ou aluna pode olhar para mim e dizer que não quer saber, pode dizer
que não interessa saber, pode dizer que quer ser livre para "pensar
diferente", mas não será isso que me fará desistir de tentar tirar ela da
ignorância.
Para ser mais filosófico, nós
somos aqueles moradores da caverna de Platão que conseguimos sair dela e
optamos por voltar para tentar tirar os nossos irmãos e irmãs de dentro dessa
caverna. Isso provoca rejeição, isso provoca resistência e até mesmo alguma
violência contra nós, mas não vamos desistir.
Tocamos em frente. Vamos enfrentar
esse jogo de ilusões e opiniões e dar informação, ter posição e tentar ao
máximo acrescentar cada vez mais conhecimento e, se possível, mais sabedoria
para enfrentar a ignorância e a perversidade que decorre dela.
Essa luta pode parecer ser entre
os sábios arrogantes e pretensiosos e os coitadinhos que não conseguem aprender
ou que não querem sacrificar a sua liberdade de opinião e de pensarem o que bem
entenderem, mas de fato é uma luta entre uma humanidade que quer vencer e viver
com conhecimento e sabedoria e uma parcela da humanidade que recusa isso e não
quer isso.
Nós ficamos nessa luta do lado de
toda a humanidade e da vida.
Obs.: A imagem abaixo é de uma
travessia sobre tábuas em uma enchente (1926 ou 1941, não sei precisar agora),
na primeira quadra da Rua São Joaquim, em São Leopoldo, de umas duas dúzias de
seminaristas entre os dois prédios do então Instituto Anchietano de Pesquisas e
a Faculdade de Filosofia Natural nos antigos prédios da futura Unisinos.
Escolhi ela agora porque estamos sim enfrentando um acidente natural, essa
Pandemia, e porque devemos atravessar ela com uma combinação inteligente de fé
e conhecimento, entendimento e compreensão, que seja dirigida por educação,
sabedoria e amor a humanidade. A imagem pertence ao Acervo do MHVSL - Museu
Histórico Visconde de São Leopoldo.
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