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sábado, 18 de abril de 2015

FILOSOFIA E METAFILOSOFIA: PEQUENOS COMENTÁRIOS A WILFRID SELLARS

"É, portanto, o ‘olhar sobre o todo’ que distingue o empreendimento filosófico. Do contrário, há pouco que distinga o filósofo do especialista persistentemente reflexivo; o filósofo da história, do historiador persistentemente reflexivo. Na medida em que o especialista está mais preocupado em refletir sobre como seu trabalho de especialista se conecta com outras ocupações intelectuais do que em fazer e responder questões no interior de sua especialidade, diz-se, apropriadamente, que ele dispõe de uma mente filosófica. E, na verdade, alguém pode ‘ter seus olhos sobre o todo’ sem fixar-lhe olhar o tempo inteiro. Tratar-se-ia de um empreendimento infrutífero. Além do mais, como outros especialistas, o filósofo que se especializa retira muito da sua noção do todo daquela orientação pré-reflexiva que é nossa herança comum. Por outro lado, dificilmente poder-se-ia dizer que um filósofo tem seus olhos sobre o todo, no sentido relevante, a menos que ele tenha refletido sobre a natureza do pensamento filosófico. É essa reflexão sobre o lugar da própria filosofia na ordem das coisas que é o traço distintivo do filósofo, em contraste com o especialista reflexivo; e na falta dessa reflexão crítica sobre o empreendimento filosófico, alguém é, quando muito, um filósofo em potencial."

Sellars, A Filosofia e a Imagem Científica do Homem.

Concordo que é o “‘olhar sobre o todo’ que distingue o empreendimento filosófico”. Tenho chamado isso de busca da totalidade, de certa ambição pela totalidade, por uma explicação, interpretação ou compreensão da totalidade, e tal ambição tem diferentes versões, mas em todas elas a uma busca de algo como um princípio, uma regra, uma lógica que explique, compreenda, a totalidade a partir de Um. Desde os pré-socráticos tem sido assim. Esta busca da totalidade tem tido, porém, certas variações fundacionais, formais ou lingüísticas.

Com eles a busca por um arché que em principio era um elemento natural e passa logo a ser considerado um elemento formal e sucedendo isso a questão do código, da tradutibilidade e de uma espécie de semântica.   

Nós temos este processo já também com as escolas de Atenas que passa em viés inverso da retórica dos sofistas a um principismo e um certo incremento da perspectiva chamada humanista e aplicada a vida concreta do homem e não mais à cosmologia ou physis, mesmo com a preservação da reflexão formal em Platão e da reflexão natural em Aristóteles, e em ambos o uso e o recurso à retórica. Vejo que ambos se ocupam com grande esforço de assuntos mundanos, a política, a ética e a psicologia e que esta ocupação recebe incrementos próprios nos seus estilos de escritura. Estes incrementos são formais ou semânticos também  ( assim dos sofistas, Sócrates, Academia de Platão e Liceu de Aristóteles se segue uma linha de passe que transforma a busca de uma explicação da totalidade natural para a totalidade da vida e do pensamento humano e seu significado).  
  
Porém, quando olho para a filosofia que é feita hoje – comparativamente a dos antigos e dos modernos - percebo poucos que se ocupam com esta totalidade. E não é só a grande metafísica que foi abandonada, salvas as raras exceções. A maioria se ocupa ou com uma região, ou campo ou domínio especializado da filosofia e em algumas poucas ocasiões produz vôos mais altos. Aliás, me surpreendo com isso que parece uma espécie de divisão social do trabalho filosófico tanto na academia, quanto mesmo em ambientes mais informais e ainda que ela seja ditada em seus temas e problemas pela predileção, escolha livre e eleição dos investigadores ou por uma espécie de força de atração e influência de escolas.

Fiquei pensando nisso, ao preparar minhas lições introdutórias de filosofia contemporânea e olhando para duas constelações de filósofos que chamo de Existencialistas e ou Logicistas. Posso apresentar aqui várias notas sobre isso, mas começaria perguntando sobre o que atraiu cada um e cada uma a uma ou outra escola ou bloco, ou constelação filosófica? Não para deslegitimar a escolha, mas sim para encontrar algo como uma motivação – já vi muitos filósofos se auto-ironizando chamando isso de obsessão – que provavelmente dá espécie de assento espiritual a esta escolha. Sei que em alguns casos ela é acidental, aleatória e mesmo fortuita, que esta escolha ocorre por boas associações, traços de boas lembranças e também que mesmo uma referência na passant ou cruzada pode atrair um leitor sobre certa obra ou autor.

Vivemos um tempo muito diferente do modo de fazer a filosofia e de suas escolhas. As opções, acervos, acessos e mesmo publicações são feitas em abundancia e tanta diversidade que qualquer levantamento – por exemplo – dos livros traduzidos e publicados, o número de suas edições, o tamanho de certos acervos e a diversidade de leitores e usuários deles nos levaria bem longe no raciocínio sobre estes blocos contemporâneos, de tal modo que a aproximação das duas tradições, para ficar na sucessão da Filosofia da Existência  e no Logicismo, em Filosofia Analítica e  Fenomenologia  j[á nos leva com naturalidade para uma aproximação que creio que redundará – sabe se lá onde e com quem – em uma nova expressão desta busca da totalidade e superação. 

Penso nisso toda vez que sou obrigado a fazer algo como uma introdução a filosofia e a tratar da história da filosofia. Para mim fica intrínseco a estas duas atividades fazer algo como uma bem insegura e cautelosa metafilosofia.     
  
“Do contrário, há pouco que distinga o filósofo do especialista persistentemente reflexivo; o filósofo da história, do historiador persistentemente reflexivo. Na medida em que o especialista está mais preocupado em refletir sobre como seu trabalho de especialista se conecta com outras ocupações intelectuais do que em fazer e responder questões no interior de sua especialidade, diz-se, apropriadamente, que ele dispõe de uma mente filosófica.”

Esta diferenciação do Sellars de questões de conexão externa da filosofia com questões internas me parece bem importante aqui também.

“ E, na verdade, alguém pode ‘ter seus olhos sobre o todo’ sem fixar-lhe olhar o tempo inteiro. Tratar-se-ia de um empreendimento infrutífero. Além do mais, como outros especialistas, o filósofo que se especializa retira muito da sua noção do todo daquela orientação pré-reflexiva que é nossa herança comum. Por outro lado, dificilmente poder-se-ia dizer que um filósofo tem seus olhos sobre o todo, no sentido relevante, a menos que ele tenha refletido sobre a natureza do pensamento filosófico.
É essa reflexão sobre o lugar da própria filosofia na ordem das coisas que é o traço distintivo do filósofo, em contraste com o especialista reflexivo; e na falta dessa reflexão crítica sobre o empreendimento filosófico, alguém é, quando muito, um filósofo em potencial."

Sellars, A Filosofia e a Imagem Científica do Homem.


FIM

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