Powered By Blogger

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

SIMONE DE BEAUVOIR – FILÓSOFA E ESCRITORA


Você quer saber mesmo porque eu gosto de ler Simone de Beauvoir?

Eu gosto muito de ler os textos autobiográficos de Simone de Beauvoir. Gosto da precisão de detalhes, do tom e da ironia e auto ironia de que ela se serve e do modo ou estilo como ela narra também.

Não sou, entretanto, um especialista em literatura e estilo literário. Creio que o estilo literário dominante no século XX mistura muita ficção com elementos biográficos. Parece haver uma estrutura ficcional sobreposta a uma estrutura biográfica. Não me dei ao trabalho de mostrar ou estudar como isso ocorre, porém, me parece evidente.

Às vezes a estrutura da ficção deixa a narrativa melhor, pois a enriquece com elementos do extraordinário e com um tom narrativo mais pessoal, sentimental e emocional e em outras as biografias e suas estruturas que fazem a narrativa de fatos, parecem ser melhores.

Estou lendo A Força das Coisas (volumes I e II), nessa obra ela mesma faz a crítica de suas ficções ou o que podemos chamar de auto ironia e eu gostei muito. Uma característica que fica ressaltada nessa obra dela – do qual as outras obras auto biográficas parecem seguir o mesmo modelo, é que ela escreve suas obras meio que como uma resposta às ideias e obras de outros e ela mesma relativiza e faz a crítica mais apropriada e honesta possível de suas obras.

O que eu gostei mesmo foi da lucidez e da clareza com que ela explicita suas razões e ideias que nem sempre parecem ficar claras em suas ficções ou obras teatrais. Ocorreu um insight quando li uma critica ao Murakami e também fiquei pensando nisso. A diferença está entre saber ou vislumbrar as intenções dos autores ou buscar traços de gênio e de alta inspiração.

Porém esse estilo corre o risco de parecer raso e uma narrativa mais trivial. Mas não me parece ser assim. Ao contrário, a simplicidade da expressão e a sua clareza não encobre os dilemas e as reflexões profundas, apenas nos facultam o acesso a elas.

O ponto parece ser bem esse: ter certo grau de informação sobre contexto de produção literária e compreensão das intenções da autora. Simone parece ser uma testemunha altamente reflexiva da história e dos fatos do seu tempo e isso inclui a caminhada de Sartre ao lado ou próximo dela e de toda uma geração da cultura francesa entre guerras (1919 a 1939) e nos pós guerra (1945) até os anos 70.

Mas confesso minha insuficiência para avançar muito nesse debate. Em parte, porque não li toda sua obra e, de outra parte, porque também não li e não tenho domínio do contexto todo e das obras e personagens que são suas contemporâneas. Fico imaginando agora, nós aqui no Brasil que possuímos raros escritores que tentam fazer este esforço intenso de interdisciplinariedade da filosofia, da literatura e das autobiografias de seu tempo, antes mesmo dessa expressão ter uso. Nesse sentido, sinto certo prazer com Simone, pois ela me dá aquilo que eu não conseguiria juntar sozinho de seu tempo, obras e autores. Ou seja, compreender o modo como uma filosofia ou visão de mundo e de existência se expressa no teatro, na ficção literária, em obras autobiográficas e em ensaios e obras filosóficas. É sim a filosofia aplicada à literatura, mas é também a literatura aplicada à filosofia. Assumindo aqui, é claro, a literatura como uma designação ampla a obras de teatro, ficção, auto biografia e poesia.

Eu gosto dela, portanto, por diversos motivos guiados pela curiosidade e pela busca de uma qualidade narrativa e reflexiva. Gosto das ideias dela e da forma como ela as apresenta com uma certa clareza e finesse, mas sempre indo direto no ponto. Eu não diria que ela é menos filósofa que Sartre, nem menos importante. da mesma forma que quando leio Hannah Arendt, não vejo nela um filósofa menor ao seu mestre afetuoso Heidegger, ainda que para mim Heidegger seja um verdadeiro gigante - com todos os riscos que toda forma de grandeza acarreta.

Penso também nesta condição feminina na filosofia. Uma coisa que parece colocar sempre a mulher ou o feminino na lateral dos combates. Não sei se uma figura ou metáfora cai bem aqui. Penso que não. mas me vem a calhar que a guerra, a meia guerra só é vivida nas laterais da história. A verdadeira guerra ocorre dentro de nós mesmos. E a consciência disso as vezes nos suaviza e as vezes nos enfurece. Nenhuma filosofia sobrevive ao engano. No entanto o pensamento de Simone me parece vivo, presente, ativo.

Posso estar enganado, mas creio que deveríamos olhar com mais atenção para estes fenômenos das mulheres na filosofia do século XX. Na maior latitude possível. O que inclui aqui Rosa de Luxemburgo, Simone Weil, Susan Sontag e também algumas escritoras e filosófas que ficam nas áreas de fronteira entre a literatura e a filosofia, a história, a antropologia, nas ciências humanas e mesmo nas ciências exatas e biológicas.

Afinal, são sim obras do pensamento de um tempo, reúnem testemunhos, ideias e também novas formas narrativas e trazem junto novas concepções de mundo e modos de se encarar a vida. Algumas hoje pode parecer triviais, mas no seu tempo não foram. Representaram  verdadeiras revelações existenciais e de estilo.



Obs.: Na imagem, a obra de Simone de Beauvoir, A Força das Coisas, primeiro volume com o marcador de página que recebi de lembrança direto da China de minha amiga APS.

Nenhum comentário:

Postar um comentário