A gente morre, sabia?
Ele levantou os olhos do chão
onde estavam fixados e esperou ela responder aquela obviedade que parece
desaparecer da nossa consciência, até que algo aconteça com alguém e nos faça
lembrar dela.
Ela olhou bem para ele. Uma
lágrima escorreu do olho esquerdo e caiu bem no meio da blusa vermelha. E
aquele tempo de espera do que ela ia dizer pareceu uma eternidade. Ele teve a
impressão de que toda a vida dos dois juntos se passou entre as suas palavras e
aquela lágrima derradeira. Ela se concentrou e respondeu, então, de modo a não
deixar dúvida alguma:
Eu sei. É triste isso.
Ele ficou pensando no que ia
dizer mesmo em sequência. Mas não pronunciou nada daquilo que já lhe estava
pronto na cabeça. Disse, então, simplesmente:
É por isso que nossos momentos
precisam ser sempre os melhores. Podem ser os últimos. Podem ser uma despedida.
Ela olhou para ele e sorriu.
Deu-lhe um beijo na face. Ele retribuiu. Agradeceu a carona e desceu do carro.
Naquela noite eles haviam
conversado sobre tanta coisa, com tão poucas palavras. E enquanto ele seguia na
sua direção, levantou a não esquerda e deu adeus com um gesto simples. Ela
sorriu e ele foi embora.
P.S. É um texto que fiz pensando
na nossa finitude e na extraordinária experiência que nós temos em compartilhar
com alguém uma relação real e verdadeira. Algumas pessoas parecem levar muito
tempo para se dar conta disso. E às vezes fica tarde demais. Eu acredito que
parte da desumanização das relações de todo tipo está ligada ao esquecimento da
finitude e de que nossa existência não é eterna e que talvez não seja possível
mesmo que tenhamos qualquer outra existência além dessa que, na loteria entre
essa fusão de matéria e espírito, foi milagrosamente possível. Se essa loteria
já foi difícil de ganhar para existir, dá para imaginar o privilégio que deva
ser ter uma existência autêntica e genuína, honesta e verdadeira com outra
pessoa ou outras pessoas. Só o esquecimento da finitude não explica a brutalidade
e perversidade de algumas ideologias e tipos de pessoas, mas me parece ser um
sinal do caráter mesquinho delas e do pouco caso e generosidade que elas tem
para com os outros seres humanos. Em face disso é bom lembrar, tanto para quem
amamos quanto para quem nos ama, que a gente morre mesmo e que a vida não dura
para sempre. Assim como deveria ser lembrado para quem nos odeia também. Paz
para os homens e mulheres de boa vontade por que o amor ao próximo é uma bela
forma e talvez a única de imortalidade.
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